O salzinho de Maduro

21.09.18

Por que o ‘chef do salzinho’ não abre uma churrascaria em Caracas? Se você estiver indo passar alguns dias em Istambul, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, tem uma dica para lhe dar. Trata-se da churrascaria Nusr-et.
Lá você encontra cortes de carne de qualidade. Tráfego intenso de celebridades. Assiste a um espetáculo peculiar de arremesso de sal sobre os assados — protagonizado pelo próprio restaurateur, o “Salt Bae”. No Nusr-et, a conta é salgada. O cotovelo do chef, também.

O comensal é acolhido pela solidariedade socialista internacional do anfitrião, que se orgulha de fotos ao lado de pôsteres de Fidel Castro. E, claro, de ter servido o craque canhoteiro (em mais de um sentido) Maradona e também Maduro, seu mais novo amigo de infância.

Com sorte, Salt Bae também lhe oferecerá um belo puro — seguramente oriundo de uma reserva pessoal dos Castro — num “humidor” personalizado com o nome do cliente em placa de ouro.

Na volta de uma viagem à China, Maduro fez questão da parada técnica do voo com a Força Aérea Venezuela em Istambul. Ora, por que não realizar uma escala que lhe permita a degustação de carnes nobres grelhadas por um companheiro turco-bolivariano?

O regime de Maduro (não no sentido politico) é distinto daquele programa nutricional “fitness” a que a grande maioria dos venezuelanos têm de submeter-se: a “dieta chavista de baixas calorias”.

Nós, brasileiros, sabemos bem como tais escalas para reabastecimento de querosene de aviação ou gastronomia de celebridades são importantes.

Em janeiro de 2014, no caminho de volta de sua incipiente participação no Fórum Econômico Mundial de Davos, nossa agora candidata ao Senado Dilma Rousseff aterrissou em Lisboa. Foi desfrutar das delícias preparadas pelo chef Joachim Koerper, do restaurante Eleven.

Na véspera, o badalado estabelecimento lisboeta recebera funcionários da Embaixada do Brasil na capital portuguesa para uma “vistoria” preparativa ao banquete de Dilma.

Não cabe criticá-la pelo apetite sofisticado, a que saciou num dos três únicos restaurantes de Lisboa agraciados com uma estrela no guia “Michelin”. Tampouco pelo merecido repouso naquela noite, quando descansou a carcaça no luxuoso Ritz Four Seasons.

Há que se compreender que dali o Aerolula decolaria rumo a Cuba. Lá, a camaradagem socialista é ampla — ainda mais quando se financia o Porto de Mariel com dinheiro público brasileiro do BNDES. A oferta de restaurantes finos, no entanto, não é o forte da Ilha dos Castro.

Mas voltando à dupla Nusr-et e Maduro, fico pensado que, se o companheirismo ideológico e a empatia gastronômica entre ambos são tão grandes, por que Salt Bae não abre uma filial de sua churrascaria em Caracas? Se estivéssemos falando de apenas dezessete anos atrás, a capital venezuelana talvez pudesse ostentar um restaurante do porte do Nusr-et.

A carne nobre para abastecer o restaurante viria de Argentina ou Uruguai. Ou ainda algumas peças “dry-aged” e marmorizadas de fornecedores nos EUA.

E a demanda se faria presente. De acordo com o critério do PIB (produto interno bruto) per capita, a Venezuela foi o país mais rico da América Latina entre os anos 1970 e 2001.

É incrível, mas no início dos anos 2000 a Venezuela apresentava um consumo de whisky por habitante superior ao da Escócia. Em que pese sua grande desigualdade socioeconômica, os venezuelanos ostentavam no início da década passada renda per capita mais próxima à da Europa mediterrânea do que a de seus primos latino-americanos.

Ora, qual então a razão de hoje, para lamento de seu notável freguês Maduro, Nusr-et descartar o arremesso de sal em terras bolivarianas?

Alguns culpam o que, à primeira vista, parece uma benção: a abundância de petróleo na Venezuela destinaria o país à chamada “maldição das matérias-primas”. O feitiço das commodities pode desencorajar a diversificação da economia, desincentivar o investimento para educar a população e convidar à irresponsabilidade fiscal e ao populismo.

O fato, no entanto, é que nada há de automático entre ser um produtor de commodities e daí, necessariamente, tornar-se prisioneiro das matérias-primas. Austrália e Canadá gozam de enormes vantagens comparativas em commodities minerais. Os EUA, até hoje, são os maiores exportadores mundiais de commodities. Tais atributos não os torna inexpressivos nos bens de alta tecnologia e valor agregado.

Basta realizar uma breve comparação entre Venezuela e Emirados Árabes Unidos. No início dos anos 60, se alguém cogitasse a possibilidade de que uma metrópole – turbinada inicialmente pela força das exportações de petróleo – ascenderia como “hub” global de logística, serviços financeiros, alta tecnologia e entretenimento, todos apostariam que tal centro seria Caracas, e não Dubai.

O areial de Dubai prosperou. Hoje, a produção de petróleo representa apenas 1% da economia daquele Emirado. E a Venezuela é cada vez mais um deserto. Isso tem menos a ver com aptidões naturais, inimigos imaginários ou armadilhas do destino, e mais com instituições, planejamento e visão. Não existe “maldição das matérias-primas”. Há tão-somente a praga da corrupção e das más políticas.

O chef Salt Rae sabe bem disso. Ele mantém uma de suas churrascarias no Hotel Four Seasons de Dubai. Quem sabe um dia a gente não encontre Maduro e Dilma jantando por lá?

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