Adriano Machado/CrusoéO ex-presidente soltou o verbo nos últimos dias. Disse que “a elite brasileira e escravista e a classe média ostenta demais” e que “Bolsonaro não gosta de gente, gosta de policiais”

O risco Lula

O receio de um novo governo do petista aumenta por causa de suas declarações e entrevistas. Veja o que se pode esperar de Lula e PT, com base no passado e no que eles dizem hoje
05.05.22

Na última quarta-feira (4), a revista americana Time trouxe Lula na capa, com os dizeres “O Segundo Ato de Lula – O líder mais popular do Brasil  busca um retorno à Presidência”Como tem sido comum nos últimos tempos, a satisfação com o destaque dado ao petista, que neste sábado, 7, oficializa a sua pré-candidatura ao Planalto, veio acompanhada, para seus assessores, de um sério desconforto com algumas das declarações que ele fez. 

As referências espantosas ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, tratado por Lula como tão responsável pela guerra trágica que ocorre em seu país quanto o invasor russo Vladimir Putin, tiveram uma enorme repercussão negativa no Brasil e no exterior e foram motivo de críticas  dentro do PT. Gleisi Hoffmann, presidente da legenda, respondeu em público aos “professores de Deus“, os petistas que vêm malhando sem dó os colegas da direção do partido, por discordar da maneira como a campanha vem sendo conduzida até agora: “Gente, não vamos mudar de assunto. A crise no Brasil se chama Bolsonaro e seu desgoverno. Professores de Deus que criticam as frases de Lula, muitas vezes escondidos no anonimato, deviam explicar por que ele lidera todas as pesquisas há um ano.” 

Essa não foi a primeira declaração desastrada de Lula. Nas últimas semanas, ele disse que “a elite brasileira é escravista e a classe média ostenta demais”; que “Bolsonaro não gosta de gente, gosta de policiais”; que seria uma boa ideia armar piquetes na frente da casa de deputados federais para constrangê-los; e por aí vai. A sucessão de gafes foi uma das causas da queda do jornalista Franklin Martins, que comandava a comunicação da pré-campanha. Insiste-se no partido que é preciso estruturar melhor a área e convencer Lula a seguir roteiros mais rígidos antes de dar entrevistas ou fazer discursos. Mas ele resiste a aceitar o conselho.

Se as falas de Lula preocupam petistas, elas acendem uma alerta ainda maior para quem se preocupa com a economia brasileira e com outras políticas que ele pode implementar, caso retorne ao poder em 2023. A entrevista à Time não ajudou a dissipar essas aflições, uma vez que, perguntado sobre o que se poderia esperar de uma nova passagem sua pelo governo, Lula foi evasivo: “As pessoas precisam ter em conta o seguinte: ao invés de perguntar o que é que eu vou fazer, olhe o que eu fiz”. Foi o que Crusoé fez, em relação a dez pontos: olhamos o que ele e o PT fizeram e o que Lula e o seu partido vêm dizendo. O levantamento mostra que, ao contrário do que afirma o petista, há razão para preocupar-se com o risco que a sua vitória na eleição presidencial representaria.

 

ReproduçãoReproduçãoCapa da revista Time: declarações desastrosas sobre invasão da Ucrânia
ASSISTENCIALISMO

Lula e PT, ontem: A amplitude e a eficácia das políticas assistenciais do governo Lula contribuíram para os níveis recorde de aprovação com que ele deixou o governo e ajudam a explicar por que sua popularidade se mantém elevada até hoje em regiões carentes do país. Embora seja o mais lembrado, o Bolsa Família foi apenas um dos programas assistenciais lançados pelo petista, que abrangeram desde a construção de cisternas no Nordeste até a oferta gratuita de tratamento odontológico, passando pela expansão da rede elétrica brasileira até áreas remotas. O incentivo ao ingresso de pessoas de menor renda na universidade também foi uma marca do governo Lula, especialmente com o Prouni, que oferta de bolsas de estudo. Essa expansão dos programas sociais, no entanto, deixou de levar em conta a necessidade de controlar os gastos públicos. Embora não tenham sido a causa do desequilíbrio fiscal brasileiro, esses gastos justificaram e contribuíram para esse desarranjo, o que acarretou a crise econômica no governo Dilma. 

Lula e PT, hoje: Duas frases demonstram que o assistencialismo dará novamente a tônica a um eventual governo Lula, servindo de motivo para a derrubada do teto de gastos e abrindo caminho para a ampliação dos gastos públicos em outras áreas. Um dos principais bordões de Lula neste período de pré-campanha tem sido: “Temos de incluir o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda.” Em entrevista coletiva no final de abril ele sintetizou o seu pensamento: “Fazer política social não é gasto, é investimento”. A questão é que é também investimento eleitoreiro, porque o assistencialismo sem porta de saída serve para manter cativos milhões de eleitores que dele dependem e para os quais não são criadas perspectivas de desenvolvimento humano, para além da sobrevivência mais básica.

CUBA E O MAIS MÉDICOS

Lula e PT, ontem: O PT é um partido historicamente ligado à ditadura cubana. Em 1990, após a Queda do Muro de Berlim, Lula e Fidel Castro formaram o Foro de São Paulo, para tentar dar uma sobrevida à esquerda na América Latina. Cuba também treinou diversos quadros do partido, como José Dirceu, que foi chefe da Casa Civil nos três primeiros anos do governo Lula. Em retribuição por sua influência política, Cuba exige que seus apadrinhados, uma vez eleitos, retribuam a generosidade com ajuda econômica, uma vez que a economia da ilha é totalmente dependente do exterior. Como presidente, em 2008, Lula viajou a Cuba dizendo que iria assinar uma série de acordos. “O Brasil tem interesse em ajudar os cubanos a descobrir se tem petróleo em águas profundas. (…) Nós temos interesse em ajudar os cubanos a construir uma fábrica de lubrificantes. Vamos assinar acordos para a construção de estradas, na área de saúde tem muitos acordos”, disse ele a uma rádio. Em entrevista para a Folha, em 2019, o empresário Marcelo Odebrecht, condenado na Lava Jato, afirmou que Lula pediu para que sua empresa fizesse algum projeto em Cuba. A iniciativa, segundo ele, teria “motivação ideológica e geopolítica”. A primeira ideia, de construir estradas, foi recusada pela ditadura. A empresa, então, propôs a ideia de fazer um porto. A obra, uma reforma do Porto de Mariel, a 40 quilômetros de Havana, foi realizada com financiamento do BNDES, e Cuba teria 25 anos para pagar. Ao final, o banco amargou um calote de 3,5 bilhões de reais. Outra maneira de transferir dinheiro para a ditadura cubana foi com o programa Mais Médicos, que teve início em 2013, no governo de Dilma Rousseff. Como o envio de dinheiro para o exterior, por meio da apropriação de 80% do salário dos profissionais cubanos, poderia ser contestado pelo Congresso ou pelo Itamaraty, o governo petista fez um acordo com a Organização Panamericana de Saúde, a Opas. A instituição ficou como intermediária no negócio e abocanhou mais 5% dos salários dos cubanos. Até 2018, quando Cuba abandonou o programa após a eleição de Jair Bolsonaro, mais de 7 bilhões de reais foram transferidos para Havana. A prática de pegar uma fatia do salário dos médicos cubanos, sem deixar que eles se movessem pelo país, foi considerada por duas relatoras da ONU como “trabalho escravo”.

Lula e PT, hoje: O ex-presidente continua fazendo visitas regulares a Cuba e a adular a ditadura. Reeditar uma obra como a do Porto de Mariel seria mais difícil, uma vez que, depois da Lava Jato, se dá uma atenção muito maior à atuação das empreiteiras brasileiras. Reeditar o programa Mais Médicos original, dando autorização para a ditadura cubana confiscar 80% dos seus salários também seria improvável. Com o fim do programa, substituído por Jair Bolsonaro pelo Médicos pelo Brasil, mais de 2 mil médicos cubanos desejaram permanecer no país. Muitos deles fizeram o Revalida e hoje ganham salário integral no serviço público, assim como os profissionais de outros países. Usar a Opas como intermediária, para escapar do controle do Congresso, exigiria muitas manobras. A entidade está sendo processada nos Estados Unidos por quatro cubanos, e um tribunal americano decidiu que a instituição não tem imunidade por ser uma entidade multinacional. A Opas recorreu e uma nova sentença está sendo aguardada. “Hoje há um escrutínio muito maior por parte do Departamento de Estado, do Congresso americano e dos tribunais sobre as atividades da Opas, entidade que tem os Estados Unidos em seu conselho”, diz o advogado americano Sam Dubbin, que representa os quatro médicos cubanos que processam a entidade. “Essa ação ganhou muita visibilidade e deixou claro que Cuba lucra com o tráfico de pessoas em todo o mundo. Se o governo brasileiro quiser retomar o projeto, teria de enfrentar uma oposição muito maior.” Para ajudar Cuba novamente, o PT terá de armar outra estratégia.

GranmaGranmaMédicos cubanos: escravidão organizada pelo PT e pela Opas
DIPLOMACIA

Lula e PT, ontem: Ao assumirem as relações exteriores, em 2003, os petistas prometeram uma diplomacia “ativa e altiva”, condenando o que chamaram de “complexo de vira-lata”. O argumento era o de que o Brasil tinha ficado muito tempo submisso aos Estados Unidos e que, com a chegada de Lula, poderia finalmente assumir seu papel no mundo. Isso seria feito principalmente com uma diplomacia “Sul-Sul”, com menos ênfase aos países ricos do hemisfério Norte. Para chefiar o Ministério de Relações Exteriores, Lula chamou Celso Amorim, que permaneceu no cargo durante os dois mandatos. Amorim foi o responsável por aproximar o Brasil de regimes autoritários, como os do ditador cubano Fidel Castro, do venezuelano Hugo Chávez e do iraniano Mahmmoud Ahmadinejad. Lula também convocou Marco Aurélio Garcia, que tinha sido secretário de relações internacionais do PT e um dos fundadores do Foro de São Paulo, para ser assessor especial da Presidência. Como chanceler informal para a América Latina, ele fez uma ponte direta com diversas siglas e movimentos de esquerda, misturando interesses partidários com os de Estado e escanteando o Itamaraty em diversas oportunidades. O resultado prático foi o enterro das negociações para a Área de Livre Comércio das Américas, Alca, que incluiria todos os países das Américas, à exceção de Cuba. “Nós não queremos ser colônia”, disse Lula, ainda na campanha de 2002. O Brasil também apoiou e participou da fundação de diversos órgãos sem a presença dos Estados Unidos, como a Unasul e os Brics. Algumas posturas renderam bastante polêmica dentro do Brasil. Em 2006, o governo aceitou calado a expropriação de refinarias da Petrobras na Bolívia, sob o governo de Evo Morales. Em uma renúncia completa de soberania, uma nota foi emitida pela Presidência, sem a participação do Itamaraty, apoiando a atitude do governo boliviano. Em outro caso, o Brasil se negou a extraditar o italiano Cesare Battisti, acusado de crimes comuns em seu país. Lula concedeu-lhe indulto no seu último ato como presidente da República, em 2010. Em seus dois mandatos, Lula aproveitou para fazer diversas viagens e receber autoridades. Só no primeiro ano, foram 18 viagens internacionais. Enquanto surfava em uma onda de popularidade no exterior, ele apoiou a expansão de empreiteiras brasileiras, que contavam com o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o BNDES, com todas as consequências descobertas pela Lava Jato. Ao abrir portas para negócios que ocorriam com o pagamento de propinas para autoridades, o PT encheu seu cofre. Segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que assinou um acordo de leniência com a Odebrecht e a Braskem, essas duas companhias pagaram 1 bilhão de dólares em propina em doze países.

Lula e PT, hoje: A presença constante do ex-ministro de Relações Exteriores Celso Amorim na campanha de Lula, acompanhando o candidato em viagens ao exterior e dando palestras e entrevistas, não deixa dúvida de que um governo petista voltaria a usar a diplomacia para agradar às suas bases ideológicas. Amorim poderá ser o próximo ministro de Relações Exteriores ou ser nomeado como assessor especial para Assuntos Internacionais, emulando o que ocorreu com Marco Aurélio Garcia, que morreu de infarto em 2017. Com Amorim no comando, uma aproximação com autocracias e governantes da esquerda da América Latina é inevitável. Mas a manobra não deve render muitos frutos. Os petrodólares venezuelanos, que ajudavam a cimentar essa união regional, sumiu. Promover negócios no exterior também se tornou mais complicado, depois que a Operação Lava Jato descortinou escândalos no Peru, no Equador e em outros países. Vários dos aliados do PT no exterior estão enfrentando crises econômicas. “No período glorioso, Lula e o PT estavam principalmente atrás de negócios rentáveis. Agora, muitos desses governantes estão com dificuldades econômicas visíveis. Os bolivarianos não têm muito o que oferecer ao Brasil”, diz o embaixador Paulo Roberto de Almeida, autor do livro Contra a Corrente. Lula poderia voltar a navegar em sua popularidade no exterior, viajando para países europeus e para os Estados Unidos. Após Jair Bolsonaro ter transformado o Brasil em pária internacional, fazendo pouco caso dos incêndios na Amazônia, os europeus estão ávidos para apertar as mãos de um sucessor, de preferência Lula. A relação com os Estados Unidos do democrata Joe Biden certamente será melhor que a atual, ainda que um ranço de antiamericanismo persista. No sábado, 30, Lula propôs uma “moeda única” para os países da América Latina. O objetivo é “não ter de depender do dólar”. Em entrevista para a revista Time, publicada nesta quarta, 4, Lula culpou os Estados Unidos pelo conflito na Ucrânia e disse que o presidente do país agredido pela Rússia, Volodymyr Zelensky, teria querido a guerra com Vladimir Putin, ao insistir para o seu país entrasse na Otan e na União Europeia. Em seguida, afirmou: “Os Estados Unidos costumam invadir os países sem conversar com ninguém e sem respeitar o Conselho de Segurança”. Apesar de todos os presidentes americanos desde Barack Obama terem adotado uma política externa isolacionista, fugindo o possível de todas as guerras, e de os EUA estarem ajudando a Ucrânia a conter um invasor, para o petista o que prevalece são suas visões arcaicas sobre o imperialismo americano.

LIBERDADE DE IMPRENSA

Lula e PT, ontem: Em agosto de 2004, no primeiro mandato do petista, ele e o partido lançaram a ideia de criar um Conselho Federal de Jornalismo, para “regular” a imprensa. Lula chegou a enviar um projeto ao Congresso, mas recuou diante da forte reação dos veículos de comunicação, que viram nessa proposta a vontade dos petistas de, por meio do tal conselho, para o qual seriam indicados, obviamente, quadros do partido nas redações, amordaçar jornais, revistas e emissoras de rádio e TV. Como no ano seguinte estouraria o escândalo do mensalão, é de se supor que os petistas queriam era mesmo evitar que a imprensa continuasse livre no seu trabalho de fiscalizar o poder. Em abril de 2004, Lula defendeu a criação do conselho, num encontro com representantes da Federação Nacional dos Jornalistas. Disse ele: “O que nós efetivamente desejamos enquanto brasileiros, não enquanto presidente da República, mas enquanto seres humanos, é que, ao abrirmos o jornal e lermos uma notícia, ela seja a mais pura verdade conseguida por aquele jornalista e não apenas a intenção do profissional, do dono do jornal ou coisa parecida. Isso não é bom para quem lê, não é bom para vocês que escrevem, não é bom para o jornal, porque este vai perdendo credibilidade. Eu acho que uma instituição que possa orientar eticamente, profissionalmente e culturalmente é extremamente importante. É uma coisa que será boa para o futuro da imprensa no Brasil. Obviamente, alguns irão dizer sempre que isso é intromissão na autonomia, na independência, que estão querendo fazer ingerência. É só pegar os jornalistas de hoje, você vê que é tudo um bando de meninos e meninas muito jovens, ou seja, que eu acho que uma instituição dessa poderia contribuir para fortalecê-los enquanto profissionais”. Entre essa fala e o encaminhamento do projeto de criação do conselho ao Congresso, Lula ameaçou expulsar do país o jornalista americano Larry Rohter, correspondente do jornal The New York Times, por causa de uma reportagem feita por ele sobre os hábitos etílicos do presidente brasileiro. No ano seguinte, sem conseguir “orientar eticamente” a imprensa e com o mensalão na boca do povo, o PT chancelou o financiamento de uma rede de blogs sujos, para atacar jornalistas independentes que revelavam as mazelas do partido no governo.

Lula e PT, hoje: Em dezembro de 2017, antes de ir em cana, Lula afirmou no Twitter: “Nós vamos regular os meios de comunicação. Eu tenho refletido muito nesses anos fora do governo. Eu sei o que é apanhar da imprensa, eu sei o que é perseguição”. Depois de ser solto pelo STF, que anulou as suas condenações na Lava Jato, Lula e os seus partidários arreganharam ainda mais os dentes para a imprensa que cobriu intensamente a operação e mostrou os crimes cometidos no assalto à Petrobras e adjacências. Pré-candidato à Presidência, o petista voltou a dizer que irá “regular” a mídia, eufemismo usado para designar censura. Ou seja, a ideia de criar um Conselho Federal de Jornalismo deverá voltar à pauta, se ele for eleito — só que agora, com as redes sociais dominando o debate, os tentáculos petistas poderão se estender à internet. “É preciso que haja regulamentação na imprensa. Você não pode regulamentar a imprensa escrita, mas você tem internet para regular, tem o sistema de televisão”, disse Lula a uma rádio de Pernambuco, em fevereiro deste ano, como se fosse possível separar imprensa escrita de internet. Em março, em entrevista a uma rádio de Santa Catarina, ele afirmou: “Você não vai regular jornal e revista, porque isso são livros. Agora, quando você tem a internet funcionando com tantas fake news, em algum momento, a sociedade vai ter que fazer esse debate e ter uma regulação”. As idas e vindas nas falas quanto ao que será “regulado” não são casuais — servem para escamotear o objetivo final de censurar a imprensa, não importa o formato e plataforma. No programa de Fernando Haddad,  apresentado na campanha presidencial de 2018, o capítulo sobre “promover a democracia, o pluralismo e a diversidade na mídia” diz que, se o PT chegasse ao poder, seria apresentada “uma proposta de novo marco regulatório da comunicação social eletrônica, a fim de concretizar os princípios da Constituição Federal para democratizar largamente a comunicação social e impedir que beneficiários das concessões públicas e controladores das novas mídias restrinjam o pluralismo e a diversidade”. O programa afirma ainda que “o monitoramento e aplicação dos princípios constitucionais deve se dar por meio de um órgão regulador com composição plural e supervisão da sociedade para evitar sua captura por qualquer tipo de interesse particular. O novo marco regulatório deverá levar em conta o cenário de convergência efetiva das comunicações, que transforma o controle econômico do setor em uma batalha global, na qual tempo de audiência e verba de publicidade são disputados por velhos e novos atores. Nesse contexto, regulação e políticas para o setor devem garantir a soberania econômica, cultural e política nas comunicações”. O blá-blá-blá, precedido por uma defesa rápida da liberdade de imprensa, não consegue esconder o ímpeto autoritário de controlar veículos de comunicação, a pretexto de “democratizá-los”, o que deve se repetir no programa de Lula, na campanha presidencial de 2022. Enquanto isso, jornalistas petistas já disseminam a historieta de que colegas que cobriram de perto a Lava Jato, aprovando o trabalho da operação, precisam fazer “autocrítica”.

Agência BrasilAgência BrasilLula com Nelson Jobim no Dia do Soldado, em 2010
MILITARES

Lula e PT, ontem: Uma das inseguranças quando o petista foi eleito, em 2002, era se as Forças Armadas iriam bater continência para um político de esquerda, menos de duas décadas depois do fim da ditadura militar. Apesar das divergências ideológicas, os militares mantiveram-se nos marcos da Constituição. Após dois anos desinteressado pela área, Lula buscou favorecer os fardados. Em 2004, o Brasil assumiu a liderança da força da ONU no Haiti e enviou 1,2 mil oficiais a esse país. Negócios vultosos foram fechados no exterior, com condições que ajudavam a desenvolver a indústria bélica nacional. Com o ministro da Defesa Nelson Jobim, que assumiu em 2007, Lula prometeu um plano de reestruturação as Forças Armadas. “Nós precisamos voltar a ter nossas indústrias”, disse o presidente. “O Brasil, na década de 70, tinha empresas modernas, que produziam tanques, um monte de armas para as Forças Armadas. Isso foi desmontado.” Em 2009, Lula e o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, assinaram um acordo de 22,5 bilhões de reais para a compra de helicópteros e submarinos pelo Brasil. O Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro, foi o lugar escolhido para produzir os submarinos com tecnologia francesa. Em 2013, já no governo de Dilma Rousseff, foi anunciada a compra de 36 caças suecos Gripen por 4,5 bilhões de dólares, com direito a transferência de tecnologia e parte da produção local (mais tarde, Lula seria acusado de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa nessa negociação. A ação foi suspensa, em março deste ano, pelo ministro Ricardo Lewandowski). O presidente também colocou as Forças Armadas para atuar em programas de saúde na Amazônia, em programas esportivos e no seu programa Fome Zero. Entre 2003 e 2011, o orçamento da Defesa mais do que duplicou, passando de 24 bilhões de reais para 61 bilhões de reais. “Tudo o que os militares queriam, o Lula fazia.”, diz o cientista político Jorge Zaverucha, professor da Universidade Federal de Pernambuco.

Lula e PT, hoje: O receio de que os militares não aceitariam a posse de Lula ressurgiu, agora entre os aliados do atual presidente. Em seu mandato, Jair Bolsonaro colocou mais de 6 mil cargos do governo nas mãos dos militares e os beneficiou com novas regras de aposentadoria, com salário integral e sem exigir idade mínima. Muitos deles agora estão preocupados com o futuro. “O papel dos militares não é puxar saco de Bolsonaro nem de Lula. Eles têm de ficar acima das disputas políticas”, disse o petista, em março. No mês seguinte, em um encontro na CUT, Lula disse que iria demitir 8 mil militares em cargos comissionados no Executivo. O clima esquentou ainda mais. Em áudios de WhatsApp, militares pró-Bolsonaro lançam suspeitas sobre as urnas eletrônicas, cuja segurança está sendo fiscalizada também pelas Forças Armadas, a convite do TSE, e falam de um possível golpe. No mês passado, Lula colocou seu ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, para avaliar como estava a situação na caserna. “A impressão que fico, nessas conversas, é a de que as Forças Armadas são totalmente legalistas”, disse Nelson Jobim ao Estadão. A verdade é que, se Lula vencer a eleição, até poderá haver alguma confusão causada por oficiais bolsonaristas, mas ela logo seria reprimida. Não vai ter golpe, porque não há condição nenhuma para que isso ocorra também fora das Forças Armadas: a classe média não apoiaria, empresários e banqueiros não apoiariam, os Estados Unidos não apoiariam e o Congresso também não. Todos os golpes que aconteceram no Brasil contaram com esses pilares de sustentação. E não esqueçamos que “tudo o que os militares queriam, Lula fazia”. Aliás, nesta semana, a Reuters divulgou que o diretor da CIA, William Burns, em julho do ano passado teria pedido diretamente  a Jair Bolsonaro, Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional e Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Inteligência, que o governo brasileiro parasse de questionar a legitimidade do processo eleitoral. O gabinete de Heleno nega.

POLÍTICA TRIBUTÁRIA

Lula e PT, ontem: Lula não tem do que se gabar em relação à política tributária adota em seu período na presidência. Logo no início do primeiro mandato, em 2003, ele mandou para o Congresso uma proposta de reforma tributária, que foi aprovada rapidamente. A PEC é lembrada principalmente pela desoneração de itens da cesta básica, de um lado, e pela prorrogação da CPMF, o famigerado tributo sobre movimentações financeiras, de outro. Fora isso, o governo foi marcado por aumentos constantes das alíquotas de impostos, o que elevou a carga tributária de maneira significativa: se em 2002, antes de Lula assumir a presidência, a mordida do Fisco correspondia a 32%, em 2010 ela havia atingido 34,4% do PIB. Lula não promoveu nenhuma mudança estrutural no modelo tributário brasileiro, que continuou penalizando especialmente os mais pobres, ao incidir de maneira desproporcional sobre a produção e o consumo.

Lula e PT, hoje: Lula sabe que não avançou na questão tributária quando presidiu o Brasil e promete fazer o que não fez: “Vamos ter de fazer uma reforma tributária que leve em conta que quem ganha mais tem que pagar mais. Uma reforma que não permita que a pessoa que vive com um salário de dois ou três mil reais pague proporcionalmente mais impostos do que o presidente de um banco”, disse ele em evento com centrais sindicais, em meados de abril. Entre as propostas aventadas até agora estão a cobrança de imposto de renda sobre lucros e dividendos recebidos pelos acionistas de empresas, medida igualmente proposta pelo governo de Jair Bolsonaro, que está parada no Senado, e a taxação de grandes fortunas – medida de eficácia mais do que duvidosa, pois, além de incentivar os muito ricos a levar seus ativos para fora do país, ela ainda tem potencial restrito de arrecadação (a Alemanha, por exemplo, desistiu desse tipo de cobrança já em 1997). 

Agência BrasilAgência BrasilMichel Temer comemora aprovação da Reforma Trabalhista, em 2017
REFORMA TRABALHISTA

Lula e PT, ontem: O sindicalismo, berço de ambos, vinha sendo abastecido, desde a década de 1940, com o dinheiro da contribuição sindical obrigatória, mais conhecida como imposto sindical, que obrigava os trabalhadores a dar um dia de salário aos sindicatos que teoricamente os representavam. Esse dinheiro, na maior parte das vezes, vinha sendo usado para remunerar líderes sindicais com altos salários e financiar indiretamente eventos político-partidários. Em maio de 2006, então presidente da República, Lula criticou os sindicatos que existiam apenas para usufruir do imposto sindical. “Não existe sindicato forte se a categoria não tem no sindicato a sua referência de representação junto ao Estado e aos empregadores. Porque senão você deixa de ser um sindicato de representação dos interesses dos trabalhadores e passa a ser um sindicato de carimbo, vivendo apenas por conta do imposto sindical”, disse ele. Lula, contudo, jamais cogitou acabar com essa apropriação indébita, abolida pela reforma trabalhista de 2017, levada a cabo pelo governo de Michel Temer. Agora, contribui para um sindicato quem o faz por livre e espontânea vontade. Com um grande número de magistrados simpatizantes na Justiça do Trabalho, o PT se opôs à reforma, que também introduziu racionalidade nas disputas jurídicas entre empresas e trabalhadores, como o pagamento de honorários de sucumbência pelos empregados que, mesmo sendo beneficiários de justiça gratuita, perdem as ações que movem contra seus antigos empregadores. Essa medida simples diminuiu em 30% o número de processos trabalhistas, aliviando a Justiça do Trabalho, mas desagradou aos chamados “sindicalistas de toga”, sempre prontos a punir os empregadores como capitalistas malvados. No ano passado, o STF derrubou a obrigatoriedade do pagamento dos honorários de sucumbência por quem tem direito a justiça gratuita e, com isso, o número de ações trabalhistas voltou a subir, para a alegria de advogados espertalhões que usam de empregados descontentes para mover ações não raro despropositadas contra empregadores. Os “sindicalistas de toga” simpatizantes do PT viram nisso um bom sinal para exterminar as conquistas da reforma trabalhista, que, ao modernizar a legislação e dar mais segurança jurídica às empresas, ajudou a reduzir o desemprego em 1,7%, segundo um estudo de pesquisadores da USP.

Lula e PT, hoje: Antes da reforma trabalhista, o imposto sindical gerava 3,5 bilhões de reais por ano. Desse total, 2,1 bilhões de reais iam para sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais. É uma bufunfa que o sindicalismo almeja recuperar num eventual governo Lula. O PT quer transformar a reforma trabalhista num dos grandes assuntos da campanha presidencial deste ano e já usa o exemplo da Espanha, que voltou atrás numa reforma semelhante, para pregar pela sua revogação e a consequente volta do imposto sindical. No mês passado, Lula disse o seguinte, num evento sindical: “Eu não sei se você sabe, Alckmin, que asfixiaram o movimento sindical, cortaram o direito dos dirigentes sindicais estabelecerem as suas finanças. (…) Nós não precisamos recriar imposto sindical. Trabalhador não gosta de imposto sindical. É o dia em que o dirigente sindical é mais xingado, quando chega o dia de descontar um dia do imposto dele. O que a gente quer é ter um artigo na lei que diz que as finanças dos sindicatos serão decididas em assembleia livre, convocada pelo sindicato. É só isso que nós queremos”. Na verdade, entenda-se por “assembleia livre” uma reunião de líderes sindicais e apaniguados, que vão decidir pela volta da contribuição compulsória da sua categoria, como se fosse uma decisão tomada democraticamente. Para não ficar mal com os empresários, Lula não fala em revogação da reforma trabalhistas, mas em “revisão“.

SEGURANÇA PÚBLICA

Lula e PT, ontem: Os dois primeiros mandatos de Lula registaram uma queda leve na taxa de homicídios, que passou de 29,1 a cada 100 mil habitantes em 2003 para 27,8/100 mil em 2010. Em grande medida, o declínio se deveu ao Estatuto do Desarmamento. Essa lei de controle de armas que já vinha sendo trabalhada durante o governo de Fernando Henrique entrou em vigor e reduziu as taxas de criminalidade. Em 2003, foi anunciado o Sistema Penitenciário Federal. “Foram criadas quatro cadeias federais, as quais reduziram o número de rebeliões”, diz Alberto Kopittke, diretor-executivo do Instituto Cidade Segura. A Polícia Federal foi fortalecida, com aumentos de salários e mais autonomia para investigar casos de corrupção. Mais tarde, esse aprimoramento acabou afetando o próprio PT, envolvido em múltiplos desvios. Mas, de forma geral, a área foi tratada com desdém pelos governos petistas. A Secretaria Nacional de Segurança Pública foi mantida longe do Palácio do Planalto, dentro do Ministério da Justiça, com direito a apenas 59 cargos. Bem menos que os 236 da Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca, promovida a ministério, em 2008. Nos primeiros anos, menos da metade do orçamento foi executado. A entrada de Tarso Genro, um dos quadros mais antigos do PT, no Ministério da Justiça deu um perfil fortemente ideológico para a pasta. Em 2007 criou-se o Programa Nacional de Segurança com Cidadania, o Pronasci, que enxergava o problema da criminalidade como fruto das desigualdades sociais. “Os petistas, que veem a polícia como um instrumento da elite contra a periferia, enviaram os policiais para fazer cursos em universidades públicas e privadas. Foi inútil”, diz o coronel aposentado da Polícia Militar José Vicente Silva, consultor em segurança pública. Fatores que sabidamente contribuem para a redução dos crimes, como o policiamento ostensivo e o uso de inteligência nas políticas de segurança foram negligenciados. A falta de mais atenção à área resultou no aumento gradual na taxa de homicídios, durante os mandatos de Dilma Rousseff. Em 2016, ano em que ela foi saída, o número de mortes por assassinato aumentou para 30,3 a cada 100 mil habitantes — três vezes o máximo admitido pela Organização Mundial da Saúde.

Lula e PT, hoje: Petistas sempre se pronunciaram contra o afrouxamento das regras para compra e porte de armas de fogo durante o governo de Jair Bolsonaro. Uma política que revertesse esse processo teria um efeito positivo nos índices de criminalidade. Mas a demonização dos policiais entre os quadros do partido permanece. Em seu discurso de 1º de Maio, Lula criticou Bolsonaro, dizendo que o presidente “só gosta de polícia, não gosta de gente”. Depois teve de se retratar: “Quando eu estava fazendo o discurso, eu queria dizer que o Bolsonaro só gosta de milícia”. A emenda saiu pior que o soneto, quando Lula revelou sua desconfiança com os agentes da ordem. “Eu quero aproveitar e pedir desculpas aos policiais desse país, porque muitas vezes cometem erros, mas muitas vezes salvam muita gente do povo trabalhador”. Os erros, portanto, parecem ser mais regra do que exceção, a julgar pela sua fala. Outra coisa que aparentemente não mudou na cabeça de Lula é a visão de que uma pessoa se torna criminosa por não ter tido oportunidades na vida. É forma de dar uma justificativa moral aos criminosos. Em 2017, numa entrevista para uma rádio universitária de Pernambuco, ele defendeu que existe relação direta entre criminalidade e pobreza: “É uma coisa que está intimamente ligada. Ou seja, o cidadão teve acesso a um bem material, a uma casinha, a um emprego, e de repente o cara perde tudo. Então, ele vira uma indústria de roubar celular. Para que ele rouba celular? Para vender, para ganhar um dinheirinho. Eu penso que essa violência que está em Pernambuco é causada pela desesperança”. A ideia de que a criminalidade é somente o resultado das iniquidades sociais e a desconfiança com as forças policiais sempre provocaram resultados desastrosos. Prova disso são as estatísticas de homicídios nos estados do Nordeste governados pelo PT e por aliados. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança, a taxa de homicídios no Brasil é, hoje, de 19,3 mortes para cada 100 mil habitantes. Nos estados do PT o índice é maior: a Bahia tem 34/100 mil, o Rio Grande do Norte, 32/100 mil e o Piauí, 23,7/100 mil. Entre os estados governados pelo PSB, que indicou Geraldo Alckmin para ser vice na chapa de Lula, os dados também assustam: Pernambuco com 34/100 mil, Maranhão com 26/100 mil e Paraíba com 28/100 mil. O Nordeste, no geral, tem uma taxa de homicídios (30/100 mil) que é quase o dobro da do Sudeste (16,5/100 mil) e incrivelmente maior que a do Sul (13,5/100 mil). Outro mote entre os petistas tem sido o de propor a desmilitarização do modelo policial, alterando profundamente a organização das forças de segurança. Em 2013, o ex-líder estudantil e então senador petista Lindbergh Farias propôs uma emenda à Constituição com esse fim, a PEC 51, propondo a desmilitarização das polícias. Lindbergh Farias é o namorado de Gleisi Hoffman, a presidente do PT, e poderia ganhar protagonismo em uma futura administração petista. “O problema da desmilitarização é que nunca se falou como seria isso, o que causaria uma bagunça monumental”, diz José Vicente da Silva. “O que temos visto nas administrações de esquerda é que elas buscam resolver um problema social, mas deixam o esforço policial em último plano. E, quando a segurança pública vai mal, morre muita gente”.

TETO DE GASTOS

Lula e PT, ontem: Durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), o PT combateu duramente a política fiscal adotada pelo tucano, sob o argumento de que a contenção dos gastos públicos atendia tão somente aos interesses do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outros credores estrangeiros do Brasil. Duas propostas radicais chegaram a ser defendidas pelo partido: a criação de um teto para o pagamento de juros da dívida externa e uma “renegociação” desses débitos. Conforme as eleições de 2002 se aproximavam, contudo, foi ficando claro que essa disposição para romper compromissos financeiros assumidos pelo país criava enorme desconfiança e era um dos grandes obstáculos para a vitória de Lula. Assim, a poucos meses do pleito, veio à luz a célebre Carta ao Povo Brasileiro, assinada apenas pelo candidato petista, e que trazia esta frase crucial: “Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos”. De fato, Lula deu continuidade, em seu primeiro mandato, à política fiscal da gestão anterior. Ele estabeleceu e cumpriu metas de superávit primário que começaram em 3,75% e depois subiram para 4,25% do PIB – o que significa que as receitas do governo superaram suas despesas. Tudo mudou no segundo mandato (2007-2010). Em vez de conter uma tendência já consolidada de aumento dos gastos públicos, Lula entregou a gestão da economia a Guido Mantega e Dilma Rousseff, que defendiam ardorosamente o contrário, ou seja, o abandono da preocupação com o rombo fiscal. A crise financeira internacional que teve início em 2008, forneceu o pretexto ideal para o aumento das despesas. O governo Dilma, que teve início em 2011, levaria essa política às últimas consequências, culminando em perda de confiança dos mercados no governo, uma das maiores recessões da história do país e desemprego. 

Lula e PT, hoje: A criação do teto de gastos no governo Michel Temer procurou deter à força o aumento dos gastos públicos, determinando que, de ano para ano, as despesas do governo teriam de manter-se estáveis, repondo apenas as perdas causadas pela inflação. Ao contrário do que fez em 2002, Lula vai para a campanha neste ano sem demonstrar nenhum interesse em respeitar esse limite. A fala a uma rádio cearense, no começo de abril, exemplifica o tom corrente de suas declarações: “Nós somos contra o controle do teto de gastos. Esse negócio de controlar gastos é para controlar o dinheiro de benefícios para o pobre. É não investir em saúde, é desmontar a educação, é não investir em ciência e tecnologia, para não pagar juros da dívida? Não. Nós precisamos pagar primeiro a dívida que temos com o povo pobre, trabalhador. Nós temos que garantir ao povo que eles vão tomar café de manhã, almoçar e jantar todo santo dia” . Ou, de maneira mais sucinta: “Nós vamos gastar o quanto acharmos que for preciso”. O Lula de hoje, portanto, está mais próximo daquele de antes da Carta ao Povo Brasileiro, para quem a disciplina fiscal não tem benefícios intrínsecos, sendo apenas um artifício para garantir que os ricos receberão “os juros da dívida”. O jornal Valor noticiou que o deputado Alexandre Padilha e do senador Jacques Wagner estão cotados para ser possíveis titulares da Economia em um eventual governo Lula, mas Padilha disse a Crusoé que a discussão sobre um nome é “totalmente prematura” (leia nota). De qualquer forma, a perspectiva de um nome mais político do que técnico para a pasta não é um sinal que transmita tranquilidade ao mercado.

ReproduçãoReproduçãoJanja com o “BOY”: alimentação saudável e defesa dos animais entraram na pauta
PRIMEIRA-DAMA

Lula e PT, ontem: Marisa Letícia (1950-2017), segunda mulher de Lula, mãe de três de seus filhos, e primeira-dama em seus dois mandatos, contava ter criado a primeira bandeira do PT ao costurar uma estrela branca sobre um retângulo de tecido vermelho importado. Sua participação na pré-história do partido e nos seus primeiros anos de existência está documentada de diversas formas. Ela ajudou a coletar assinaturas para a criação da legenda, levantou dinheiro para a construção de sua sede e confeccionou broches, camisetas e outros materiais para as primeiras campanhas eleitorais de que os petistas participaram. Marisa, no entanto, jamais quis ocupar um cargo político, nem poderia ser descrita como mulher politicamente engajada. Tanto assim que, quando o marido chegou à presidência, ela rompeu até mesmo com a tradição de envolvimento das primeiras-damas com trabalhos sociais. Marisa não gostava de falar em público e evitava dar entrevistas. Ela foi, sobretudo, uma conselheira informal de Lula, que o ajudava a refletir antes de tomar decisões e o alertava para questões que podiam ficar à margem das preocupações tradicionais do PT. Foi ela, por exemplo, uma das primeiras a chamar a atenção do líder petista para o crescimento dos evangélicos no Brasil. Lula começou a cortejar Marisa em 1973, e os dois se casaram no ano seguinte. Ele a chamava de “galega”. As quatro décadas em que passaram juntos não foram isentas de crises: Marisa sentia ciúmes de Lula e rumores sobre traições do marido chegavam a ela inclusive por meio da imprensa. A primeira-dama morreu em 2017, devido ao rompimento de um aneurisma. Lula ainda hoje atribui sua morte à tensão provocada pela Lava Jato, que chegou a indiciá-la por lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. 

Lula e PT, hoje: O casamento de Lula com a socióloga Rosângela da Silva, uma paulista de 55 anos mais conhecida pelo apelido Janja, está marcado para o dia 18 de maio. As proclamas já foram feitas em um jornal de São Bernardo do Campo. Mas os detalhes da cerimônia e da festa, que deve receber cerca de 150 pessoas, são mantidos em segredo. O namoro entre os dois tornou-se público em 2019, quando Lula deixou a cadeia. Ela, que o havia visitado várias vezes durante a prisão, o aguardava na porta da Polícia Federal, em Curitiba. Pouco antes, Lula já havia confidenciado a amigos que estava “apaixonado por uma amiga da época das Caravanas da Cidadania”, que aconteceram entre 1993 e 1996. Mais recentemente, Lula deu um sentido político ao desejo de casar, aos 76 anos de idade: Vou casar em uma demonstração de minha crença no futuro do Brasil.” Janja é filiada ao PT desde 1983 e se descreve como uma militante de carteirinha. Ao contrário de Marisa Letícia, ela gosta de falar de política e é bastante ativa nas redes sociais – onde também publica imagens descontraídas de Lula e o chama de “BOY”. Petistas creditam a Janja a inclusão de temas “jovens”, como alimentação saudável e defesa dos animais, no repertório de Lula. Quando pedem ao candidato petista que comente alguma publicação ou opinião da noiva, ele costuma replicar que ela “tem voz própria”. Mas é fato notório que a influência da noiva sobre o candidato é crescente e preocupante para os setores mais moderados do PT, porque Janja estimularia Lula a ser ainda mais lacrador nas suas declarações. Como é natural em relação a uma possível primeira-dama, a história dela vem sendo escrutinada e rendeu um episódio nebuloso: em 2003, primeiro ano do primeiro mandato de Lula, ela conseguiu um emprego na estatal Itaipu. Aparentemente, sem passar pelos processos usuais de seleção. Como primeira-dama, Janja pode ser mais ativa do que o recomendável.

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