AlexandreSoares Silva

Como vencer um debate, mesmo tendo razão

12.05.22

As pessoas inteligentes têm um defeito: raciocinam como se todo mundo fosse como elas.

E tem sido assim ao longo da história. “Hitler pode ser asqueroso, mas não é bobo”, diziam. “Putin pode ser um ditador, mas é esperto, ele nunca vai…”, dizem agora. “Joe Biden de bobo não tem nada, ele vai acabar percebendo que…”

Não, pessoas inteligentes – eles são bobos, sim. Eles de bobos têm tudo. O mundo é dominado pelos bobos faz alguns séculos já.

Isso se vê também na maneira com que discutem as eleições. “As pessoas vão acabar percebendo que…” “Lula e Bolsonaro têm cometido tantos erros que as pessoas vão acabar…” Não, elas não são vocês, pessoas inteligentes. As pessoas gostam de políticos que dizem e falam bobagens. Até eu gosto um pouco disso. Quantas eleições seguidas são necessárias pra vocês perceberem esse fato da natureza humana?

Ou a certeza que têm em pesquisas de voto. Conheço pessoas que me dizem, abaixando a voz, que têm acesso a pesquisas seriíssimas, secretíssimas, feitas por bancos, firmas de investimento e embaixadas de outros países. Eles me dizem com certeza completa (mas baixinho) que o Lula vai vencer. Bancos, firmas de investimento e embaixadas de outros países já estão se preparando para isso. E por mais que essas pesquisas estivessem erradas em eleições passadas, agora estão certas, agora é outra coisa, agora é certeza.

Meus amigos acham que as pessoas inteligentes que trabalham em bancos e firmas de investimento têm que se preparar para o próximo governo e eles não seriam burros de basearem os seus investimentos em pesquisas erradas, seriam? Pessoas que são tão boas com dinheiro? Seriam?

Sim, seriam, e seriam burros desse jeito específico das pessoas inteligentes, confiando demais na inteligência das pessoas burras (e, vou chutar um negócio aqui, não completamente indiferentes a dinheiro) que fazem as pesquisas de voto.

Seja como for, os próximos meses vão ser cheios de discussões com amigos e parentes sobre quem vai vencer e quem vai perder, quem deveria vencer e quem deveria perder, como quem perdeu deveria ter feito para ganhar etc. etc.

Pensando nesses meses insuportáveis, criei alguns truques retóricos para vencer discussões, que mostro abaixo.

Uma técnica retórica que desenvolvi é fazer uma afirmação e logo em seguida começar a contra-argumentar contra o que eu próprio disse, mas de maneira tíbia, estúpida, evidentemente motivada por uma insegurança repelente, de modo que quem ouça cale em si mesmo os contra-argumentos que estavam começando a surgir na sua própria cabeça, associando esses contra-argumentos com a tibieza, a estupidez e a repugnante insegurança que demonstrei logo em seguida, e afirme, com mais convicção que eu, o que eu mesmo comecei falando. Assim na teoria parece uma técnica de persuasão infalível.

Demonstração. O orador, Alexandros de Agrigento, se dirige a uma plateia convicta de que tal coisa não é assim e assado; seu objetivo é persuadir a plateia de que, muito pelo contrário, tal coisa é assim e assado:

ORADOR: Tal coisa é assim e assado (proposição). Se bem que não sei, é mesmo assim? E é mesmo assado? (insegurança repelente). Gagueja (tibieza). Talvez tal coisa não possa ser assim, porque bibibi (argumento estúpido), ou até seja assim, mas não possa ser assado, porque, sei lá, bibibi e bobobó e blablablá (sequência de argumentos estúpidos), e…

AUDIÊNCIA: Você cansa nossa paciência, Alexandros de Agrigento. É claro que tal coisa é assim e assado.

ORADOR: Mas… mas será mesmo?

AUDIÊNCIA: Claro que sim, deixe de ser estúpido! Tal coisa é claramente assim e assado.

ORADOR: Ok, então. (Desce vitorioso do proscênio, meio curvado, com um sorriso tímido.)

Proposição: a falta de convicção com que falamos algo pode aumentar o efeito persuasivo do que falamos, porque é da natureza humana querer chegar logo a uma certeza e fugir rapidamente da dúvida. Fale algo, demonstre dúvida sobre esse algo, exaspere a audiência com essa dúvida, e veja a certeza da audiência se formar em segundos.

Minha segunda proposição sobre retórica é que o silêncio também tem um grande poder persuasivo em um tipo específico de pessoa. Um amigo meu diz uma coisa com que não concordo. Quero rebater, mas sei que, como eu, ele tem uma natureza que ama a contrariedade e a polêmica. Quanto mais eu argumentar contra o que ele falou, mais certeza ele vai ter do que disse. No lugar de rebater, fico em silêncio, ou concordo vagamente com um aceno de cabeça. Como ele ama contra-argumentar, logo ele se vê na posição desesperada de ter que contra-argumentar contra o que ele mesmo falou. Fiz com que os argumentos contrários ao que ele disse surgissem na cabeça dele com a técnica simples, mas mortal, de não falar nada.

Enfim, se você quiser saber mais truques de retórica, Schopenhauer tem um livro sobre isso: Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão — em 38 Estratagemas. O livro não é tão bom quanto este artigo, mas a modéstia me impede de dizer isso.

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  1. O artigo é excelente como matéria reflexiva e por isso o aplaudo a exemplo do que faria um Voltaire, mas discordo de suas conclusões e a ilustro com Lula. Duvido que ele não se considere a "alma mais honesta do Brasil." Ninguém engana outro se não enganar a si mesmo antes ou vice versa o convence. Todavia Abraham Lincoln, nos exortou quanto ao que, de fato, aconteceu a Lula." Pode-se enganar todo o povo parte do tempo, parte do povo todo o tempo, mas não todo o povo todo o tempo. Namastê!

  2. Qdo li a parte sobre pessoas inteligentes pensei q podia fazer parte do grupo, mas levei tanto tempo pra vencer o décimo parágrafo q comecei a ficar quieta na minha própria cabeça preparando o ânimo pra ler o exemplo... Mas graças as dicas (vou seguir a de ficar em silêncio, lógico) e ganhar tds as discussões aqui em casa! 😜😬😏

  3. Para estimular sua teoria persuasiva: Lula e Bozo é o que há de mais expressivo da cultura sociopolítica brasileira. São o espelho fiel e faces da mesma moeda de uma sociedade que vai da barbarie ao declínio, sem haver conhecido a civilização. ( Lévy Strauss).

    1. ... ou como dizia Millor Fernandes: Brasil, aquele que foi sem nunca ter sido!

  4. Alexandre, eu acho que a gente tem a tendência de sempre superestimar as outras pessoas, achando que tal fulano não pode ser tão bobinho que não entenda tal coisa; quando na verdade ele não entende mesmo tal coisa.

  5. Uma nação forte é a sua cultura e não temos pois até a nossa independência tardia foi consentida com o dono impondo um príncipe ridículo ... construída sob colonialismo e escravidão da qual jamais saímos nossa república foi feita por um general servil ao monarca inconformado por não ter sido convidado para o baile da Ilha Fiscal da nobreza estúpida e deu um mais um golpe ridículo na nação sozinho e citando o idiota deputado que um cabo e seis soldados melavam ... e o pior pode estar por vir.

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