Marcelo Camargo/Agência Brasil"Para o bem da cidadania, o ideal seria que os precedentes fossem respeitados"

‘O Brasil tem uma Justiça cara e ineficiente’

O advogado Luciano Timm, professor da FGV, afirma que o excesso de processos eleva os custos do Judiciário e, com isso, os mais prejudicados são os pobres
12.05.22

O Judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo. Todo ano, o governo destina 1,2% do seu orçamento para a Justiça, enquanto os vizinhos latino-americanos dedicam menos da metade disso para as suas. O valor total, de 100 bilhões de reais, é seis vezes maior do que os gastos com educação básica e 22 vezes maior do que os com saneamento básico. Apesar de todo esse investimento, a Justiça é lenta, imprevisível e, muitas vezes, injusta. Um dos especialistas que mais têm estudado esse tema é o advogado empresarial Luciano Timm, que acaba de publicar um estudo pelo Instituto Millenium, no qual retoma uma pesquisa de que participou, em 2011, feita pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a pedido do Conselho Nacional de Justiça. Secretário nacional de Direito ao Consumidor, entre 2019 e 2020, Timm é professor na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, onde dá aula de direito econômico. Ele conversou com Crusoé, pelo telefone.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, posicionou-se nesta quarta, 11, a favor de um reajuste de 5% para os servidores federais do Judiciário. Se aprovado, o impacto nos cofres públicos será de 827,9 milhões de reais em 2022. O que o sr. acha disso?
Não conheço os detalhes dessa situação específica, mas o fato é que o nosso Judiciário, sustentado pelo contribuinte, fica com 6% de tudo o que é tributado no país. Esse modelo, conhecido como o duodécimo constitucional, tem como objetivo dar autonomia ao Judiciário, que deve gerir os seus próprios recursos. É algo positivo, porque dá independência aos magistrados. Contudo, quando o Judiciário gasta com aumento de salários, acaba deixando de investir em reformas ou em novas tecnologias, que poderiam torná-lo mais eficiente. Temos um problema grave na relação custo-benefício no nosso sistema. Do jeito que funciona atualmente, ele não gera benefícios para os menos privilegiados, os mais pobres. O Brasil tem uma Justiça cara e ineficiente, e por isso deveria se se preparar para debater aspectos orçamentários com a sociedade civil.

Por que os mais pobres são os mais prejudicados?
Em primeiro lugar, porque eles não têm patrimônio. Os mais pobres, portanto, não têm muito acesso à Justiça. Contudo, eles pagam por todos esses custos, por meio dos impostos indiretos. É algo profundamente injusto.

Por que nossa Justiça é cara?
Há processos em excesso. Muitos juízes se negam a levar em conta os precedentes vinculantes, que por lei deveriam ser respeitados. Há, assim, uma grande imprevisibilidade sobre as decisões. Isso faz com que os dois lados permaneçam otimistas em relação a uma decisão positiva no futuro. Por causa dessa insegurança, acordos não são feitos e as pessoas entram com novos processos. Mas cada deles custa cerca de 3 mil reais. Quem paga a conta é a sociedade, uma vez que nosso sistema é altamente subsidiado. Outro fator é que o nosso Judiciário é pouco eficiente. Em parte, isso ocorre porque ele é administrado por bacharéis em direito, que não têm formação como gestor. Eles geralmente desempenham suas funções com a ideia de que estão em empregos temporários, enquanto sonham em passar em um concurso para juiz. Se fosse estabelecido um plano de carreira para eles, com incentivos, eles provavelmente seriam mais produtivos.

UNCTADUNCTAD“Só quem tem acesso à Justiça do Trabalho é quem teve emprego formal, protegido pela CLT. Mas pobre não tem isso”
Que outras medidas poderiam ser tomadas para reduzir o custo do Judiciário?
Uma delas seria limitar o uso da Justiça gratuita apenas para as pessoas que realmente não podem pagar pelo serviço. Uma proposta que já foi formulada é a de restringir o acesso sem custos aos que ganham menos de dois salários mínimos. Outra, para os que são isentos do imposto de renda. Essas regras poderiam valer tanto para o Juizado Especial Civil como para a Justiça do Trabalho. Também seria importante iniciar uma discussão sobre os precedentes, mudando o Código de Processo, para que os advogados, ao entrar com uma ação, sejam obrigados a citar um precedente. Dessa maneira, eles não seguiriam adiante quando a Justiça já se posicionou de forma contrária sobre um determinado assunto.

No ano passado, o STF considerou que alguns dispositivos da Reforma Trabalhista eram inconstitucionais. Entre eles, foi revogado aquele que determinava o pagamento de honorários periciais e sucumbenciais por beneficiários da gratuidade na Justiça do Trabalho. Como o sr. analisa essa medida?
As pessoas tendem a achar que a gratuidade na Justiça do Trabalho beneficia os mais pobres. Não é bem assim. Só quem tem acesso a ela é quem teve emprego formal, protegido pela Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. Mas pobre não tem isso. Eles trabalham no mercado informal, não têm contrato e estão pagando a Justiça dos mais ricos. Quando a Reforma Trabalhista conseguiu uma redução de 40% no número de processos da Justiça do Trabalho, por meio do pagamento de honorários periciais e de sucumbência, isso representou uma redução de custos e beneficiou todos, principalmente os menos favorecidos. Quando os ministros do STF decidiram reverter isso, eles levaram em conta apenas suas próprias decisões, baseando-se em interpretações que fizeram da Constituição. Se tivessem olhado para os dados, teriam decidido de outra maneira.  

Por que até agora essa questão do custo elevado do Judiciário não foi devidamente enfrentada?
Porque os mais pobres não têm representação no Congresso. Eles não conseguem pressionar os congressistas a fazer uma lei que possa beneficiá-los. Os advogados e as pessoas do direito não estão preocupados com isso, porque eles não olham para os dados. Então, não consideram que seja um problema.

É este o melhor momento para entrar com essa discussão?
A pandemia arrebentou as finanças públicas do Brasil, que precisa voltar a crescer. Mas sabemos que, para um país se desenvolver economicamente, é indispensável ter uma Justiça que possa garantir os contratos, assegurar a propriedade, que seja independente e consiga influenciar o comportamento das pessoas. A situação atual, em que o Judiciário está cheio de processos, não é uma boa notícia. Por vezes, os juízes resistem a aplicar o próprio texto da lei e do contrato. É uma situação de muita insegurança, em que as pessoas não sabem o que pode ocorrer se entrarem na Justiça. Para o bem da cidadania, o ideal seria que os precedentes fossem respeitados. O Judiciário brasileiro tem o grande desafio de se tornar eficiente.

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