RuyGoiaba

O roteirista do Brasil anda de péssimo humor

12.05.22

Que falta faz uma Anfavea dos humoristas para choramingar contra a concorrência desleal ameaçando matar uma “indústria nascente” — com a diferença de que, no caso dos engraçadões profissionais deste país, a deslealdade dos concorrentes é um fato incontestável. Todo dia, os humoristas sofrem dumping dos políticos e dos intelectuais brasileiros, que são muito mais eficientes em provocar gargalhadas do que nós (não precisam dizer que no meu caso o sarrafo é baixo, talquei? A gerência agradece). Quem me lê sabe que já reclamei disso incontáveis vezes aqui no meu cantinho dos resmungos semanais.

Mas tente se colocar no meu lugar, leitor. O que você faz quando no Brasil, na mesma semana, um frade é filmado atropelando um sujeito que havia roubado moletons da paróquia — e o atropelador, descobriu-se depois, estava com a carteira de habilitação vencida havia dois anos; só faltou um adesivo “dirigido por mim, guiado por Deus” no carro —, um bombeiro entra no McDonald’s e atira num atendente por causa de um cupom de desconto e uma delegada da Polícia Civil do Rio é flagrada com quase 2 milhões de reais em dinheiro vivo na casa dela? A resposta óbvia é: a) desiste de fazer humor; b) foge (Mussum diria “se pirulita”) do Bananão o mais rápido possível. Não necessariamente nessa ordem.

(O menos surpreendente desses três episódios é obviamente o da delegada, o que mostra a dimensão da lama em que estamos metidos. Aí você fica sabendo que ela é suspeita de envolvimento com o sobrinho de Castor de Andrade e o ex-PM acusado de matar Marielle Franco e, a cada revelação, fica menos surpreso. É como se fôssemos todos o Chico Bento niilista daquela tirinha que virou meme no Twitter e reagíssemos a tudo dizendo “isso é normar, tudo isso é normar”.)

Sabemos faz tempo que o roteirista do Brasil é um Quentin Tarantino com notas de Zé do Caixão e chanchada — mas sem aquele negócio de reescrever a história para que os good guys vençam no final: Adolf Hitler e outros nazistas sendo assassinados no cinema, Sharon Tate escapando incólume da “família Manson” etc. Aqui o mal venceu, e a hora do sim continua sendo um descuido do não. Mas temos de admitir que o tal roteirista tem acordado ultimamente com os dois pés esquerdos e anda de péssimo humor. Ou então é Deus mesmo comprovando a veracidade essencial daquela piada: serafins e querubins perguntando “puxa vida, Deus, por que destes tanta beleza ao Brasil e tão pouca aos outros países?” e Ele respondendo “esperem só para ver o povinho que eu vou colocar lá”.

Tenho pensado cada vez mais no padre dos balões, Adelir de Carli, que em 2008 tentou viajar de Paranaguá (PR) a Dourados (MS) amarrado em mil balões de gás hélio e sem saber usar o GPS — seu corpo foi encontrado mais de dois meses depois, no litoral do Rio, e ele ainda foi agraciado com o Darwin Awards daquele ano. Hoje, vejo o padre De Carli como um visionário e contenho todo dia a vontade que o Bananão me dá de sair por aí pendurado em uns balões e sem GPS. Pelo menos é melhor do que sair por aí atropelando ladrão de moletom.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Todo mundo sabe que o motivo de haver segundo turno em eleição para o Executivo é fazer o vencedor obter ao menos 50% mais um dos votos válidos e ter sua escolha legitimada pela maioria. Todo mundo, menos Merval Pereira e Miro Teixeira — recentemente, o presidente da ABL e colunista de O Globo ressuscitou a ideia do ex-deputado de fazer um segundo turno com três candidatos, o que possibilitaria ao candidato vencedor ter menos votos que os dois perdedores somados (40% x 30% x 30%, por exemplo). Achei tão brilhante que faço questão de deixar aqui, na mesma linha, minha sugestão para a Fifa: uma final de Copa com três times em campo vai ser muito mais emocionante.

Nelson Jr./Ascom/TSENelson Jr./Ascom/TSEA urna podia ter um botão “confirma com ressalvas”, para adeptos do voto crítico

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