DiogoMainardina ilha do desespero

Vou fugir da urna

12.05.22

Eu jamais votaria em Jair Bolsonaro. Eu jamais votaria em Lula. E eu jamais votaria na Terceira Via, depois do que a Terceira Via fez com a própria Terceira Via.

Em outubro, de fato, estarei a 9.708 km (em linha reta) da minha zona eleitoral. Vou fugir da urna. Em minha lápide, estará escrito que um oceano inteiro me separou do voto. Em latim.

Até pensei em oferecer um cafezinho aos eleitores ausentes que tocassem minha campainha no primeiro turno ou no segundo. Mas eu estaria violando a regra número um do verdadeiro desertor. Quem se recusa a votar é chamado a se afastar completamente do processo eleitoral. É um erro abster-se e, ao mesmo tempo, tentar convencer os outros a fazer o mesmo. O abandono tem de ser absoluto, irrevogável, intransferível.

Em meu caso, conto com o fuso horário para ignorar inclusive o resultado final. Quando o vencedor for anunciado, estarei roncando. Vou ligar o telefone celular e transmitir o ronco ao vivo. Sabe como é: sou um palpiteiro profissional, sou pago para comentar esses assuntos. O meu comentário, em outubro, vai ser o ronco. Rrrrrr.

O meu aniversário é em setembro. Vou fazer sessenta anos. Acrescento essa nota biográfica deprimente para destacar o seguinte dado: em 2018, 36,3% dos eleitores acima de sessenta anos se abstiveram. Em 2020, a taxa foi ainda maior: 41,9%. É mais do que o eleitorado total de Lula ou Jair Bolsonaro. Sou um novato da turma, mas nada impede que esse número possa ser superado em 2022.

Há outra parcela do eleitorado que, de alguma maneira, poderia ser incluída na conta dos desistentes. Ela é formada pelos brasileiros que votaram num candidato a presidente e, em menos de quatro anos, conseguiram esquecer seu nome. Em 2018, esse contingente desmemoriado representou 13,6% do total. Trata-se, porém, de uma gente dotada de uma superioridade moral que nunca serei capaz de atingir. É o desprezo supremo. Por mais que eu me empenhe, esse estágio sublime de imperturbabilidade está muito acima de minha capacidade, porque requer um grau de sabedoria digna de um Diógenes, o Cão. O máximo que posso fazer é me manter a 9.708 km das urnas e dar um calote na multa. O Brasil que se estrepe sozinho, sem a minha cumplicidade.

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