Maílson da Nóbrega: "O Brasil é uma sociedade que tem aversão ao lucro, que é contra o mercado"

“Lula e Bolsonaro têm a mesma visão ultrapassada”

O economista Maílson da Nóbrega diz que os dois pré-candidatos nutrem o desejo de controlar a Petrobras e que não há lógica em o Brasil manter tantas estatais
20.05.22

O economista Maílson da Nóbrega trabalhava no Ministério da Fazenda durante o governo de João Figueiredo, quando surgiu o primeiro programa de privatização. Depois, como ministro de José Sarney, acompanhou as discussões sobre a desestatização de empresas de metais e de celulose. Outros processos semelhantes se seguiram nos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Maílson, contudo, inquieta-se com o ritmo vagaroso com que o governo tem se desfeito das estatais, que segundo ele geram má alocação de recursos, ineficiência e desperdícios.

O tema voltou à baila nos últimos dias com o anúncio do ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, de que está estudando a privatização da Petrobras e da Pré-sal Petróleo SA, PPSA. O presidente Jair Bolsonaro apoia a ideia, mas paradoxalmente condena os “lucros excessivos” da petrolífera e pede que ela cumpra uma função social. Em paralelo, o pré-candidato Lula tem feito discursos prometendo “recuperar” a empresa e “colocá-la a serviço do povo brasileiro, não de acionistas estrangeiros”.

Maílson, hoje sócio da Tendências Consultoria Integrada, vê uma semelhança entre os dois discursos e ainda coloca Ciro Gomes no mesmo barco. “Lula e Bolsonaro refletem uma mesma visão ultrapassada. Ciro Gomes vai na mesma linha, pois prometeu recomprar as ações e torná-la uma empresa fechada. Em comum, todos eles nutrem o desejo de controlar a Petrobras, de intervir no sistema de preços e de usá-la para fins não republicanos. Político brasileiro adora um orçamento paralelo”, diz Maílson.

Indignado com os aumentos dos combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro tem dito que a Petrobras deve cumprir uma função social. Ele também questiona o “lucro excessivo” acima de 30%, enquanto o de outras petrolíferas não passam de 15%. O que o senhor acha disso?
Quem deve ter função social é o Estado. As empresas devem ser bem administradas, isso sim. Se uma estatal dá prejuízo, ela afeta a população. Se, pelo contrário, for bem gerida, ela estará beneficiando os seus acionistas e todos os que dependem dela, como seus consumidores e o público em geral, que também não quer uma empresa que polua o meio ambiente. Quanto ao lucro, avaliações apropriadas e isentas sobre os resultados de um único ano não podem determinar se o desempenho de uma empresa é satisfatório, insatisfatório ou se foge aos padrões do seu setor. É preciso considerar séries longas, como fazem os analistas competentes. Se o lucro anual fosse pretexto para tomar decisões, a Petrobras deveria ter sido fechada no governo da petista Dilma Rousseff, quando ela interferiu nos preços e a empresa amargou resultados muito inferiores aos de companhias semelhantes.

Ao mesmo tempo que o governo briga para reduzir o preço dos combustíveis, o novo ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, tem falado em privatizar a empresa. Faz sentido isso?
Entendo que isso está sendo feito por mero impulso, sem um estudo adequado das características que uma privatização da Petrobras exigiria. Bolsonaro tem um DNA estatizante, intervencionista, mas começou a falar em desestatização agora, porque acha que isso poderia reduzir os preços. É um motivo eleitoreiro. Uma desestatização bem feita poderia, sim, reduzir os custos para o consumidor. Se a Petrobras fosse dividida em outras companhias, elas poderiam competir entre si e obter ganhos de produtividade. Mas esse processo todo não levaria menos de cinco anos, por causa de questões regulatórias e legais.

Lula, por sua vez, tem dito que gostaria de “recuperar a Petrobras” e “colocá-la a serviço do povo brasileiro, não de acionistas estrangeiros”.
Não vejo Lula, de modo algum, privatizando estatais. O PT não evoluiu como os partidos socialistas europeus que, a partir dos anos 1950 e 1960, um após outro, adaptaram seus estatutos e entenderam que o futuro deveria ser uma combinação de democracia com economia de mercado. Eles abandonaram o controle dos meios de produção, inspiradas no socialismo soviético. O mundo mudou, continua evoluindo, mas o PT permanece com uma mentalidade que já era discutível quando o partido foi fundado, nos anos 1980. Nessa década, já havia um processo de privatização em curso na Europa. O PT, ao contrário, envelheceu nesse campo. Será uma sorte se Lula, caso eleito, não aumentar o número de estatais. Lula e Bolsonaro refletem uma mesma visão ultrapassada. Ciro Gomes vai na mesma linha, pois prometeu recomprar as ações e torná-la uma empresa fechada. Em comum, todos eles nutrem o desejo de controlar a Petrobras, de intervir no sistema de preços e de usá-la para fins não republicanos. Político brasileiro adora um orçamento paralelo. Essa resistência das ideias estatistas e intervencionistas é um dos principais motivos de o Brasil ainda ser um país pobre, pois as estatais geram má alocação de recursos, ineficiência e desperdícios. Como dizia o Roberto Campos, a Petrobras não é do Brasil, é dos funcionários da Petrobras.

Foto: Adriano Machado/CrusoéFoto: Adriano Machado/CrusoéAdolfo Sachsida, recém-empossado ministro das Minas e Energia: entre o pedido para privatizar a Petrobras e o desejo que ela cumpra “função social”
Quando uma estatal faz sentido?
Quando é preciso preencher uma falha no mercado, isto é, quando não há capitais privados para desenvolver um determinado setor. Esse não é o caso da Petrobras. Na Europa, estatais foram criadas para cumprir um papel específico. A Inglaterra ficou rica ainda no início do século XIX, com a Revolução Industrial. Isso estimulou as demais nações europeias a seguirem o mesmo modelo. Mas não havia condições para isso, pois não havia bancos e ferrovias. Estatais então foram criadas para suprir esses vazios. Essa é a intervenção correta. Com essas empresas, países como a Bélgica e a Alemanha aceleraram o seu crescimento e conseguiram se equiparar com o Reino Unido. Mas chega um ponto em que essas falhas desaparecem, o setor privado e o setor financeiro se mostram capazes de assumir o controle e de financiar essas atividades, e então elas devem deixar de ser estatais.

Como tem sido a história das estatais no Brasil?
Por aqui, a chegada das estatais no início do século XX encontrou uma sociedade que tem aversão ao lucro, que é contra o mercado. Foi a união da fome com a vontade de comer. Eu me lembro quando, no governo de Fernando Henrique Cardoso, vários políticos diziam que eram a favor das privatizações. Mas eles defendiam que apenas aquelas que davam prejuízo deveriam sair do guarda-chuva estatal. Aquelas que davam lucro, na opinião deles, deveriam ficar com o Estado. Eles não viam com bons olhos o lucro nas companhias privadas.

Houve alguma evolução de mentalidade nas últimas décadas?
Cerca de 69% dos brasileiros são contra as privatizações. Mesmo assim, a sociedade já foi mais resistente a essa ideia. Hoje, muitas pessoas aceitam que o Banco do Brasil e a Petrobras sejam desestatizados. O BB precisa se livrar do fato de ser um braço do Estado. Não há nenhuma razão para sua sede ser em Brasília. Só está lá porque é do governo. Os mercados financeiros dos países ricos tendem a se concentrar em alguns locais, como Frankfurt, Londres, Nova York, Zurich. No Brasil, isso ocorreu em São Paulo. É uma concentração natural, que gera muitos benefícios. As pessoas desse mercado convivem mais, trocam ideias, o que ajuda o negócio. Uma sede em Brasília não tem cabimento.

Lula também falou que a Petrobras vem sendo desmantelada dia após dia. É verdade?
Claro que não. A empresa foi desmantelada no governo de Dilma Rousseff. De lá para cá, a companhia se recuperou, reduziu drasticamente o endividamento e hoje se beneficia de uma legislação que restringe a intervenção governamental, como a lei das estatais aprovada no mandato de Michel Temer. Se os seus administradores se curvarem a pressões irresponsáveis do governo de turno, eles podem ser punidos. Sem essa lei, o Bolsonaro já teria determinado a redução dos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. A prova de que a Petrobras está mais bem blindada é que o Bolsonaro não conseguiu baixar os preços como ele gostaria.

Mas não existe mesmo nada que possa ser feito para reduzir o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha?
Os preços estão altos porque a matéria-prima encareceu. Bolsonaro tem buscado culpar a cobrança de ICMS pelos estados pelo preço elevado, mas isso é marginal. Tivemos um aumento de preço expressivo do preço do petróleo no mundo e a política da Petrobras, que está correta, é a de reajustar os valores, seguindo as cotações no mercado internacional. A empresa até aguarda um pouco para tomar as medidas, mas é inevitável que faça os ajustes. Qualquer estatal petrolífera do mundo determina os preços do mercado doméstico com base na cotação internacional. Uma redução na marra quebraria muitas empresas privadas que importam petróleo no Brasil e teriam de revender seus derivados abaixo disso.

Nenhuma medida para aliviar a situação?
Outros governos já estão fazendo algo nesse sentido. Os americanos liberaram estoques estratégicos de petróleo. Na Europa, vários países reduziram a tributação. De modo geral, contudo, o efeito é menos perceptível do que poderia parecer. No Brasil, acho que chegamos a um ponto em que um subsídio temporário se justifica, principalmente se ele for destinado a minorar a situação das classes menos favorecidas, na área de transporte e do gás de cozinha. Poderia até se atrelar o subsídio ao custo de vida. Mas não se deve dar um desconto generalizado, porque os ricos não precisam dessa ajuda. Além disso, um subsídio na bomba é um equívoco, porque geraria uma piora do ambiente econômico. Normalmente, as pessoas se esquecem que o sistema de preços tem uma função. Ele sinaliza uma alteração do ambiente e leva os consumidores a buscar alternativas ou a reduzir o consumo, o que produz um novo equilíbrio. Na medida em que um subsídio isola o sistema de preços, as coisas dão errado. Veja o que aconteceu no governo da Dilma Rousseff. Mesmo mexendo nos preços, ela não conseguiu conter a inflação.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Mailson, eu me lembro que no governo que você foi ministro da fazenda, você não fez nada do que apregoa hoje. A inflação no seu período no governo Sarney chegou a 1972%, até caça de bois nas fazendas foi feita nesse período, ou não? A cada dia, com esses desgovernos, a situação só se deteriora.

    1. O diabo é sábio por ser velho.Mailson aprendeu sendo governo e muito mais trabalhando na iniciativa privada.O relevante do texto é que a interferência na Petrobras só dá prejuízo ao erário.O PT, Lula e Bolsonaro não entendem nada de governança e de operar em mercado concorrencial e adorariam uma ditadura para mandar em tudo e serem os Robin Hoods, mas vivendo no bem bom da Nomenklatura, como os soviéticos e cubanos.Quebre o monopólio da Petrobras e já mudara muita coisa.

    2. Ele envelheceu na idade e rejuvenesceu nas ideias, especialmente, depois de deixar o funcionalismo público e virar empreendedor. Suas análises merecem respeito.

  2. Eu gostei do que li na entrevista, mas, aí fui olhar no Google quem é Maílson da Nóbrega e fiquei pensando q, na vez dele, foi um desastre! Nenhuma ideia inovadora, nenhuma ação eficiente e, pelo que li, o buraco que estamos enfrentando hj é pequeno perto do q a sociedade enfrentou naquela época! Duda, acho q faltou entrevistar outro economista, ou outros e fazer as mesmas perguntas... (Sem querer ser chata e já sendo...😬🙈)

    1. Com todo o respeito, acho que vocês estão errados. A culpa do descalabro econômico dos anos 80 não pode ser atribuída a uma única pessoa. Foi uma sucessão de erros de vários atores. O Mailson foi muito importante para por fim à famigerada conta movimento do Banco do Brasil. Sem isso o Plano Real seria inviável. Leiam o livro “Saga Brasileira, a Longa Luta de Um Povo por sua Moeda”, da Miriam Leitão e vocês entenderam. Mailson contribuiu e continua contribuindo enormemente para o debate economico

    2. Um incompetente que deixou o pais com inflação de 84% ... ao mês. So conversa fiada

    3. CERTÍSSIMA, JULIANA! ESSE ECONOMISTA FALA MUITO, VENDE SEU PEIXE MAS NO GOVERNO FOI UM DESASTRE.

  3. Coerente o argumento que o preço dos combustíveis nas bombas são consequências da elevação do barril do petróleo. Ocorre que esta coerência não se manterá se o preço do barril de petróleo cair.

  4. "Subsídio temporário na área de transporte e do gás de cozinha, atrelado ao custo de vida, porém sem desconto generalizado". Sem este trecho de execução inexequível, até estapafúrdia, o restante da fala de Maílson da Nóbrega é bem fundamentada.

  5. A Petrobras tem um corpo técnico de excelência , mas um núcleo gerencial pífio , empresas de petróleo no mundo tem gerentes de carreira e competência , na Petrobras como em órgãos do governo , o bom Gerente ‘e o que nada vê e quando vê não enxerga , são cúmplices de diretores indicados por políticos , e o resultado todos já sabemos como termina . O país não prioridade o conhecimento e a capacidade de seus funcionários , entregam cargos relevantes a irrelevantes apadrinhados. Esse é o Brasil .

    1. Os salários pagos pela estatal é que são uma excelência. Há Salários de R$ 145.000,00 além de vantagens.

  6. Tanto um como outro são pessoas que já estão mofadas há muito tempo, emboloradas mesmo , pra jogar no lixo !!!! Infelizmente o Brasil JÁ ERA !!!

  7. Visão muita tem quem levou o país a uma inflação de 84% ao mês e idiotas esquecem ... cremem esta múmia estúpida e cínica.

    1. Euler, Só aprende quem faz e quem faz erra e aprende com os erros. Não estou defendendo o Mailson, mas, a análise dele é coerente e merece respeito.

    2. Vc aceitaria fazer uma obra com um engeheiro que fez 100 casas e todas as 100 cairam.? esse é mailison . cheio de conversa e adora bajular os ricos. Fez a vida sendo funcionario publico e se dedicou a ajudar os ricos. Quando ministro, veio com essa mesma conversa (ele chamava de fazer o feijão com arroz) saiu do governo com inflação de 84%.... ao mês. Um cara de pau. e que o entrevista sabendo disso é mais cara de pau ainda.

    3. Mailson é um economista sem nenhuma criatividade. Só fala obviedades e está sempre do lado dos ricos e dos banqueiros - clientes de sua consultoria. Ah como me lembro dele como ministro do Sarney. Foi horrível. Talvez o pior ministro do período que se iniciou depois da ditadura.

    4. Concordo plenamente. Lula e Bolsonaro Lê Com Crê...Farinha do Mesmo Saco. Apreciam Governantes Ditadores e Totalitários. A Volta do MDB e do PT .Corruptos Contumaz. Triste Brasil!

Mais notícias
Assine agora
TOPO