Pillar Pedreira/Senado FederalEscola em Brasília: 84% dos estudantes do país só podem estudar na escola perto de sua casa

A falta de liberdade explica o fracasso da educação

A aprovação do ensino domiciliar, ou homeschooling, pelo Congresso pode abrir caminho para mais iniciativas de parceria público-privadas nas combalidas escolas nacionais
26.05.22

O destino da maioria dos estudantes brasileiros hoje é definido pelo seu CEP. É o endereço que determina a alocação dos estudantes nas escolas da rede pública de ensino. E 84% dos alunos no Brasil não têm outra escolha. Caso os pais não estejam satisfeitos, seja porque os filhos não aprendem adequadamente, não há opção. Apesar de o estado gastar — e a escolha do verbo “gastar” em vez de “investir” é proposital — cerca de 6% do PIB em educação, mais que países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, a nossa educação fracassou: 38% dos alunos universitários são analfabetos funcionais. Sabem ler e escrever, mas não conseguem interpretar ou agregar informações.

E a pandemia piorou o que já era ruim. Fomos o país que ficou por mais tempo com as escolas fechadas e, segundo o Fundo Monetário Internacional, o FMI, isso significa que os estudantes brasileiros sofrerão uma perda de renda média de 9,1%, ocupando a 3ª pior posição entre os países do G20. Não é preciso dizer que esse impacto será muito maior na população mais vulnerável, que depende das escolas públicas.

Escolher onde os filhos vão estudar é um “luxo” que só é permitido àqueles pais que podem pagar mensalidades de escolas privadas. Nesse sentido, a aprovação do ensino domiciliar, o homeschooling, na Câmara é uma das melhores notícias para o futuro da aprendizagem no Brasil desde a criação do Programa Universidade para Todos, o Prouni. Esse programa de concessão de bolsas de estudo a estudantes de baixa renda em instituições de ensino privadas aumentou em 25% o percentual de jovens que frequentam o ensino superior no país, por menos de 10% do custo de manutenção dos estudantes no ensino superior das universidades públicas.

No caso do ensino domiciliar, a despeito dos vários mitos propagados, o que dizem os dados e as evidências? Nos Estados Unidos, onde há maior número de adeptos dessa modalidade de ensino, dentre os principais motivos para os pais adotarem o domiciliar estão: personalizar o ensino e o ambiente de aprendizagem para a criança, insatisfação em relação à segurança das escolas, usar abordagens pedagógicas diferentes das escolas comuns, evitar o consumo de drogas, suprir a falta de serviços adequados a crianças com deficiência nas instituições de ensino, o fato de os filhos terem sofrido bullying ou discriminação e o desejo de fortalecer as relações familiares.

Nos EUA, estudantes do ensino domiciliar mostram resultados de aprendizagem bastante superiores aos alunos das escolas públicas americanas, independente da raça e dos pais terem ou não ensino superior: a média é de 15 a 30 pontos acima dos alunos de escolas comuns em testes padronizados de desempenho acadêmico, segundo a National Home Education Research Institute, NHERI. Os resultados em termos de desenvolvimento social e emocional também se mostram acima da média. E os pais que adotam o homeschooling se engajam em atividades extras para promover a socialização dos filhos, como em clubes esportivos e serviços voluntários.

A aprovação do ensino domiciliar ajuda a quebrar o monopólio estatal na oferta do ensino e permite a escolha dos pais sobre como educar seus filhos. É claro que nem todas as famílias querem ou têm condições para fazer o homeschooling, mas milhares de brasileiros, principalmente de classe média, já demonstraram interesse. De qualquer forma, essa escolha não deveria ser um luxo e estar restrita aos poucos afortunados capazes de pagar uma escola privada. Espero que abra o caminho para outros modelos educacionais.

O Brasil tem uma Constituição muito complexa, que torna bastante difícil a modernização do país em diversos aspectos. No entanto, o plenário constituinte aprovou um modelo misto, de gestão pública e privada, da educação estatal. De acordo com o artigo 213 da Constituição, “os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidas por escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas”. Há também a previsão de que os “recursos poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio”. Nossa Constituição, portanto, permite a utilização de vouchers, os vales de educação para estudantes pobres estudarem em escolas particulares (como um Prouni da educação básica), e as parcerias público-privadas.

Infelizmente, essa permissão esbarra no fato de que a principal fonte de recursos públicos para o financiamento do ensino básico, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, Fundeb, foi alterado em 2020 para obrigar a aplicação de 70% dos recursos na remuneração de servidores públicos.

As parcerias público-privadas têm permitido ao Brasil se modernizar em diversas áreas, basta ver os efeitos das concessões de aeroportos, de parques e do saneamento básico. Organizações sociais já operam em boa parte dos serviços públicos de saúde. Por que não avançamos, também, na modernização do ensino? Ao redor do mundo, os resultados da adoção de vouchers e charters, isto é, escolas com gestão privada e financiamento público, são, na sua maioria, animadores. Os modelos de maior sucesso são aqueles em que há monitoramento e em que os resultados, de preferência resultados de aprendizagem dos alunos, direcionam a alocação dos recursos.

No modelo atual brasileiro, incentivos são inexistentes. A avaliação de desempenho dos servidores públicos está prevista na Constituição desde 1998, mas até hoje não houve regulamentação. Escolas com os piores índices de aprendizagem sofrem, muitas vezes, com o elevado absenteísmo de professores. O gestor não tem ferramentas, por exemplo, para remunerar de maneira diferente os professores que contribuem de maneira mais eficiente para a aprendizagem das crianças.

Apesar da contribuição do professor fazer grande diferença para o desempenho do aluno e sua renda futura, a profissão de professor é uma das que possuem menores desigualdades salariais, ou seja, não há diferenciação entre os bons e os ruins, como ocorre em outras profissões; como bem mostram Diana Coutinho e Claudio Shikida, da Escola Nacional de Administração Pública, Enap, no estudo “Grandes mestres fazem grandes diferenças”. Em uma escola com administração privada, é muito menos burocrático premiar os bons professores.

O fracasso do atual modelo educacional mostra que o Brasil precisa de alternativas às escolas 100% públicas: educação domiciliar, vouchers e charters schools. As crianças brasileiras precisam de mais eficiência na educação e mais oportunidades. Passou da hora de oferecermos liberdade de escolha.

Marina Helena Santos é economista, diretora do Instituto Millenium, fundadora do movimento Brasil Sem Privilégios e ex-diretora de Desestatização do Ministério da Economia

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