Kleyton Amorim/UOL/FolhapressSimone Tebet:

Missão: Impossível

Lula, Bolsonaro, dissidências do MDB, PSDB rachado, 2% nas pesquisas: há tempo para a Tom Cruise da Terceira Via?
26.05.22

Desde o ano passado, a história se repete na Terceira Via. De Luiz Henrique Mandetta a João Doria, passando por Luciano Huck e Sergio Moro, foram ficando pelo caminho todos aqueles que poderiam servir de alternativa a Lula e Bolsonaro, líderes das pesquisas de intenção de voto para a Presidência, mas também donos de taxas de rejeição que não têm paralelo em eleições passadas. Caíram por não terem ânimo de fato para enfrentar a batalha, por não demonstrarem viabilidade eleitoral, ou por perturbarem o sossego dos caciques do sistema partidário brasileiro. O risco era que não restasse nenhum. Mas nesta semana abriu-se a perspectiva de que a senadora Simone Tebet mude o desfecho da história. Sua pré-candidatura ao Planalto foi ratificada com 95% dos votos da Executiva Nacional de seu partido, o MDB. Um segundo partido, o Cidadania, anunciou apoio a ela. E há boa probabilidade de que o PSDB também entre no barco. Com isso, ficaria configurada uma autêntica candidatura de Terceira Via: bancada por partidos com recursos e capilaridade nacional e encabeçada por uma política com chances de crescer. Dá tempo? No Datafolha divulgado nesta quinta-feira, 26, Lula aparece com 48% dos votos, contra 27% de Bolsonaro, o que significa que a fatura já poderia ser liquidada no primeiro turno das eleições, que está há menos de cinco meses de ser realizado. Tebet aparece com 2%, empatada com André Janones. Realisticamente, neste momento, o deputado federal do Avante é o homem a ser batido por ela. À senadora e seu time, no entanto, não faltam argumentos para demonstrar que  mudar o cenário eleitoral não é missão impossível.

Nesta quarta-feira, 24, o irmão de Simone Tebet foi abastecer o carro em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, estado natal da senadora, e puxou conversa com o frentista. Perguntou se ele pretendia votar em Lula ou Bolsonaro nas eleições e a resposta foi igual à de cerca de 30% dos brasileiros: em nenhum dos dois. Em quem, então? Ele ainda não sabia. Talvez Simone? “Nada a ver, ela está no Senado”, disse o homem. A emedebista, que um dia antes havia concedido sua primeira entrevista coletiva como pré-candidata, conta a história rindo, para ressaltar um dos fatos que explicariam os índices de 1% ou 2% que ela tem registrado nas pesquisas de intenção de voto. Tebet é pouco conhecida. O número de pessoas que não sabem quem ela é de 71% no Datafolha. Além disso, mesmo quem a conhece e sabe inclusive o cargo que ocupa – como o frentista de Campo Grande – em geral não tem ideia de que ela está prestes a disputar o Planalto. São eleitores que podem ser cativados.

Há outros fatores positivos. No Datafolha, seu índice de rejeição é de 9%. Para efeito de comparação, João Doria, que desistiu de concorrer pelo PSDB na segunda, dia 23, tinha 30% na última edição da pesquisa – e esse foi um dos fatores determinantes para que ele tivesse seus planos bombardeados no próprio partido, que temia que a má vontade contra ele se transferisse a outros tucanos, especialmente Rodrigo García, que busca se eleger ao governo de São Paulo. Conta para a baixa rejeição, obviamente, o fato de ser uma relativa desconhecida, mas isso lhe dá boa margem para se fortalecer. Além disso, sondagens realizadas pelo MDB mostram que mais da metade dos eleitores brasileiros tratam o embate entre Lula e Bolsonaro como uma polarização que faz mal ao país. Elas revelam ainda o desejo de que surja uma liderança jovem, com experiência política e que mostre sensibilidade especial para as questões sociais – três características que podem ser atribuídas a Tebet, de 52 anos. Há, finalmente, como já registrou Crusoé, a tendência de que mulheres de classe C, de meia idade, e moradoras de regiões metropolitanas sejam um dos fiéis da balança na votação de 2022. Esse é um eleitorado que pode ser cativado por Tebet. Mesmo as presenças de Janja, recém-casada com Lula, e de Michelle, mulher de Bolsonaro, nas respectivas campanhas, podem favorecer a emedebista, segundo sua equipe: elas poriam em relevo a diferença entre a mulher que é protagonista e a que serve de coadjuvante a um homem poderoso.

Bolsonaro e Lula: vantagem quase inabalável nas pesquisas
“Eu não me sinto numa corrida contra o tempo”, diz Tebet. “A partir de agora, estou livre para intensificar as viagens pelo país, para conversar com as pessoas, para transmitir uma mensagem de esperança.” Até agora, seus compromissos foram de um tipo diferente. Ela participou de cerca de 60 reuniões com empresários, investidores, acadêmicos e outros  formadores de opinião. Ainda nesta quinta-feira, em São Paulo, participou de um café da manhã com os integrantes do G100, um exclusivo “núcleo de estudos do desenvolvimento empresarial e econômico” que reúne donos e presidentes de empresas. Seu lado “caxias” (como ela mesma diz), despertou simpatia nesse público. Tebet tem sempre à mão cadernos nos quais toma nota de conversas, mas sobretudo organiza informações a respeito dos assuntos que precisa abordar, quase como se fossem aulas – ela foi professora de Direito Administrativo por dezesseis anos. No fim de abril, 400 representantes do PIB se reuniram na casa da ambientalista Tereza Bracher para ouvi-la. O encontro se desdobrou num manifesto de apoio organizado pelo executivo Fabio Barbosa e pela empresária Marisa Moreira Salles, que já conta com mais de 3 mil assinaturas.

Tebet e sua equipe sabem que não podem se limitar ao discurso contra Lula e Bolsonaro. Segundo o ex-governador gaúcho Germano Rigotto, o plano de governo que ele coordenou deve estar pronto no começo de junho, reunindo contribuições de diversas entidades, como o Todos Pela Educação e o Instituto Igarapé. Ele está assentado sobre um tripé: Políticas Sociais, Meio Ambiente e Governo. Na primeira área, haverá um esforço para melhorar a qualidade das transferências de renda para os brasileiros mais pobres. Tebet é a relatora da Lei de Responsabilidade Social que tramita no Senado e deve aproveitar a oportunidade para detalhar essas ideias da tribuna. Caso seja eleita, ela também promete criar uma Secretaria Especial da Criança e da Juventude ligada à Presidência, sob sua influência direta. Na segunda área, o propósito é fazer com que o Brasil retome a liderança nas discussões mundiais sobre economia sustentável – espaço que foi perdido durante o governo Bolsonaro. A área de Governo deve zelar pelo equilíbrio das contas públicas e pelo enxugamento da máquina estatal. Um Ministério do Planejamento e do Orçamento seria criado, para harmonizar iniciativas de curto e médio prazo.

A economista carioca Elena Landau liderou as discussões sobre economia no plano de governo. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, ela trabalha com projetos de desestatização. Em uma entrevista coletiva na quarta-feira, Tebet disse que não pretende privatizar a Petrobras caso seja eleita. Landau explica a ideia: “Privatizações devem fazer parte de projeto geral de reforma do Estado. Você precisa ter um rumo e, principalmente, saber como vai usar os recursos que obtiver. Temos 40 estatais no Brasil e outras 100 empresas subsidiadas. Nesse quadro, não faz sentido começar justamente pela Petrobras, que além de ser um símbolo, é a empresa que melhor cumpre sua função social, ou seja, produz com eficiência e transfere bilhões em royalties e dividendos para a sociedade.” 

Landau também garante que cancelar o teto de gastos não está na agenda. “O Lula diz que vai derrubar o teto e o Paulo Guedes acabou com ele na prática, com o calote dos precatórios, embora ele diga que não. Isso arrasa com a confiança no país, porque teto é também uma sinalização de que você respeita o dinheiro público e não vai usá-lo como for mais conveniente para os seus próprios interesses.” 

O que joga contra a candidatura de Simone Tebet nos próximos tempos são duas leis pouco alardeadas da política brasileira. A primeira diz que eleger deputados é tarefa prioritária, pois garante acesso aos recursos do fundo partidário. A segunda, um corolário, diz que as campanhas regionais vêm antes de projetos presidenciais, e não o contrário. As  duas leis explicam por que uma fração do MDB torce o nariz para a candidatura de Tebet. Esses políticos, liderados por Renan Calheiros e com bases sobretudo no Nordeste, prefeririam aderir a Lula desde logo e liberar recursos do MDB para a eleição de uma grande bancada na Câmara dos Deputados. As mesmas leis explicam por que o PSDB ainda não declarou apoio à senadora. Há estados, como o Rio Grande do Sul e o Mato Grosso do Sul, onde tucanos e emedebistas têm candidaturas concorrentes. Há outros, como São Paulo e Minas Gerais, onde o PSDB tem candidaturas bem posicionadas e espera receber apoio.

Sobre o seu próprio partido, Tebet diz que “pode não contar com unanimidade, mas conta com unidade” – o que significa que a grande capilaridade do MDB pode abrir portas para ela em todo o país. “O MDB tem tradição de respeitar as diferenças regionais e não faremos diferente agora”, diz o presidente da legenda Baleia Rossi. “Mas conseguimos construir consenso interno a respeito da candidatura de Simone, que nos rejuvenesce e nos dá protagonismo.”  

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO presidente do MDB Baleia Rossi: “Conseguimos construir consenso interno”
Nas negociações entre MDB e PSDB, o maior nó a ser desatado está, provavelmente, no Rio Grande do Sul. Quando parou de brigar com João Doria pela candidatura tucana à presidência, Eduardo Leite voltou suas atenções para o estado natal, pensando em conquistar um segundo mandato como governador. As pesquisas locais o mostram em grande vantagem. Acontece que o MDB sempre teve candidato ao governo gaúcho e ainda sonha em fazer decolar o jovem deputado Gabriel Souza. Uma das soluções seria Leite, que por muito tempo fez parte da lista de apostas da Terceira Via, concordar em ser vice de Simone Tebet. As chances são remotas. A outra é convencer os emedebistas a deixar de lado a disputa pelo Palácio Piratini. Dificilmente o PSDB topará uma aliança se Baleia Rossi e Simone Tebet não convencerem seus correligionários gaúchos a adotar esse último caminho.

Para uma Terceira Via que se encaminhava para o vácuo, é uma boa notícia mudar a chave para um enredo de aventura – mesmo que seja o de Missão: Impossível. Da vantagem quase que inabalável de Lula e Bolsonaro nas pesquisas às dificuldades de escapar de uma intenção de voto de apenas 2%, sem falar nas armadilhas políticas que ainda estão pelo caminho, os obstáculos para Simone Tebet são enormes. Mas, pela primeira vez em meses, a Terceira Via parece ter alguma substância. Que a mensagem não se destrua em cinco segundos.


PS: Nesta sexta-feira, 27, o Ipespe divulgou uma nova pesquisa, mostrando que o potencial de voto em Tebet aumentou 11 pontos em uma semana. Ele agora é de 28%. Além dos 5% que disseram ao instituto que votariam nela com certeza, há outros 23% que poderiam votar. Há sete dias, os números eram 3% e 14%, respectivamente.

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