Michel Jesus/Câmara dos Deputados"Muita gente hoje faz escola pública técnica só para depois ter mais facilidade para entrar na universidade pública"

‘A esquerda não quer taxar os mais ricos?’

Deputado federal General Peternelli propõe cobrar mensalidades de alunos ricos de universidades públicas, que são financiados pelos mais pobres
03.06.22

O deputado federal Roberto Sebastião Peternelli Júnior, de 67 anos, ganhou os holofotes e a ira da esquerda por ser o autor de uma Proposta de Emenda à Constituição, PEC, que abre caminho para a cobrança de mensalidades em universidades públicas. A votação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a CCJ, estava marcada para ocorrer há duas semanas, mas foi adiada para a realização de audiências públicas.

Apresentada em 2019, a PEC 206 busca acrescentar à Constituição o artigo 207, que traz uma ressalva ao artigo anterior, sobre a gratuidade do ensino. “As instituições públicas de ensino superior devem cobrar mensalidades, cujos recursos devem ser geridos para o próprio custeio, garantindo-se gratuidade àqueles que não tiverem recursos suficientes, mediante comissão de avaliação da própria instituição e respeitados os valores mínimo e máximo definidos pelo órgão ministerial do Poder Executivo”, sugere a PEC.

Na sua justificativa, o texto afirma que “o gasto público nessas universidades (públicas) é desigual e favorece os mais ricos. Não seria correto que toda a sociedade financie o estudo de jovens de classes mais altas“. Em entrevista a Crusoé, Peternelli diz que não compreende a aversão de políticos de esquerda à sua proposta. “A esquerda não quer taxar os mais ricos? Então. Essa resistência deles, eu tenho dificuldade para entender“, afirma.

Peternelli hoje defende que os recursos advindos dessa cobrança sejam aplicados em ciência, tecnologia e pesquisa, o que marcaria uma alteração no projeto inicial, que só fala em custeio. O deputado também tem visto com bons olhos algumas sugestões, como a de que estudantes que se graduaram em universidades públicas dediquem parte do salário como profissionais às universidades que os formaram. “Tudo precisa ser estudado e debatido com muita tranquilidade, e esse processo está sendo muito positivo“, afirma.

Natural de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, Peternelli fez uma carreira de 44 anos no Exército. Depois de ser promovido a general, foi secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Entrou para a reserva em 2014. Quatro anos depois, foi eleito deputado federal por São Paulo, pelo PSL, partido que depois formou a União Brasil, juntamente com o DEM. Ele é formado em administração e tem um MBA na área. Segue a entrevista:

Por que o sr. propôs cobrar mensalidade de alunos de universidades públicas?
Em primeiro lugar, comecei a ouvir muitas pessoas criticando que só gente com dinheiro estudava medicina em universidades públicas, sendo que muitos faziam cursinhos caros para entrar nelas. Segundo, porque surgiu uma corrente na opinião pública pedindo para que as pessoas com mais recursos contribuíssem mais, o que seria feito com um imposto sobre grandes fortunas. Outro fator que me levou a sugerir isso é que, hoje, quem paga a maioria dos impostos é o povão que pega ônibus todo dia. Você acha justo eles bancarem a faculdade daquele que tem recursos e pode pagar?

A PEC diz que a gratuidade será garantida para os que não têm recursos suficientes. Quem decidiria quem pode ou não pagar?
Penso que aqueles que não podem pagar poderiam fazer um requerimento, que seria analisado por uma comissão composta por alunos, professores e assistentes sociais. Uma vez verificadas as condições, eles poderiam conceder ou não uma bolsa. Se o pedido for negado, o custo para o estudante seria entre 50% e 70% do valor das mensalidades cobradas no mercado. Mas isso está em aberto. As porcentagens podem mudar. Se a conclusão for a de que deve ser entre 10% e 20%, tudo bem. Também seria preciso avaliar os gastos das pessoas. Alguém que ganha 5 mil pode pagar metade de um curso de administração no valor de 500 reais, mas essa pessoa teria mais dificuldade se tivesse de sustentar os pais, os filhos e uma pessoa com deficiência. Também seria inviável que ela pagasse a metade de um curso de medicina no valor de 4 mil. O melhor então é que uma comissão decida os critérios, e o reitor poderia homologar ou não a decisão. Essa é a minha sugestão.

ReproduçãoReprodução“Não é porque uma pessoa entra por meio de uma cota que ela não tem recursos”
Existem outras opções, além da cobrança das mensalidades?
Com o diálogo que se abriu, apareceram outras ideias muito interessantes. Alguns sugerem que aqueles que cursaram uma universidade pública de medicina trabalhem, durante algum tempo, por três horas por dia no Sistema Único de Saúde, o SUS. Outra seria que uma parte do salário do estudante, uma vez empregado, fosse destinada a ajudar a universidade. Tudo precisa ser estudado e debatido com muita tranquilidade, e esse processo está sendo muito positivo. 

Quem mais tem oferecido resistência à PEC 206?
A esquerda armou toda uma briga. O que eu argumentei, então, é que eles têm pedido para aumentar os impostos das pessoas que ganham mais dinheiro. Essa minha proposta vai exatamente nessa linha de pensamento. A esquerda não quer taxar os ricos? Então. Essa resistência deles, eu tenho dificuldade para entender. Outros que me criticam afirmam que algo que é público não pode ser pago. Não tem nada a ver. O Banco do Brasil é público e cobra taxas dos correntistas. O Correios é uma empresa pública e tem vários preços para mandar pacotes.

A adoção das cotas não aumentou o ingresso de pessoas mais pobres no ensino superior?
As cotas mudaram bastante as coisas. Esse é um assunto muito importante que eu acho válido. Mas não é porque uma pessoa entra por meio de uma cota que ela não tem recursos. Em alguns casos, conforme a cota, esse indivíduo pode ter recursos, sim. Outra questão é que muita gente hoje faz escola pública técnica só para depois ter mais facilidade para entrar na universidade pública. No final, ela acaba tirando a vaga de alguém que precisa e fez o ensino médio regular. Não sei quantas pessoas fazem isso, mas é algo que acontece.

O que as pesquisas de opinião pública mostram sobre isso?
É lógico que, se um instituto pergunta para a população se a faculdade deve ser gratuita, a resposta será que sim. Se questionar se ônibus deve ser de graça, também vão responder afirmativamente. Mas uma pergunta bem formulada teria de ser feita de outra maneira: “Com os seus impostos é bancada uma universidade pública de medicina cujos frequentadores têm muitos recursos, você concorda que eles paguem a mensalidade?”. Aí quero ver qual vai ser a resposta.

Como é no resto do mundo?
Eu tenho lido os relatórios da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, a OCDE. Dos 29 países que integram esse grupo, 20 cobram para dos estudantes de universidades públicas. Dentre eles, estão Austrália, Estados Unidos, Reino Unido, França e Israel. O Banco Mundial também soltou uma análise sobre o Brasil, em 2017. No capítulo sobre educação, os autores recomendam a adoção de mensalidades nas universidades públicas.

Esse modelo seria totalmente novo no Brasil?
Já existem modelos que misturam um pouco as coisas, em que os custos das instituições públicas são em parte pagos por pessoas ou empresas. Se uma pessoa é atendida pelo SUS e tem plano de saúde privado, então o plano precisa pagar pelo tratamento. Na Academia Militar, see alguém pede para sair antes de concluir os cinco anos do curso, precisa indenizar o Estado brasileiro. Deve pagar proporcionalmente o custo que deu ao Estado.

Para onde iria o dinheiro das mensalidades?
Meu objetivo é destinar mais recursos às universidades públicas, o que pode ser feito de várias maneiras. Proponho que o dinheiro seja investido em ciência, tecnologia e pesquisa. A PEC fala em ajudar no custeio, mas hoje acho que quem deve pagar as contas de luz, de água e o salário dos professores é a estrutura já existente, o Estado.

Por que essa ideia só chegou agora?
O projeto foi protocolado em 2019. Desde então, tem seguido o seu fluxo normal. Se dependesse de mim, eu votaria projetos que acho mais importantes, como o fim do foro privilegiado, a extinção dos super salários de mais de 100 mil reais e a volta da prisão em segunda instância. Mas esses projetos ainda não percorreram as etapas necessárias para entrarem na pauta. Minha PEC chegou antes porque entrou mais cedo na fila.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO