Tony Winston/Agência BrasíliaFoto: Tony Winston/Agência Brasília

Os benefícios da reforma trabalhista na ponta do lápis

O economista Raphael Corbi confirma a redução do número de processos na Justiça e também mostra que reforma evitou aumento do desemprego
03.06.22

As normas do direito do trabalho brasileiro são regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, de 1943, e pela Constituição de 1988. Juntas, elas estabeleceram um arcabouço legal com regras rígidas sobre como deve ser uma relação de emprego. Além disso, a legislação trabalhista brasileira também é conhecidamente pró-trabalhador na forma como os processos judiciais são conduzidos, diferindo de outras áreas do direito. O Princípio da Proteção no Direito do Trabalho, por exemplo, tem como objetivo evitar abusos por parte do empregador ao abrandar os desequilíbrios inerentes aos contratos de trabalho. Essa orientação é muitas vezes interpretada como sugestão para que os juízes decidam, em caso de ambiguidade, a favor do trabalhador.

O próprio juiz pode aumentar a incerteza do resultado processual. A lei trabalhista concede aos juízes ampla liberdade para determinar o ritmo e as especificidades do processo legal. Um juiz do trabalho pode, por exemplo, anular acertos de comum acordo ou pressionar as partes que não estão dispostas a aceitar ou negociar um acordo, conforme as suas inclinações pessoais. De fato, uma pesquisa com 741 juízes brasileiros, feita por Armando Castelar, encontrou que 45,1% consideraram que as decisões trabalhistas são muitas vezes baseadas mais nas opiniões políticas do juiz e não na leitura estrita da lei, e que 45,8% acreditam que a busca de justiça social às vezes justifica decisões que violam contratos.

Tal arcabouço legal, que por um lado busca garantir direitos dos trabalhadores e amplo acesso à Justiça, impõe altos custos de contratação às empresas. De acordo com a Enterprise Survey do Banco Mundial, 63,2% dos empresários no Brasil identificam regulamentações trabalhistas como uma das principais restrições à novas contratações, em comparação com apenas 16,7% na América Latina e 11,2% da média global. Não surpreendentemente, muitas das vagas da nova economia, como entregadores e motoristas que trabalham com aplicativo, foram criadas como trabalho autônomo, como forma de evitar os custos impostos por uma lei e jurisprudência ineficazes.

Com esse pano de fundo, a reforma trabalhista de 2017 alterou inúmeros artigos da Constituição e da CLT, com o objetivo de melhorar o funcionamento do mercado de trabalho por meio de três canais distintos: i) aumentando o conjunto de práticas trabalhistas consideradas legais; ii) removendo alguns dos incentivos para litígios excessivos e infundados; e iii) reduzindo o escopo de arbítrio dos juízes para decidir de acordo com seus pontos de vista pessoais. Será, então, que foi um avanço na direção correta?

Os defensores de regras mais rígidas e uma justiça proativa apontam para desigualdades no poder de barganha dos trabalhadores e a precarização das relações de trabalho para justificarem sua posição. O lado oposto geralmente defende que regulamentações mal concebidas prejudicam a produtividade e aponta para os seus efeitos desiguais sobre o bem-estar de diferentes tipos de trabalhadores, como funcionários com salários mais altos que geralmente se beneficiam de regras em detrimento de trabalhadores menos qualificados e dos desempregados. Decidir qual lado está mais correto é, em última análise, uma questão empírica, que só pode ser respondida com riqueza de dados e o uso de metodologia apropriada.

Em um artigo recente em coautoria com Renata Narita, Rafael Ferreira e Danilo Souza, analisei os efeitos dos vereditos da Justiça do Trabalho sobre o desempenho das firmas no Brasil. Usando dados de mais de 1,5 milhão de processos do TRT2-SP no período pré-reforma (2008-2013), vemos que juízes decidem a favor do trabalhador em 72% dos casos, com um valor médio da sentença de 9 meses de salário. Analisando a distribuição aleatória dos processos entre varas, encontramos que firmas sorteadas com um juiz com histórico de decisões mais favoráveis ao trabalhador encaram um aumento na probabilidade de perder a ação de 61% para 82%, comparadas a firmas sorteadas com juízes menos “pró-trabalhador”. Consequentemente, elas tendem a contratar menos, com salário menor e enfrentam maior probabilidade de encerrar suas atividades no ano seguinte.

Mas qual foi o efeito da reforma trabalhista dado este panorama? Compreender o efeito global de uma reforma complexa e multifacetada como a de 2017 é um exercício de certa maneira inócuo, devido a dificuldades metodológicas claras. Como isolar os efeitos da reforma dos outros efeitos macroeconômicos, como a recessão de 2015-2016 e a pandemia a partir de 2020, que afetam a economia?  Para isso, desenvolvemos um modelo econômico de search-matching sobre o comportamento de trabalhadores e firmas, o qual calibramos de forma a recuperar o perfil do funcionamento do mercado de trabalho brasileiro pré-reforma. Mantendo todo o resto constante, implementamos uma das principais mudanças trazidas pela reforma, que foi a possibilidade de transferência das custas processuais da ação para a parte perdedora. Nossas estimativas mostram uma redução do número anual de novos processos similar à observada nos dados do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ — uma queda de 2,7 milhões para 1,8 milhões de processos em âmbito nacional, entre 2017 e 2018.

Mais importante, a redução na incerteza jurídica associada ao litigio excessivo leva as empresas anteciparem menores custos no futuro e investirem mais na produção de bens e serviços, que se transformam em mais oportunidades de empregos, o que evitou um aumento da taxa de desemprego da ordem de 1.7 ponto percentual.

Diversos pontos da reforma encontraram resistência dentre alguns setores da sociedade, inclusive a questão das custas discutidas acima. Em 2021, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.766 e decidiu que custos e honorários não podem ser cobrados de trabalhadores requerentes que forem beneficiários da justiça gratuita — número hoje que engloba cerca de 85% da força de trabalho formal do país. Apesar de ser uma medida que tem a intenção de reduzir desigualdades e proteger os trabalhadores, seus efeitos não são diretos e podem acabar prejudicando exatamente os mais vulneráveis, que deixam de entrar para o mercado de trabalho formal. As discussões em torno dos efeitos de legislações complexas e que tocam tantas pessoas devem se basear na análise técnica e fria dos dados e não em posições ideológicas. Somente assim poderemos tomar decisões informadas para seguir rumo a uma sociedade melhor, em que as pessoas tenham a liberdade de ganhar seu sustento de forma mais digna e justa.

Raphael Corbi é economista e professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.

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  1. Continuando o comentário anterior, essas análises erram ao analisar o que vem sendo feito no caso dos grandes conglomerados de serviços, como os aplicativos de entrega. Esses mercados se assemelham, de fato, ao da prostituição, onde se “cata” uma pessoa qualquer e, após satisfeitas as necessidades, descarta-se na próxima esquina. Além disso, os próprios negócios, como restaurantes, são obrigados a se curvar a taxas altíssimas, sob pena de não existirem mais no mercado.

  2. O artigo tem seus méritos, especialmente porque aborda a visão econômica do problema. Entretanto, como tudo nesse país ultimamente, as discussões sobre direitos trabalhistas se resume a um monte de pitacos sobre o esteriótipo do pequeno empregador desalmado e o do empregado oportunista. Existem pessoas com essas características nos dois lados? Óbvio que sim, mas são exceções entre os milhões de pais e mães de família que buscam sustentar suas famílias.

  3. O Brasil só consegue ser o portento económico que é devido a sua riqueza de recursos e mão de obra vasta, porque tudo mais que importa joga contra: legislação trabalhista, regulamentação tosca, infraestrutura precária, corrupção, sistema tributário insano, taxação elevada, insegurança jurídica, etc. Ah o que poderíamos ser seguindo o caminho da reforma trabalhista em outras áreas...

  4. No Brasil a justiça do trabalho é um ser grotesco, uma natureza bizzara que se alimenta do seu propio escambo, no Rio Grande do Sul os juizes entao batem recorde, eles acham que um dono de lancheria ganha 50 mil por mes e anda pelas ruas de Ferrari e secuestrando funcionarios para retira-lhes o figado e vende-lo no mercado negro...a capacidade intelectual e nula ou perto, prova???...empresas estao comprando processos dos reclamantes e ganhando rios de dinheiro, enquanto o trabalhador...

  5. Fiquei curioso sobre a conclusão do penúltimo parágrafo: como se evitou o aumento de 1,7%? Ou melhor, como chegaram a esta conclusão?

  6. Concordo q as discussões sobre efeito de legislações devem ser técnicas e não ideológicas; Até hj, a maioria dos (poucos) artigos q li são favoráveis a reforma trabalhista. Na prática, não sei opinar,mas a impressão que tenho é q as pessoas q não estão desempregadas, tb não estão bem empregadas, mas se submetem a condições "difíceis" por que nosso conto de fadas não tem encantamento...

  7. O juiz do trabalho é o primeiro a rasgar a lei. A moda agora é cancelar CPF e suspender CNH como se isso fizesse cair dinheiro do céu pagar a dívida. Uma coisa que não morre na justiça do trabalho: o princípio do coitadismo do empregado. A JT é rápida para o empregado e tartaruga para o empregador, de quem se rouba a dignidade sob o pretexto de "devolvê-la ao empregado". Já deveria ter sido absolvida pela JF.

    1. Absolutamente correto o seu ponto, a empresa que trabalhei quase faliu por decisões personalistas de um juíz do trabalho, A um ditado (no meio jurídico) que diz que decisões de juíz do trabalho e bunda de criança, são iguais: não se sabe que hora vai evacuar !!!

  8. A justiça deste país nada em lama, lixo, vergonha e sabe Zeus em que mais e EU SOU A PROVA ... tenho ação trabalhista em curso PASMEM há 30 anos e venci em todas instâncias e após sentenças do TST estão depositados JUDICIALMENTE recursos elevados em meu nome desde 2013 ou há 9 anos e a empresa quis negociar por 10% não aceitos e me disse na lata VOCÊ JAMAIS RECEBERÁ ESTE DINHEIRO e estão certos .. o Brasil virou mesmo um imenso PUTEIRO esta a dura verdade ... perdoem MAS VÃO LAMBER XUXU.

    1. Não se preocupe depois de uma decisão que eu não tive oportunidade de me defender (a revelia apesar de viver na época a mais dez anos no mesmo lugar) me leiloaram uma casa por R$400 mil, em uma causa de R$80 mil, E nunca me devolveram a diferença !!!

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