RuyGoiaba

O Brasil precisa de um coach desmotivacional

09.06.22

Tenho zero espírito empreendedor, o que absolutamente não me orgulha. Mas posso listar, como argumento em meu favor, todas as contribuições que dei à sociedade com os negócios que NÃO abri: nunca tive paleteria mexicana, nem academia de crossfit, nem food truck, nem barbearia hipster, nem doceria especializada em banoffee, nem quadra de beach tennis. Aliás, a moda das paletas mexicanas em São Paulo é hoje mais antiga que o primeiro espartilho da Sarah Bernhardt, e não deve demorar muito para que o beach tennis siga o rumo do limbo das modas passadas. De todo modo, não tenho timing para essas coisas nem antena para captar “tendências” — ao contrário, tendo a fugir delas.

Um amigo que frequenta lugares barra-pesada e insalubres como o LinkedIn, porém, diz que a rede social profissional tem hoje mais influenciadores digitais do que dentistas. Fiquei encantado com o senso de prioridade — claro, é muito mais importante influenciar e ser influenciado digitalmente do que não ter dentes podres — e intrigado com as possibilidades financeiras do negócio. Como é que a gente faz para virar influencer? Tem concurso? Aceitam velho de mais de 50 anos na profissão (influencer sênior, talvez)? Qual é o mínimo de pessoas que precisamos influenciar para sermos considerados influenciadores? Logo lembrei que não consigo influenciar nem minha namorada e desisti do empreendimento.

“Desistir”: essa palavrinha mágica acendeu uma luz aqui, como aquela lâmpada que aparece ao lado de um personagem de quadrinhos quando ele tem alguma ideia luminosa. Como é que um país como o Brasil, cheio de gente muito proativa que só faz besteira — burros com iniciativa, na feliz expressão desse grande brasileiro que é Paulo Maluf —, ainda não tem um mercado de coaches desmotivacionais bombando? Alguém que ensine às pessoas que nunca é cedo demais para desistir e que não sair da cama é mil vezes melhor do que “encarar o mundo aí fora”, fazendo uma burrada atrás da outra. Com muitos memes (“não sabendo que era impossível, foi lá e se ferrou”) e exemplos concretos das virtudes da desistência (“vejam, se o Brasil tivesse se empenhado mais em perder do Chile na Copa de 2014, não levaria aquele 7 a 1 da Alemanha lá na frente”).

Já escolhi até algumas citações perfeitas para atrair potenciais clientes que precisem muito ser desmotivados. Para o pessoal mais cultão, temos este trecho da Clarice Lispector, lembrado por uma querida amiga: “A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. (…) A desistência é uma revelação”. Para quem for mais pop, é só exibir aquele trecho da série Friends com o seguinte diálogo entre Rachel Green e (o sábio) Joey Tribbiani: “Greens não desistem nunca!” “Bom, eu sou um Tribbiani, e os Tribbianis desistem.”

Find a need and fill it, como dizia Ruth Stafford Peale, mulher de Norman Vincent Peale, aquele de O Poder do Pensamento Positivo: na ausência do Ministério do Vai Dar Merda, medida urgente e sempre adiada no Bananão, precisamos de uma cultura do coach desmotivacional. Um campeão da desmotivação não faria como Pablo Marçal, cujo currículo inclui se perder com 32 pessoas no Pico dos Marins e, depois disso, virar pré-candidato à Presidência pelo PROS — ao contrário, evitaria que as pessoas entrassem nesse tipo de roubada premium. O problema é que, para dar o exemplo e seguir fielmente meu próprio conselho, terei que desistir de ser coach. Quem sabe eu escreva um livro sobre as vantagens da procrastinação. Mas não hoje: como dizia Santo Agostinho antes de renunciar ao pecado, “dai-me a castidade e a continência, mas não para já”.

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A GOIABICE DA SEMANA

Escrevo esta coluna no fim de semana, antes de fugir do Bananão por uns dias, mas já arrisco dizer que o Troféu Goiaba da semana vai para José Luiz Datena. No sábado (4), o apresentador, que lidera as pesquisas para o Senado em São Paulo, indicou que deixaria a disputa — como em 2016, quando desistiu de se candidatar a prefeito, em 2018, quando desistiu de disputar o Senado, e em 2020, quando desistiu de ser vice na chapa de Bruno Covas. A cada uma delas, o apresentador mudou de partido, mas jamais abandonou seu compromisso com desistir. Não resta a menor dúvida: Datena é nosso grande herói da desistência.

Reprodução/Redes SociaisReprodução/Redes SociaisDatena: o nosso grande herói da resistência

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