RuyGoiaba

A cidade perdida de Rabanada

16.06.22

Esta é mais uma daquelas ocasiões em que a coluna se faz praticamente sozinha: pensei em escrever uma coisa bem jeca do tipo “minhas férias em Noviorque” (para a sorte dos meus amigos, não cumpri a promessa de enviar diretamente de NY áudios imitando o Paulo Francis), mas eis que outro valor mais alto se alevanta. Refiro-me, é claro, ao longo fio que Mario Frias, ex-galã de Malhação e ex-secretário de Cultura do governo Bolsonaro — essa contradição em termos —, postou no Twitter sobre a “cidade perdida de Ratanabá”.

Na última terça, 14, Frias publicou fotos de um encontro em seu gabinete, em 2020, com Urandir de Oliveira, o garoto-propaganda de Ratanabá; mais sobre esse senhor no parágrafo abaixo. Muito impressionado com a história toda (“podemos estar diante da maior descoberta dos últimos tempos!”), ele explicou aos distintos leitores de seu perfil que a tal cidade, supostamente localizada na Amazônia, era a “capital do mundo há 450 milhões de anos” — ou seja, numa época em que os primeiros vertebrados estavam começando a surgir na Terra e a América do Sul como é hoje nem existia, quanto mais a Amazônia. Frias lamentou, ainda, não ter ido visitar o local onde estariam as tais “evidências” da “cidade perdida” (haja aspas!) enquanto ainda estava na Secretaria de Cultura. É uma pena que não tenha transferido o seu gabinete para a mística Rabanada.

E agora o currículo do tal Urandir, que um policial das antigas chamaria de capivara: autointitulado paranormal que conversava com o ET Bilu, ele agora é dono de uma empresa chamada Dakila Pesquisas, notória por discursos antivacina e por um “documentário” em que sustenta que a Terra não é esférica e a gravidade não existe. Ratanabá é só mais um capítulo dessa grande obra, que mereceria umas 30 estrelas no Michelin se o guia avaliasse empreendimentos 171 em vez de restaurantes. É um padrão nesse governo: em 2021, justamente na edição 171 desta Crusoé, escrevi sobre aquele escrete de picaretas que foi alegadamente vender vacina no Ministério da Saúde na mesma época em que o governo ignorava as ofertas da Pfizer. Bois pretos reconhecem uns aos outros.

E por que Mario Frias resolveu, justamente nesta semana, impulsionar uma “teoria da conspiração” amazônica dois anos depois de seu encontro com o amigão do ET Bilu? Uma hipótese razoável é que — sabendo que a história viraria piada e viralizaria nas redes — as mentes brilhantes do governo tenham tentado bagunçar o algoritmo com um assunto ligado à Amazônia que não fosse o bárbaro assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira, confirmado pela PF na quarta, 15. O bolsonarismo é de fato campeão em manobras diversionistas: duas semanas atrás, citei aqui a palpitante polêmica sobre a Barbie trans, já enterrada pelos acontecimentos recentes. Mas eu acredito sinceramente na exuberante burrice dos envolvidos: no próprio Twitter, o ex-secretário de Cultura já se mostrou incapaz de acertar o nome do técnico da seleção, que tem apenas quatro letras (T-i-t-e). É um time repleto de craques que chutam com as quatro.

De todo modo, eu adoraria que o exílio na cidade perdida de Rabanada fosse uma opção real. Seria a minha Pasárgada: “Em Rabanada tem tudo, é outra civilização”. Na inexistência dessa possibilidade, continuarei seguindo o conselho de William Blake e trilhando o caminho do excesso, que segundo ele leva ao palácio da sabedoria. Sempre achei “palácio da sabedoria” um modo muito poético de se referir à cadeia, à rehab ou ao consultório do endocrinologista.

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A GOIABICE DA SEMANA

A gente sempre desconfiou de que Jair Bolsonaro e seus seguidores fervorosos fossem seres anaeróbios. Fiquei feliz em ouvir a confirmação do próprio presidente, que, em discurso numa igreja de Orlando, afirmou que “podemos até viver sem oxigênio, jamais sem liberdade”. Topo até ficar uns 30 minutos sem liberdade se Bolsonaro concordar em passar a mesma meia hora sem oxigênio.

Alan Santos/PRAlan Santos/PRBolsonaro, que calado é um poeta, fala a seus apoiadores em Orlando, EUA

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