Adriano Machado/CrusoéIda às urnas: eleição se transformou em um ato de ódio ou de fé, dificilmente de escolha

Entre Lula e Bolsonaro

Será mais fácil lembrar da atuação de Bolsonaro na pandemia do que dos erros dos governos petistas responsáveis por uma crise ainda não superada
16.06.22

A decisão de “votar no menos pior” tem sido uma das ações mais comuns dos eleitores em sistemas democráticos. Mesmo no multipartidarismo brasileiro, o incentivo é mais pela rejeição e menos pela escolha por uma agenda disponível. O eleitor órfão de uma Terceira Via, apesar de acusado de se isentar, na realidade já começou a se posicionar, na disputa polarizada para o cargo de presidente da República.

Aquele que ainda conserva algum resquício de antipetismo da época do impeachment está inclinado a escolher Jair Bolsonaro. Para esse grupo, o ressentimento petista com a Lava-Jato é um indício de ruptura institucional e de mais instabilidade política. O eleitor preocupado com as questões econômicas está levando em consideração que o contexto desde a crise de 2008 reforçou o intervencionismo econômico no mundo todo e, dessa forma, Lula, que anda falando abertamente em imprimir dinheiro, não teria motivo algum para adotar, no contexto atual, uma postura ortodoxa na economia, como fez em 2002. As notícias sobre os governos de esquerda na América Latina, como aquelas sobre a hiperinflação na Argentina, também reforçam essa rejeição.

Contribui para esse sentimento contra o PT o fato de o partido se orientar pelos mesmos códigos em suas campanhas. Um deles é destruir a imagem de quem aparece no caminho de seu projeto hegemônico. A estratégia foi usada para enfraquecer a reputação tanto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quanto da ex-candidata Marina Silva. O outro recurso petista em campanhas é o dar contornos apocalípticos para a eleição. Seus militantes têm se referido à disputa não como um instrumento constante e estável da democracia, que permite a transição de diferentes líderes no poder, e sim como uma questão de vida ou morte.

Quanto a Bolsonaro, sua rejeição parece, em determinados momentos, mais alta do que a repulsão ao petismo. A princípio, existe um teto de vidro natural de quem está na situação, o que facilita o reconhecimento dos erros do governo vigente, pois esses são mais recentes. Entretanto, em relação ao mandato de Bolsonaro, a questão não será apenas lidar com o desgaste natural da imagem de quem está na linha de frente, mas também com os aspectos turbulentos do combate à pandemia, dos conflitos com o Judiciário e do antagonismo com a mídia tradicional.

Tanto o presidente quanto a sua militância parecem apostar na estratégia de alimentar a luta cultural, mesmo que as ações não estejam sempre apontadas para essa realidade (tendo em vista a recente aproximação com o Centrão). Essa estratégia tem tido resultados, mas também traz riscos. É inegável que Bolsonaro nos últimos quatro anos tem tirado proveito das controvérsias em torno do seu nome, apostando em manter uma péssima relação com a grande mídia. Mas, querendo ou não, essa mídia ainda tem algum poder para conduzir a opinião pública e, principalmente, o eleitor mediano.

Como sabemos, eleitores têm memória curta, e será mais fácil lembrar da atuação rebelde de Bolsonaro durante a pandemia de Covid, do que recordar os erros dos governos petistas responsáveis por uma crise econômica e política que ainda não está superada. Os concorrentes vão, com absoluta certeza, bater incansavelmente nesses pontos. Teremos então um duelo entre aqueles que querem relembrar os erros dos governos petistas e os que evocam os equívocos do bolsonarismo.

Mais uma vez, a dinâmica da polarização inviabiliza qualquer terceira opção, pois a terceira força política terá que se dividir em criticar Lula e Bolsonaro ao mesmo tempo, correndo o risco de, ao fazer isso, beneficiar ambos na escalada do processo eleitoral. A lógica continuará sendo “evitar a eleição daquele que considero o pior”. Dessa forma, esta eleição se transformou em um ato de ódio ou de fé, dificilmente de escolha.

Marize Schons é socióloga, professora no Ibmec de Belo Horizonte e na Mises Academy.

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