ReproduçãoPutin analisa caixa de remédio, em foto de março: abatido e com tremores

O homem doente da Europa

Com o rosto inchado e cancelamento de aparições públicas, Vladimir Putin suscita especulações de que estaria padecendo de algum mal, mas enfermidades de ditadores são sempre misteriosas
16.06.22

Ditadores sempre tiveram complicações extras ao contrair doenças. A mera notícia de que estão se consultando com médicos é suficiente para iniciar uma disputa pela sucessão ou levar membros da elite a retirar apoio. Além disso, os males físicos nos déspotas trazem uma decepção amarga, pois ameaçam abreviar o poder que eles acreditavam ser eterno. Em 2020, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, que completará 70 anos em outubro, alterou a Constituição do país para se candidatar às eleições mais duas vezes e poder ficar no posto até os 84 anos. Mas rumores dão conta de que ele poderá ser internado no ano que vem e não voltar mais ao Kremlin. Outros, que só lhe restariam mais três anos de vida.

Putin tem feito o possível para esconder seu estado de saúde. A história mais recente é que, nas viagens para fora de Moscou, ele seria acompanhado por um agente especial, cuja missão seria coletar a urina e as fezes do presidente, para serem enviados para exames na capital russa, em monitoramento permanente. Tudo para evitar que serviços de inteligência de outros países tenham acesso a dados sobre sua saúde.

Mas, mesmo sem poder investigar o cocô de Putin, especialistas na Rússia e em outros países, como ex-integrantes dos serviços de inteligência, têm falado sobre sua condição. O ex-espião britânico Christopher Steele disse que Putin está gravemente doente e precisa deixar reuniões com frequência, para receber tratamento médico. O também britânico Richard Dearlove, que foi chefe da agência secreta MI6 até 2004, afirmou que o russo terá de ser internado no próximo ano e não poderá mais retornar ao poder. Boris Karpichkov, um ex-membro da agência secreta da FSB, antiga KGB, acredita que o presidente sofra de Mal de Parkinson. A revista digital New Lines publicou um áudio de um oligarca russo afirmando que ele estaria “muito doente, com câncer no sangue”. No início de junho, a revista americana Newsweek publicou que Putin teria recebido, em abril, tratamento de câncer em estágio avançado. Na semana seguinte, o canal General SVR do Telegram, mantido por uma pessoa com informações de bastidores do Kremlin, publicou que Putin, ao levantar-se após uma reunião, sentiu um “forte mal-estar, fraqueza e tonturas”. Ele então precisou de cuidados médicos urgentes. “A enfermidade do presidente da Rússia está cada vez mais difícil de esconder ultimamente“, diz o canal General SVR. Outros males que aparecem nos boatos são tumor cerebral e câncer de tireoide.

ReproduçãoReproduçãoChávez, com o peruano Ollanta Humala, em 2012: rosto inchado
O Kremlin nega que Putin sofra de qualquer problema, mas o presidente tem dado vários sinais do contrário. Reuniões com subalternos e chefes de governo são feitas com metros de distância para evitar a contaminação por Covid. Pode ser um indício de que o presidente esteja com o sistema imunológico enfraquecido por causa de um tratamento. Em vídeos, Putin apareceu com o rosto inchado a ponto de seu pescoço sumir — possível consequência do uso de corticoides. No dia 21 de abril, ele se sentou curvado a uma mesa para conversar com o ministro da Defesa, Sergei Shoigu. Enquanto olhava para o interlocutor, a mão direita do presidente segurava a borda da mesa, buscando apoio. Em maio, na parada que comemora a vitória sobre os nazistas na Segunda Guerra, ele colocou um cobertor sobre os joelhos, ao se sentar na arquibancada, talvez querendo esconder tremores. Na semana passada, o programa de televisão Linha Direta com Putin, veiculado uma vez ao ano no final de junho, foi cancelado por tempo indeterminado. Nele, o presidente permanecia por quatro horas respondendo a perguntas da plateia, o que hoje parece inviável. Autorizações para que equipes de filmagem gravem eventos públicos no Kremlin se tornaram esporádicas.

Nas democracias consolidadas, presidentes e primeiros-ministros são levados a hospitais de ponta para acompanhamento. Quando internados, seus diagnósticos e a evolução de seus tratamentos são divulgados pelas suas assessorias de imprensa. Todos entendem que é preciso dar satisfações sobre o estado de saúde dos governantes, porque toda a sociedade pode ser impactada. Nos Estados Unidos, por tradição, os presidentes fazem exames detalhados todos os anos. Os resultados são divulgados em seguida e o médico da Casa Branca participa de uma coletiva de imprensa. Com os ditadores, a transparência é nula. Não raro, a pressão pelo secretismo é tão intensa que afeta a qualidade do tratamento que recebem.

O ditador venezuelano Hugo Chávez poderia ter se tratado de um câncer de próstata em qualquer hospital de primeira linha, em 2012. Ele tinha até a opção de vir ao Brasil, onde tinha aliados no Palácio do Planalto. Mas Chávez preferiu se tratar em Cuba, onde uma intervenção cirúrgica acelerou a disseminação do câncer para os ossos. Dez dias depois, outra cirurgia foi feita. Ao longo do tratamento, o venezuelano apareceu andando de muleta e com o rosto inchado, assim como Putin. Também cancelou suas aparições no programa de televisão dominical Alô Presidente. Médicos venezuelanos no exílio afirmavam que sua sobrevida não passaria de um ano. Chávez faleceu em março do ano seguinte.

ReproduçãoReproduçãoA comédia A Morte de Stalin: atraso de 12 horas no atendimento
Quanto mais sanguinário é o ditador, maior é a chance de erros no diagnóstico ou no tratamento. Em janeiro de 1953, o ditador soviético Josef Stalin, em um surto de paranoia, ordenou a prisão e a tortura de centenas de médicos — a maioria judeus — por considerar que eles tinham planejado a morte de oficiais comunistas e espionavam para outros países. Muitos foram fuzilados. No dia 1º de março desse mesmo ano, Stalin teve um derrame e caiu no tapete de sua casa de campo, em pijamas. Ele ainda estava consciente e havia urinado nas calças. O receio de comunicar outras pessoas sobre “a doença do camarada Stalin” e o fato de que seu médico estava sob tortura atrasaram o atendimento em doze horas. Quando os doutores chegaram, tremiam tanto de pavor que não conseguiam medir a pressão ou tirar o pijama de Stalin, que teve de ser cortado. Um dentista retirou a dentadura, mas a deixou cair. Com tanta confusão, a operação para tirar o coágulo cerebral não pôde ser realizada com urgência Stalin morreu no dia 5. A história de sua morte virou tema da comédia A Morte de Stalin, de 2017.

O site russo investigativo Proyekt afirma que o presidente viaja com frequência na companhia de diversos médicos especialistas. Dois deles são cirurgiões de cabeça e pescoço. Um é ortopedista. Outro é um neurocirurgião que estudou câncer de tireoide em pacientes idosos. O mais surpreendente é que Putin estaria usando homeopatia e alguns remédios antigos, como imersão em banheiras cheias de sangue de chifre de veado. Os russos chamam isso de “Viagra natural”, pois seriam bons para melhorar a circulação, a pele e a potência sexual. Se for verdade, vai dar muito certo.

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