MarioSabino

O homem mais poderoso do Brasil

24.06.22

Não existe ninguém mais poderoso no Brasil do que Gilmar Mendes. Se um ministro do STF pode tudo, ele pode ainda mais. Não há ninguém capaz de ombrear com ele. No Supremo, ele engoliu todos os presidentes do tribunal, desde que Joaquim Barbosa deixou o cargo e retirou-se da Corte. Engoliu Ricardo Lewandowski, engoliu Cármen Lúcia, engoliu Dias Toffoli e está engolindo Luiz Fux, coitado. Por qual motivo ninguém lhe faz frente? É que o decano do STF, ao contrário do resto, sabe que só tem poder quem efetivamente o exerce por inteiro. Age sem peias por instinto, por origem e também, reconheçamos, porque leu Maquiavel melhor do que qualquer outro integrante atual da Corte. O Brasil não é muito diferente politicamente da Florença do século XV. É só uma versão tropicalizada, sem mecenato.

A Lava Jato, fulminada, serviu a que Gilmar Mendes estendesse o seu poder ao Legislativo. Ele, que era chapa, virou patrão. No Executivo, Jair Bolsonaro lhe é tão devedor, que foi pedir a bênção para a indicação de Kassio Nunes Marques. André Mendonça? Gilmar Mendes, outra vez. Se Lula for eleito presidente da República, ele terá um credor no atual decano do STF, porque foi Gilmar Mendes quem o tirou da prisão. O projeto de instaurar o semipresidencialismo saiu da cachola de quem? Do nosso juiz mais supremo, que, ao que tudo indica, sonha com o cargo de primeiro-ministro no eventual novo regime.

O reto e vertical Paulinho da Força, no lançamento daquele pastiche que o PT apresentou como programa de governo, foi cristalino sobre quem está no topo: “Em todo lugar que eu andava, alguém me falava assim: ‘fala para o Lula não falar isso’. Do Gilmar Mendes ao peão da fábrica. Depois fiquei pensando por que as pessoas falaram isso toda hora. É a preocupação de que a gente não erre, porque, se Lula e Alckmin errarem, o Brasil é quem perde com isso”.

A medida desse poder ficou ainda mais visível nesta semana. Na segunda-feira, Gilberto Kassab reuniu 300 pessoas em um restaurante, em Brasília, para homenagear os 20 anos de Gilmar Mendes no STF. Dois dias depois, na quarta-feira, foi a vez de Arthur Lira prestar o seu tributo. Na residência oficial do presidente da Câmara dos Deputados, ele promoveu um jantar em honra ao homem mais poderoso do Brasil. Foram convidados o presidente da República, Jair Bolsonaro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Anderson Torres (Justiça), os ministros do STF Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, além dos deputados Aécio Neves, Reginaldo Lopes e Elmar Nascimento. Os regabofes aconteceram na mesma semana em que Luiz Fux promoveu um encontro oficial com parlamentares, para fazer uma DR do Judiciário com o Legislativo. Divertido.

Gilmar Mendes também tem “correspondentes” nas redações (o termo é dele) e, quando julga necessário, faz saber a donos de jornais que não gostou desta ou daquela reportagem. Ou que gostou. Ou que gostaria. Na semana passada, em sintonia com uma das capas desta Crusoé (É razoável ter medo do STF?)O Globo alertou, em editorial, para o excesso de ativismo político do Supremo durante o governo de Jair Bolsonaro, em nome da defesa da democracia. Disse o jornal, para ilustrar o seu ponto: “O ministro Luís Roberto Barroso deu até prazo para o governo tomar  providências nas buscas do indigenista e do jornalista desaparecidos na Amazônia, como se isso tivesse algum poder de acelerá-las — ou algum cabimento. O ministro Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se esforça para desvencilhar-se da desavença insólita que ele próprio alimentou com os militares em torno das urnas eletrônicas. E o ministro Gilmar Mendes teve nesta semana de reafirmar o óbvio, dizendo que o Supremo não é ‘partido de oposição ao governo’. Não é, nem jamais deveria ser”O Globo fez também a seguinte observação geral: “a Corte, que deveria manter-se equidistante e alheia a paixões, parece a cada dia mais contaminada pelo noticiário, como se devesse prestar contas à opinião pública, não à lei ou à Constituição”.

Concordo totalmente com O Globo. Para ilustrar o ativismo político que rende manchetes para a cúpula do Judiciário, eu citaria ainda o fato de Luiz Fux, como presidente do CNJ, ter criado um “grupo de trabalho” do qual faziam parte o ator Wagner Moura e o fotógrafo Sebastião Salgado, para acompanhar as buscas pelo indigenista e pelo jornalista brutalmente assassinados. Como se isso tivesse o poder de acelerá-las — ou algum cabimento. Mas entendo os limites do jornal carioca da gema. O que importa aqui é Gilmar Mendes ter sido apontado como a voz da sensatez sobre o STF não poder se comportar como partido de oposição ao governo. E, pelo jeito, a voz começa a ser ouvida: Alexandre de Moraes reuniu-se a portas fechadas com Jair Bolsonaro, no jantar oferecido por Arthur Lira ao decano do tribunal. Talvez seja preciso apenas que Gilmar Mendes aconselhe Jair Bolsonaro a não ser oposição a si próprio.

Diante das evidências, já deveria estar claro para todo mundo que Gilmar Mendes é o homem mais poderoso do Brasil. Os partidos são dele. Todos. O governo é dele. Todo. Os poderes são dele. Todos. Gilmar Mendes é a situação, não importa quem ocupe o Palácio do Planalto, as presidências do Senado e da Câmara ou a presidência do STF. Qualquer resistência ao ministro é inútil. Ele é um forte em território de fracos. Atacar Gilmar Mendes é como querer trocar o darwinismo pelo criacionismo. Na nossa selva selvaggia, ele é o topo da cadeia alimentar a quem devemos temer e ouvir. Não existe nada mais sensato a fazer.

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