RuyGoiaba

Do rolê aleatório ao dadaísmo

01.07.22

Gosto de incluir nos meus textos citações eruditas, porque sou um cara cultão e faço questão de que o mundo saiba disso. Portanto, nada melhor do que começar esta coluna com uma frase extraída dos grandes clássicos (no caso, o desenho do Pica-Pau): “em todos esses anos nesta indústria vital”, nunca testemunhei um nível de dadaísmo igual ao do noticiário brasileiro nos últimos anos. Dadaísmo, infelizmente, não é o culto a Dadá Maravilha — o maior frasista do futebol brasileiro —, mas o movimento artístico daquela turminha cabeça que se reunia no Cabaret Voltaire, em Zurique, durante a Primeira Guerra Mundial.

Você, leitor cultão, certamente conhece a receita de Tristan Tzara, um dos líderes do movimento, para fazer um poema: pegue um jornal, recorte algumas palavras, jogue dentro de um saco, agite, tire um pedaço após o outro e copie as palavras na exata ordem em que elas saírem do saco. “O poema se parecerá com você./ E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.” Muitas notícias no Brasil parecem ser fruto desse método dadaísta, com um gerador de manchetes aleatórias no lugar do saco do Tristan Tzara. Pior: não são os jornalistas que fazem isso — minha classe não costuma ter nem imaginação para inventar essas coisas. É Alguém, talvez com A maiúsculo, que está recortando a realidade e sacudindo com força.

O resultado disso são notícias como “Lesão no púbis adia sonho olímpico de Benito Mussolini”, o que só melhora se eu explicar a vocês que o xará do Duce é um judoca piauiense (nem é tão novidade, admito: no fim dos anos 90, o chefe da Polícia Civil goiana era o delegado Hitler Mussoline, com “e” mesmo). Ou a melhor da semana passada: Sasha Meneghel, a filha de Xuxa, perdeu 1,2 milhão de reais investindo em criptomoedas com um sujeito chamado Francisley Valdevino, conhecido como Sheik, ex-sócio de Silas Malafaia numa livraria gospel.

Não é possível que não tenham jogado umas 200 palavras no saco e retirado “Xuxa”, “criptomoedas”, “sheik” e “Silas Malafaia” de modo 100% aleatório. A cereja do bolo é uma foto do glorioso Francisley Valdevino fantasiado de sheik e com uma arma na mão (que parece de brinquedo, em um cenário de festa —mas, como diria Jair Bolsonaro, não ponho a cara no fogo por isso). Nessa notícia surreal, a única coisa reconhecível como grande tradição brasileira é o 171.

(A propósito, atenção: não confundam o Sheik das Criptomoedas com o Faraó dos Bitcoins. Eles atuam no mesmo ramo, mas são profissionais diferentes.)

Diante disso, não há como não lembrar Ronaldinho Gaúcho. Todos conhecem os rolês aleatórios do craque: uma hora, ele toca atabaque no encerramento da Copa na Rússia; na outra, está preso no Paraguai por usar passaporte falso num país em que brasileiros só precisam do RG para entrar; de repente, surge do nada em um convento católico na Tunísia. Pois a vida cotidiana no Bananão tem superado em muito a aleatoriedade dos rolês do Bruxo do Dibre — e não sei se há como sairmos desse looping entre dadaísmo e surrealismo. Minha derradeira esperança é Dadá Maravilha: se ele conseguia parar no ar, como helicóptero e beija-flor, quem sabe apareça com a solucionática para a nossa problemática.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Tucker Carlson, apresentador da Fox News que já discutiu a sério a teoria de que Joe Biden é um holograma, veio ao Brasil e entrevistou Jair Bolsonaro. Na entrevista, afirmou que o presidente brasileiro enfrenta uma coalizão de “bilionários, professores universitários e a CNN” — rede que, no Brasil, tem 0,03 ponto de audiência. Não deve nem ter passado perto da mente privilegiada do amigão de Glenn Greenwald jogar no Google coisas como “PT”, “Lula” ou “TV Globo”. Seria mais realista dizer ao público americano que Bolsonaro está enfrentando a temível aliança do Curupira com a Loira do Banheiro e o ET Bilu.

Twitter/Tucker CarlsonTwitter/Tucker CarlsonJair Bolsonaro com Tucker Carlson, o único índio com quem o presidente conversa

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