Fonte: Exército Brasileiro/FlickrMilitares brasileiros: se muitos querem servir, por que forçar quem não o deseja?

Uma vitória contra as imposições do Estado

Como o movimento Livres ajudou um jovem a fazer valer o seu imperativo de consciência contra a convocação para o serviço militar
01.07.22

Filho, se eu quiser que você sirva, você vai servir sim, e acabou.” Foram essas as palavras do comandante da Junta Militar para o jovem pacifista de apenas 19 anos do sertão do Ceará, associado do movimento Livres, que recorreu à Constituição para solicitar dispensa do serviço militar obrigatório. O artigo 143 da Carta é claro: em tempos de paz, todo indivíduo tem o direito de alegar “imperativo de consciência” para ser dispensado dessa obrigatoriedade. O indivíduo é inviolável e soberano em suas convicções políticas e filosóficas, cabendo ao Estado proteger o seu direito. No dia seguinte, contudo, o nome do jovem apareceu entre os 100 convocados da sua região para o serviço militar obrigatório. Era 22 de março de 2022.

O agora recruta procurou saber o motivo de lhe ter sido negada a dispensa. Ele havia apresentado os documentos exigidos pelo Exército daqueles que alegam imperativo de consciência. A resposta veio embasada no artigo 183 do Decreto-Lei 1.001, de 21 de outubro de 1969, que impõe a pena de impedimento (ou prisão em uma unidade militar), de três meses a um ano, para os insubmissos. O processo administrativo também rendeu constrangimentos ao jovem. Ele ouviu que “poderia estar sendo manipulado por alguma dessas organizações de esquerda”. Depois disso, com apoio do Livres, ele ingressou com um mandado de segurança contra as Forças Armadas, para recuperar sua autonomia. Longe de ser de esquerda, o Livres é um movimento com mais de 4 mil associados em todo Brasil, que desenvolve lideranças, participa do debate público e promove advocacy defendendo, por inteiro, o mais clássico liberalismo, aquele que não abre mão de promover a liberdade individual em todos os âmbitos, seja na economia, na política ou nos costumes.

Por três meses, sem qualquer justificativa plausível, o Estado brasileiro impediu que um jovem desse prosseguimento à sua vida normal, atrapalhando sua rotina de estudo e trabalho. Em 21 de junho, a 16ª Vara da Justiça Federal concedeu liminar determinando que o Exército anulasse o ato ilegal de incorporação e concedesse ao rapaz o Certificado de Dispensa do Serviço Alternativo, respeitando seu imperativo de consciência. Encerrou-se dessa maneira esse exemplo tardio da teoria do guarda da esquina, exposta pelo político Pedro Aleixo. Vice-presidente da República durante a gestão Costa e Silva, em plena ditadura, Aleixo foi o único dissidente na reunião que promulgou o AI-5. Na ocasião, quando lhe perguntaram se ele desconfiava do discernimento do general Costa e Silva no exercício daqueles poderes que o Ato Institucional estabelecia, ele respondeu que temia, na verdade, o efeito que teriam sobre o comportamento do guarda da esquina.

Seja no sertão do Ceará ou em nossas metrópoles, o comportamento do guarda da esquina afeta a vida dos milhões de brasileiros muito mais rapidamente do que a maioria das decisões judiciais. Neste caso em que um jovem convocado para o serviço militar e o Livres trabalharam juntos, é claro que devemos celebrar a correta decisão da Justiça Federal, ainda mais porque ela pode vir a se tornar um marco que ajude a mover o debate sobre a obrigatoriedade do alistamento.

A persistência dessa obrigatoriedade nos dias de hoje reflete uma profunda distorção na relação do Estado brasileiro com a sociedade. Em democracias liberais, o Estado existe para servir à sociedade, não o oposto. No Brasil, a cultura instalada ainda não reflete esse princípio básico. Sob o verniz dos discursos pomposos, reside a mais primitiva lei do mais forte. O que seria uma boa chave para desarmar essa armadilha e servir de guia na transformação dessa cultura política? Recorro ao liberal Milton Friedman: precisamos adotar a revolucionária postura de julgar as ações estatais não pelas intenções proclamadas, mas pelos resultados alcançados.

Voltando ao alistamento, pesquisa recente indica que quase 50% dos jovens desejam aderir ao serviço militar. Anualmente, menos de 10% dos alistados são efetivamente incorporados. Nesse cenário, o que poderia justificar convocar alguém que não deseja servir em detrimento dos tantos que desejam?

Um país livre não pode entregar os destinos de seus jovens aos caprichos do guarda da esquina. A obrigatoriedade do alistamento é uma distorção autoritária e obsoleta. Um ritual anual de violação de direitos humanos legalizado na porta de entrada da cidadania e da carreira militar, que precisa acabar. Afinal, qual tem sido o seu resultado?

Mano Ferreira é jornalista, cofundador e diretor do Livres.

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  1. É uma pena que o movimento Livres tenha apenas (no Brasil todo) menos de cinco mil associados. Tenho interesse em conhecer melhor esse movimento para passar aos meus filhos netos, amigos e conhecidos.

  2. Muito bom! Na minha opinião, o processo de alistamento militar deveria funcionar ao contrário do que é hoje. Ao invés de obrigar todos os jovens a participarem do processo de alistamento e depois dispensar alguns, deveria abrir o alistamento voluntário para que apenas os interessados compareçam... Isso evitaria horas de filas e de burocracia desnecessária!

    1. Todos os brasileiros têm a obrigação moral de defender o seu País! Para isso, o serviço militar é o caminho normal e natural para que esse jovem tenha a instrução militar necessária, provendo-o de conhecimentos condizentes à altura de defender sua Pátria! Pensemos nisso!

  3. IMPERATIVO DE CONSCIÊNCIA, excelente justificativa e alegação individual para não apenas deixar de cumprir o serviço militar (que não precisa ser obrigatório a meu ver),baseado no princípio da liberdade. ÓTIMO! Pelo mesmo princípio, NÃO QUERO VOTAR ESTE ANO, POR UM IMPERATIVO DE CONSCIÊNCIA.Ser obrigado a votar,prestar serviço militar, respeitar as leis, etc tudo pode ser negado?! Ou, só se deve atender cumprir a lei quando conveniente com vontade individual?! LIVRES,NÃO QUERO VOTAR,APOIE-ME!

  4. Outro ponto importante: caso alguém alegue que o dispositivo constitucional não está regulamentado, podem dizer que é mentira, está sim: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8239.htm

  5. Realmente, o as Forças Armadas têm o desagradável hábito de manobrar para negar aplicação ao dispositivo constitucional que garantem a objeção de consciência. O primeiro abuso costuma ser querer que a pessoa comprova filiação a determinado grupo ou movimento. Rigorosamente, já não pode, pois "objeção de consciência" é algo que está NA CONSCIÊNCIA e não no âmbito externo. De qualquer modo, muito válida a iniciativa

    1. Outro erro: costumam dizer que não estaria regulamentada a objeção de consciência. Mentira! Vejam a http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8239.htm! É uma lei ruim pela vaguidade e imprecisão, mas está em vigor e as autoridades estão obrigada a aplicar.

  6. Eu prestei serviço militar e até gostei. Entretanto havia um colega que não queria estar ali, mas o oficial ficou mostrando sua 'autoridade' em embates ideológicos até perto do final do curso, quando o rapaz foi desligado por incapacidade para o serviço militar. Cruel

  7. No meu caso, fui obrigado a servir, mesmo dizendo ao Sgt que eu estava no 2º ano da faculdade e que poderia me prejudicar. A resposta dele foi que não me dispensaria porque estava cansado de receber "nós cegos" no serviço militar. Isso quase me prejudicou, só não foi pior, porque era o Tiro de Guerra.

    1. Comigo aconteceu o mesmo! O serviço militar era uma doutrinação de direita! Somente isso!!

  8. Nações pacifistas são presas fáceis do totalitarismo e quem dominou o mundo foi pela força e pelo sangue .. não há necessidade de impor o serviço militar a alguém e há competição para fazê-lo visto como oportunidade ... qualquer cidadão tem direito à ideologia que quiser e isto deve ser respeitado MAS o mundo evoluiu e poucos percebem que as ideologias radicais morreram É a tecnologia não a ideologia e nos fará ETs dóceis aos interesses coletivos ... um novo PROZAC imbecilizará mais o mundo.

  9. O LIVRES bem que podia assumir a bandeira pelo voto facultativo. Voto obrigatório é o fim da picada! É antidemocrático. O que esperar do voto daquele que vota porque é obrigado? Os 'resultados alcançados' estão aí para todos verem!

    1. Excelente idéia. E, apesar de idoso, vou procurar me engajar no Livres.

    2. Estou com o Livres! Excelente sugestão, caro Fernandes. Esse é o eleitor que decide com o voto irresponsável pois imposto. Democracia? Vota em favor das pesquisas contaminadas pela manipulacao e pela ma’ fe’.

  10. Se 50% da rapaziada deseja servir ao Exército, que seja dada prioridade a esse pessoal. Basta inserir uma pergunta no ato do alistamento: deseja servir ou não?

  11. pela experiência que passei como recruta do exército em 1964, posso afirmar que o serviço/sentinela executado por dezenas de soldados, dezenas de câmeras de vigilância operadas por um único soldado em uma sala, faz melhor e com mais segurança.

  12. No Brasil o Estado se serve da sociedade. E o pior é que trata o cidadão como incapaz de resolver seus próprios problemas e tomar suas decisões. A sociedade serve para pagar as lagostas e vinhos premiados e os altos salários da cúpula da republica(?). Somos mesmo uma república democrática no sentido verdadeiro do termo? Ou só sustentamos a máquina?

    1. O Serviço Militar é muito mais antigo que o período dos governos militares.Sugiro que se informe ou estude.

  13. Ótima pauta, redação. São poucas as iniciativas que reconhecem o poder da lei sobre o discricionário do Estado. A confusão impera na bagunça institucional e imbróglio de crises em que estamos metidos. Temos enorme carência de estadistas e verdadeiros líderes.

  14. Todo este esforço para o serviço militar obrigatório. Será mais útil acabar com o voto obrigatório. Isso eu quero ver vocês conseguirem.

  15. MAIS UM DOIDIN QUE PERDEU A OPORTUNIDADE DE DAR SUA CONTRIBUIÇÃO AO PAÍS ONDE NASCEU! CABRA SAFADO E COVARDE! LIXO. O BRASIL TÁ CHEIO DESSES IMUNDOS!

  16. KKKKK parabens Livres, essa é uma medida que ja deveria ser tomada por muitos, forças armadas latinas é covil dos ditadores ,populistas ou protetor dos mesmos.

  17. Obrigada pelo discernimento do comentário esclarecedor e parabéns ao LIvres por levar adiante a defesa do jovem convocado contra a vontade dele. Parece até birra ( ! ) de quem não aceita ver seus desejos contrariados.

    1. Ou temos um país liberal, onde os princípios da vida, da liberdade e da propriedade são suas bases e onde TODAS as leis são promulgadas para a garantida destes princípios ou teremos uma ditadura das leis,dos seus criadores, executores e julgadores.O voto obrigatório, as pautas e cotas,a falta da garantia à vida aos famintos e pobres, a garantia da auto-defesa e da expressão individual, é um dever de um Estado que governa pessoas livres.Estamos longe disto e seremos tutelados pelo Estado com Lula

    1. Ninguém sabe, pois a Constituição é para ser usada pelos advogados e ministros do JUDICIÁRIO, não pelo POVO. Quem escreve uma lei com centenas de artigos, não defende princípios, mas os impõem e submete as pessoas a uma ameaça de ser punido por não cumprir a lei.

  18. Sendo o número dos que desejam aderir ao serviço militar muito maior do que o número dos incorporados, chamar os que não desejam, é meramente o mau e velho autoritarismo.

    1. Fernandes, acho que vc não é contra armas nas mãos dos cidadãos de bem. Certo?!

    2. Autoritarismo e falta de visão são o que mais abundam nas Forças Armadas. Que só têm força porque estão armadas.

  19. Poderíamos colocar em pauta também a obrigação de votar. Sermos obrigados a escolher entre aqueles que não escolhemos para se candidatar. Isso é imposição ao imperativo de consciência.

    1. Voto obrigatório é uma excrescência antidemocrática e só serve pra eleger corruptos e políticos populistas. Perguntem ao 'centrão' se querem acabar com o voto obrigatório!

    2. Na verdade obrigatório é o comparecimento ao local de votação. O voto pode ser nulo ou em branco. A coisa é mais ridícula ainda.

    3. Obrigado Maria. O debate principal é sobre as imposições do estado sobre o cidadão. A multa é sim irrisória Ney, mas o ponto central é a obrigatoriedade. O voto obrigatório só existe em 38 países, mas em apenas 17 desses há alguma punição a quem deixa de votar. Assim, o caráter compulsório é meramente formal.

    4. Ney, compreendo sua ideia, mas, se vota quem quer, porque multar? Se fosse como diz, não tinha que ter multa e nem a série de restrições previstas para quem não justifica não ter votado.

  20. Parabéns ao Movimento Livres, que fez valer o seu nome, liberando esse e muitos outros jovens que têm outros planos para suas vidas, e que sofrem essa agressão à sua liberdade de escolha, simplesmente cumprindo os mandamentos constitucionais.

    1. É bom conhecer este movimento. Pois muita liberdade foi cerceada pela alegação de defendê-la.A ver.

  21. O problema não é das Forças Armadas. É do parlamento. As Forças Armadas apenas lutam pelo que está na Lei e são obrigadas a fazer isso sob pena também de punição. Então os movimentos devem sim sair a busca dos parlamentares e apresentarem esta pauta. Hoje se o Exército quiser, pode recrutar apenas os voluntários, que são muitos. Não há mais necessidade alguma de obrigatoriedade. Que tal uma pesquisa com os senhores Deputados e Senadores?

    1. Acho que os mais interessados nisto deveriam ser as FFAA. Para que serve recrutas desinteressados na tropa se a oferta é maior que a procura? É falta de visão mesmo. Como ja disse outro assinante acima: Basta uma perguntinha na hora do alistamento.

    2. Figueiredo disputa com Floriano Peixoto, Sarney e Dilma o título de pior presidente da história do Brasil. Já o Ruy Barbosa disputa com a Zélia Cardoso o título de pior ministro da fazenda ou economia. Costa e Silva disputa com Dilma o título de mais ignorante. O Marechal Deodoro disputa com o Biden e Hebe Camargo o título de mais Gagá.

    3. PEDRO, CERTÍSSIMO SEU COMENTÁRIO. UM TREMENDO "CALA BOCA" NESSAS BANAQUICES DO MANO FERREIRA. ISSO É FOBIA CONTRA AS FORÇAS ARMADAS. NÃO PROFESSO COMPORTAMENTOS DE BOLSONARO, BRAGA NETO, AQUELE QUE FOI MIN.DA SAUDE DA PANDEMIA E OUTROS IDIOTAS. SOU DO CASTELO BRANCO, GEISEL, MEDICE, FIGUEIREDO, VILLAS BOAS, DUQUE DE CAXIAS E OUTROS DE IGUAL ESTATURA MORAL.

  22. São de ações assim que o Brasil precisa. Belo exemplo. Tudo dentro da legislação sem nenhum "acochambramento".

    1. Meu desagravo ao João.O Congresso tem que assumir seu papel e em nome do povo que representa, alterar a CF tornando-a uma carta de princípio e não uma coletânea de leis convenientes em 1988. Quanto ao tema do artigo, o serviço militar em tempos de paz deve ser voluntário e escolhidos os melhores.Alegar impeditivo de consciência é um jaboti na árvore que passou na CF. As forças do País precisam existir e estarem treinadas.Contemos com os melhores então.O Mano estaria é cooptando os jovens,será?

    2. João Pedro, grosso e desqualificado. Porque não te calas?

    3. Milton, deixe de ser besta. O Estado é o Parlamento. As FFAA apenas cumprem o qye lei estabelece. Vc e o babaca do Mano Ferreira estão mirando em alvo errado. Chamem na chincha os deputados e senadores.

  23. Passei pela obrigatoriedade de ingressar no exército, sendo dispensado uma semana depois. Mas não sem antes passar pelo calvário de comparecer inúmeras vezes, na maioria para ficar num páteo ouvindo besteiras de soldados de diversas patentes. Vc sente o prazer no rosto de um oficial a lhe dizer que terá que servir, mesmo alegando ter outros planos e justificando suas razões.

    1. NÃO SOU OBRIGADA A TOMAR VACINA EXPERIMENTAL VIVA O MOVIMENTO LIVRE QUE ESTÁ MORRENDO

    2. MOVIMENTO LIVRE MUITO BOM NÃO DOU OBRIGADA A NE VACINAR

    3. Mesmo estando incluido no excesso de contingente, fui obrigado a ficar três meses trabalhando no quartel, fazendo todo tipo de trabalho braçal: desmatamento, pintura, carregar pedras e todo tipo de lixo. Ouvindo ameaças de todo tipo, caso não fizesse o trabalho. tinha que ir todo dia (meio expediente), sem direito a alimentação nem dinheiro para o transporte. Trabalho análogo à escravidão.

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