RuyGoiaba

Quero meu diploma de pós-graduado em Bananão

08.07.22

Dificilmente terei poder de decisão sobre o assunto, mas o negócio é o seguinte: na próxima encarnação, quero nascer filho de publicitário rico. Nada contra a profissão: tenho até gente na família que é, embora não exerça. Mas estou para ver um pessoal mais comicamente inconsciente dos seus privilégios e do tamanho do próprio ego — que em certos casos, assim como a Muralha da China, deve ser visível da Lua. Lembro de Nizan Guanaes, aquele que teve a sacada genial do Dia da Boa Notícia quando comandava o iG (o dia escolhido foi 11 de setembro de 2001), escrevendo em 2018 sobre a morte de Júlio Ribeiro, o fundador da agência Talent: um parágrafo sobre o publicitário falecido e todos os outros explicando por que ele, Nizan, era do balacobaco.

Nesta semana tivemos, perdoem o pleonasmo, mais um exemplo exemplar do mundo em que vivem os publicitários topzêra do Bananão: Washington Olivetto teve as manhas de publicar uma redação de “minhas férias” — no caso, narrada em terceira pessoa, porque eram as férias do filho — em sua coluna n’O Globo. O ex-bambambã da W/Brasil, que hoje mora em Londres, conta que programou para o filho e seus amigos gringos, todos recém-aprovados em universidades, um roteiro pelo Rio de Janeiro, com o objetivo declarado de “desfazer (…) um pouco da péssima imagem que o Brasil vem construindo no exterior nos últimos anos”.

O texto segue relatando as peripécias dos garotos num estilo que um amigo, muito adequadamente, chamou de “Instagram narrado”, com programas 100% acessíveis a quem tem aquele cartão de crédito diamond platinum plus que é ser filho de Washington Olivetto: jantar no Margutta (na companhia de Jorge Ben Jor), no Satyricon e no restaurante de Roberta Sudbrack (“com direito a papo” com a chef), almoço com Lulu Santos e marido no Nido e — sinal inequívoco dos ungidos pelos deuses da zona sul do Rio — convite de Paula Lavigne para festa em homenagem a Caetano Veloso. No meio disso, feijoada na Portela e samba no Beco do Rato, para dar aquele sabor de Brasil (ou de programa da Regina Casé) à coisa toda. A coluna inclui uma menção à babá do filho como “parte da família”, embora eu ache pouco provável que ela conste do testamento do W.

Numa prova de que seu talento de publicitário responsável por campanhas memoráveis continua o mesmo, Olivetto fecha o texto com chave de ouro: seu filho diz “ainda nem começamos a faculdade e já fizemos uma pós-graduação de vida”. Longe de mim desejar mal a quem quer que seja, mas creio que faltou um montão de créditos nessa “pós-graduação de vida”, ainda mais vida no Rio (o que eu chamaria de Ridjanêro Experience): ser assaltado, estar no caminho de um arrastão na praia, ser maltratado pelos garçons, desviar de bala perdida, ficar com o carro preso na enchente como naquele clássico vídeo do “carioca puto”. E essas são as disciplinas disponíveis da classe média para cima: nem falo das obrigatórias para quem teve a má sorte de cursar a “universidade da vida” nas favelas. Até “trabalhar”, pelo visto, ficou de fora do currículo da pós do W Júnior.

Nem venha o senhor João Moreira Salles com aquele papinho “nós, que somos classe média” — juro, o cara está na lista de bilionários da Forbes e meteu essa em entrevista ao Pedro Bial. O ressentimento de classe é meu, ninguém tasca e eu quero mais é que os ricos brasileiros continuem sendo, na vida real, aquele meme da Carolina Ferraz gritando “eu sou RYCAH”. Na impossibilidade de fazer uma cirurgia de redesignação de classe social, só o que me interessa é saber quando vou receber meu diploma de ph.D. em Bananão, por merecimento. O diploma de otário que o país revalida todo dia está na minha parede faz tempo.

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A GOIABICE DA SEMANA

Meus amigos, toda vez que vocês acordarem de bom humor e se virem tomados de uma inexplicável e injustificada fé na humanidade, pensem no site da companhia aérea brasileira que teve de escrever “só ida ou volta” porque, com “só ida”, os ilustres passageiros não conseguiam descobrir onde comprar as passagens de volta. Pense também que esse pessoal vota. O brasileiro, já dizia Ivan Lessa, continua sendo um povo com os pés no chão — e as mãos também.

ReproduçãoReproduçãoPrint do site da Gol, para vocês também admirarem a astúcia dos brasileiros

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