ReproduçãoBeyoncé com boné do candidato Beto O'Rourke: má influência

Até que ponto artistas podem atrair votos

Pesquisas indicam que não é certo o efeito positivo do apoio de uma celebridade e que alguns artistas podem até afugentar os eleitores
22.07.22

Embora o senso comum entenda que todo apoio é positivo, ainda mais de pessoas famosas, as pesquisas feitas sobre esse assunto mostram que políticos precisam tomar cuidado ao se aproximar do mundo do espetáculo. Em vez de atrair votos, celebridades podem ter o efeito contrário.

Neste ano, além de Anitta, já declararam apoio a Lula cantores como Ludmilla, Luísa Sonza, Emicida e Pabllo Vittar, além dos atores Bruno Gagliasso e Camila Pitanga. O cantor Caetano Veloso declarou apoio duplo: a Lula e a Ciro Gomes. Bolsonaro também tem tido sucesso em recrutar artistas, principalmente no mundo sertanejo, como Gusttavo Lima, Zé Neto, Amado Batista, Sérgio Reis e Zezé di Camargo. O ato de lançamento oficial de sua campanha neste domingo, 24, terá a dupla Mateus e Cristiano, que cantará o hino da campanha “Capitão do Povo”, composto por ambos. A julgar pelo que ocorreu nas eleições anteriores, um número ainda maior de artistas deverá se manifestar nas semanas mais próximas da eleição.

O impacto que eles podem ter nas urnas, contudo, é incerto. Uma pesquisa feita com eleitores do estado americano de Ohio, em 2016, perguntou a 804 pessoas se a declaração de apoio de algumas celebridades a um político hipotético aumentaria a rejeição a ele. Surpreendentemente, a cantora Beyoncé foi apontada como a que mais espantaria eleitores. Dois anos depois da divulgação do estudo de Ohio, Beyoncé pediu votos para o democrata Beto O’Rourke para a vaga do Texas, seu estado, no Senado. No Instagram, uma das fotos teve 3,2 milhão de curtidas, dez vezes mais que o post de Anitta com a estrela do PT no Twitter. Mas O’Rourke acabou perdendo para o republicano Ted Cruz. “Para que uma celebridade possa atrair votos, é preciso que o público a perceba como alguém com credibilidade para se posicionar sobre os assuntos de que fala”, diz David James Jackson, o pesquisador da Bowling Green State University que realizou o estudo em Ohio.

Para que Anitta possa, então, dar alguma contribuição para a campanha de Lula, seria necessário que ela fosse vista como alguém com autoridade para falar de alguns temas da campanha. A cantora é conhecida principalmente pela sua defesa da igualdade de gêneros e da comunidade LGBT. Os temas, no entanto, não terão proeminência na campanha petista, pelo risco de afastarem eleitores mais conservadores em temas comportamentais que estão dispostos a votar em Lula nestas eleições.

A cantora também já se declarou favorável ao aborto e à liberação das drogas. “Eu sou super a favor da legalização das drogas e da maconha para que as pessoas possam ter empresas legalizadas que pagam impostos e que geram empregos. Fazendo a maconha e gerando empregos e acabando com essa guerra que só quem ganha são os ricos lá, as milícias, os fulanos, os beltranos, e só quem morre é o pobre. (…) A mulher quer abortar? Aborta. (…) Cada um que faça o que quiser da sua vida. (…) Será que o Lula apoia isso? Apoia isso, Lula. Pô, tô te dando o maior apoião”, disse ela, numa transmissão pelo Youtube. Com uma playlist dessas, é de se imaginar que os petistas tenham de sacolejar muito para não perder eleitores. Oito em cada dez brasileiros são contra o aborto e 70% são contra a liberação das drogas. “Quando Anitta apoiou o Lula, num primeiro momento, ela ajudou. Mas quando falou da liberação das drogas, é claro que atrapalhou”, diz Murilo Hidalgo, diretor do Paraná Pesquisas.

Anitta ainda fez um desfavor aos petistas ao lembrar da rejeição ao partido e do passado de seu líder no cárcere por corrupção. “Atenção candidatos do PT, atenção partido PT. Eu NÃO SOU uma apoiadora do PT e NÃO SOU petista”, disse ela, que desautorizou o uso de sua imagem por candidatos do partido. “E para os soldadinhos do Voldemort (Bolsonaro) que vieram falar ‘vai lá defender ex-presidiário’. Pois é ex-presidiário? Então, sim, porque ex-presidiário também é gente e uma das minhas crenças políticas é que o sistema carcerário brasileiro dê oportunidades aos presos de aprenderem coisas novas.” Sim, ela disse isso.

Bolsonaro não tem tido esse tipo de questão com os artistas que penderam para o seu lado. Seu grupo de apoiadores famosos, composto basicamente por cantores sertanejos, é mais homogêneo e passou a sentir mais liberdade para expressar opiniões políticas durante o mandato do presidente. Todos apoiam a pauta bolsonarista, sem ressalvas. Defendem os valores conservadores, o porte de armas e o agronegócio. São contra o aborto e desconfiam da urna eletrônica. O cantor Gusttavo Lima, por exemplo, já publicou fotos disparando com um fuzil. “Hoje em dia no Brasil só anda desarmado o cidadão de bem. Revogação do Estatuto do Desarmamento já… Nossas famílias e nossas casas protegidas“, escreveu ele. Este mês, Zezé di Camargo gravou um vídeo repercutindo os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e pedindo o voto auditável: “Apenas uma meia dúzia de pessoas vai conferir se a máquina realmente computou seu voto como você desejava. É muito estranho isso, as pessoas não quererem isso“. Por serem tão identificados com Jair Bolsonaro, é improvável que eles arregimentem diretamente novos eleitores. Eles seriam capazes apenas de tornar os eleitores da base bolsonarista mais animados.

A área em que a Anitta mais poderia colaborar com Lula é na formulação de sua estratégia digital. Ela já se ofereceu a dar uma espécie de consultoria para a campanha. “Quem quiser minha ajuda para fazer ele bombar aqui na internet, Tik Tok, Twitter, Instagram é só me pedir que estando ao meu alcance e não sendo contra lei eleitoral eu farei”. Falando com jornalistas em Portugal, a cantora declarou que conversou com o candidato petista e que estaria disposta a auxiliá-lo em uma estratégia “que funcione para virar“. Ela também disse a ele que “não dá para ser querido por todos“. Que, neste momento, tratava-se de “abrir os olhos das pessoas de que a única opção no momento é essa. Que queria que fosse diferente, mas não dá para ser”. Lula parece ter captado a mensagem de que “não dá para ser querido por todos”. Ao responder à postagem de Anitta sobre ela não ser petista e não autorizar o uso da sua imagem nas campanhas de candidatos do partido, ele disse: “De fato você só declarou apoio por mim e sei que não é petista. O PT tem milhões de militantes, simpatizantes e também tem gente que não gosta do partido mas, mesmo assim, está conosco nessa caminhada, porque precisamos que o Brasil volte a ter democracia e paz”.

A habilidade da cantora com o mundo digital é bem conhecida e foi um dos motivos que levaram o banco Nubank a incluí-la no seu conselho de administração, há um ano. À época, a nota oficial do banco destacava sua “experiência em estratégias de marketing vencedoras”. Em dezembro do ano passado, o banco digital estreou na Bolsa de Nova York. Desde então, as suas ações despencaram 63%. Pode-se dizer, claro, que Anitta não tem nada a ver com isso, embora tenha sido dela a ideia de dar a clientes do banco digital BDRs, os papéis que equivalem, por aqui, às ações negociadas nos Estados Unidos. Ou que a mágica de marketing da cantora ainda não começou a fazer o efeito necessário para mitigar a estreia ruim do Nubank na Bolsa de Nova York. Na campanha petista, as coisas também andam devagar. Tanto que a artista já criticou a lentidão dos seus novos parceiros. “Vou dar uma de anitter pra cima do Lula para ver se ele aguenta o rojão: ‘Ai, papi, cadê os vídeos no Tik Tok reagindo aos luliters (gente que ataca o Lula), a gente sente falta de engajar eu em tá aí sem fazer nada preguiçoso abandonou a carreira (sic)”, escreveu ela.

Há quem veja vantagem em Anitta declarar-se não petista: ela poderia ajudar a ganhar o coração de quem não liga muito para política. “Quando ela diz que não é petista, Anitta tem mais chances de atrair pessoas que não estão engajadas na política. Uma pessoa muito fã da Anitta poderia pensar na possibilidade de votar nele, olhando para Lula com menos ódio e ojeriza“, diz o diretor-adjunto da consultoria digital Bites, André Eler. “Mas é muito difícil dizer que isso renda votos, porque o eleitor pensa por si próprio. É por esse motivo que políticos têm dificuldade para transferir votos. Com artistas, isso é ainda mais improvável.

Ao longo da semana, Bolsonaro e seus aliados não perderam tempo e se aproveitaram das declarações de Anitta, repercutindo várias de suas falas polêmicas. Em uma entrevista, o presidente disse que levaria a Lula a proposta dela de legalização da maconha. O tom de brincadeira não esconde o cálculo de que a defesa dessas pautas pode ajudar a afugentar eleitores da possibilidade de votar no petista.

Um levantamento do grupo Democracia em Xeque, formado por pesquisadores da PUC do Rio, da UFF e da UFPR, mostrou que a repercussão de vídeos divulgados por diversas contas sobre o apoio de Anitta a Lula beneficiaram muito mais Bolsonaro que o petista. Nessas publicações, o presidente teve 7,2 milhões de visualizações no TikTok, enquanto Lula teve apenas 292 mil. Bolsonaro também teve doze vezes mais curtidas que Lula, quinze vezes mais compartilhamentos e sete vezes mais comentários. Isso pode ser fruto do maior engajamento bolsonarista nas redes sociais, mas, ainda assim, os números mostram que Anitta e demais artistas que declararam voto no petista têm de suar muito as camisas (e os collants) para ajudar o seu candidato.

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