MarioSabino

A Pax Petista

29.07.22

Já que não adianta nada indignar-se, só me resta rir de algumas assinaturas que abrilhantam o manifesto pela democracia divulgado nesta semana — e que contará com seu lançamento formal na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em simbolismo que tentará aproximar o acontecimento da luta contra a ditadura militar. Há petistas (e neolulistas) ali que ainda querem calar o bico deste senhor aqui — e de todos os jornalistas que ousam discordar de que Lula não tem natureza divina. Há petistas ali que ainda sonham com um stalinismo tropical, porque a democracia seria valor estratégico, não universal. Há petistas ali que acham que uma eventual vitória nas eleições de outubro são atestado de idoneidade para o partido e o seu chefão — o que lhes abrirá caminho para voltarem a fazer a única coisa que sabem.

É hora, no entanto, de “superar diferenças” contra um inimigo comum, Jair Bolsonaro, dizem os autores do manifesto, como se estivéssemos sob a urgência de uma Itália prestes a sucumbir ao fascismo. Curioso, porque Jair Bolsonaro, apesar da sua personalidade monstruosa e das suas tentativas de solapar as instituições, foi muito bem contido pela democracia brasileira. Eu diria até que a reação da democracia brasileira foi tamanha, em especial no âmbito do Judiciário, que corre o risco de ter criado uma doença autoimune. A jurisprudência que está se construindo para conter o que seriam excessos no exercício da liberdade de expressão é o sonho materializado da companheirada, para a qual a imprensa está aí apenas para lhe servir voluntariamente ou a bom preço.

Quem não consegue “superar diferenças” só pode ser fascista, e o epíteto nunca teve uso tão livre quanto hoje. É fascista quem não acredita na conversão à democracia do partido que comprava votos no Congresso com dinheiro público roubado e que fabricava dossiês falsos contra adversários. É fascista quem não esquece que esse mesmo partido assaltou a Petrobras, em conluio com a grande empreita, para financiar campanhas eleitorais e perpetuar-se no poder. É fascista quem ainda se lembra como tal partido também tentou asfixiar economicamente veículos de imprensa que ousaram denunciar as imundícies que ocorriam quando ele estava no Palácio do Planalto. É fascista quem, como em 2018, tapará o nariz para votar em Jair Bolsonaro, por ainda considerá-lo mal menor. É fascista quem não admite a volta de uma quadrilha ao poder, tem asco intransponível do atual presidente e irá abster-se de votar ou votar nulo.

A Pax Petista não admite dissensões e está sendo vendida ingenuamente por cidadãos de bem que “superaram as diferenças” e se irmanaram com os espertalhões que assinam o manifesto. Eles caíram no conto do vigário da frente democrática liderada por Lula, cuja apoteose simbólico-farsesca deverá ser um comício no Vale do Anhangabaú, palco da maior manifestação popular pelas eleições diretas, em 1984. A roubalheira do PT resultou em Jair Bolsonaro; a alopragem de Jair Bolsonaro resultará em mais Lula, agora em versão de defensor das liberdades, de promotor da harmonia nacional, de pacificador do “nós contra eles“, conflito criado por ele e pelo seu próprio partido, fato a ser convenientemente esquecido, porque, afinal de contas, vivemos o momento de “superação das diferenças“. E arruaças de bolsonaristas em caso de derrota do seu chefão serão bem-vindas, para que não haja dúvidas sobre a necessidade da Pax Petista.

Riamos, esperando que não haja mortos úteis, apenas o pão e circo habituais.

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