Divulgação"Existem fortes indícios de uma simbiose entre os movimentos de esquerda radical na América Latina e o crime organizado"

‘A população está subjugada pelo tráfico de drogas’

O especialista em segurança pública Roberto Motta diz que políticos atrapalham a ação da polícia e que o Brasil ficaria mais seguro sem a progressão de regime dos presos
29.07.22

Formado em engenharia, Roberto Motta, de 60 anos, passou a se dedicar ao tema da segurança pública em 2003, quando trabalhou em uma multinacional americana, a Science Applications International Corporation, nas áreas de segurança, inteligência e tecnologia. Nessa função, peregrinou por várias secretarias de segurança, começando pela do Rio de Janeiro. Com um currículo de quase cinco anos como consultor do Banco Mundial, em Washington, Motta se indignava com a rotina dos brasileiros, sempre com medo de serem vítimas de crimes violentos.

Mais tarde, Motta abriu uma empresa de tecnologia de segurança e, em 2009, participou da criação do Partido Novo, com João Amoêdo. Seu envolvimento com a política e a segurança seguiu crescendo até que, em 2018, ele coordenou a transição da segurança pública do Rio de Janeiro, que então se encontrava sob intervenção federal. “Se o brasileiro médio — aquele que ainda se informa pelo noticiário da TV — soubesse o que os policiais sabem, talvez não tivesse coragem de sair de casa”, escreve ele, em seu livro A Construção da Maldade: Como Ocorreu a Destruição da Segurança Pública Brasileira, recém-publicado pela Avis Rara. Segue a entrevista.

 

Dezoito pessoas morreram em uma operação conjunta da Polícia Civil e da Polícia Militar, na quinta-feira, 21, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Houve uso excessivo da força por parte dos policiais?
Para responder a essa sua pergunta com propriedade, eu precisaria fazer uma investigação. Mas eu não conheço os detalhes da operação. O que eu tenho, isso sim, é acesso às pessoas que a conduziram. Pelo que elas me disseram, não houve excesso algum. O que está acontecendo é o resultado de um processo de décadas, que se tornou mais agudo a partir de junho de 2020, quando o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão das operações policiais no Rio de Janeiro. A cidade sempre padeceu com o fenômeno do domínio territorial por narcotraficantes, mas o poder deles ultrapassou qualquer limite a partir da segunda metade de 2020.

Essa suspensão das operações ocorreu por causa da pandemia de Covid, correto?
Isso começou quando uma deputada estadual do PSOL, pediu a suspensão das operações, dizendo que elas estavam prejudicando o combate à pandemia. Obviamente, uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas a reivindicação dessa deputada foi abraçada pelo PSB. Juntamente com a Defensoria Pública, eles entraram com um pedido no STF. A afirmação de que o trabalho policial atrapalha o controle da pandemia escapa à lógica. Na verdade, as favelas cariocas foram ilhas de insanidade e pontos de rebelião contra as medidas sanitárias. Ninguém usou máscara. Todos os comércios continuaram abertos. Aconteceram bailes funks com milhares de pessoas aglomeradas. Essa fantasia de que existiria algum esforço de combate à Covid que seria perturbado pelos policiais é um insulto à inteligência de qualquer cidadão carioca minimamente bem-informado.

DivulgaçãoDivulgação“O principal fator ao qual eu atribuo a diminuição dos homicídios é a mudança do discurso oficial”
Como a população das favelas vê essa suspensão das ações policiais?
A população está subjugada pelo tráfico de drogas. Seus moradores vivem debaixo de um sistema fascista, totalitário: o regime dos traficantes. É uma vida de horror, de submissão. Significa ter de ceder a filha bonita para um namorado traficante, para evitar que a família dela não seja assassinada. Há alguns dias, circulou um vídeo do espancamento até a morte de uma menina de 13 ou 14 anos, que estava amarrada. Ela foi punida por causa de alguma falta que teria cometido contra o tráfico de drogas. Essa é a realidade das favelas. Qualquer coisa diferente disso é fantasia produzida pelo departamento de marketing do narcotráfico, que tem acesso, pelo volume de dinheiro, a excelentes escritórios de advocacia, à nata da imprensa nacional e à classe artística, que age como relações públicas.

Por que ainda é tão difícil para a polícia entrar nesses bairros?
As favelas foram crescendo como um território sem lei e sem Estado, onde nem os serviços urbanos mais básicos existem. A parte alta do Morro Dona Marta é como uma região remota da África. Não há água encanada, esgoto, gás. Os barracos nem móveis têm e as pessoas dormem no chão. Quando o narcotráfico se instalou nessas áreas, tornou-se o Estado. Atualmente, o governo não consegue alcançar essas pessoas porque há uma resistência de um grande número de políticos, que demonizam a ação do braço do Estado que é a polícia. Eles falam que a polícia mata, que é assassina, até que conseguem suspender suas ações. Ao mesmo tempo, há uma glamorização dos traficantes, que são vistos como vítimas. Então, qualquer pessoa que levante a voz para defender a polícia e o combate ao narcotráfico é fortemente atacada.

O Brasil registrou 47 mil homicídios no ano passado. Foi a menor taxa em uma década. Como o sr. explica essa queda?
Isso ainda merece mais estudos. Quando se fala em homicídios, juntam-se vários crimes no mesmo saco. Há o homicídio do criminoso que mata uma vítima durante um assalto, o bandido que atira em outro numa disputa por ponto de droga, a briga de bar, a violência doméstica. Para entender as causas da queda é preciso fazer um estudo detalhado disso, algo que não acontece no Brasil, com raras exceções. O principal fator ao qual eu atribuo a diminuição dos homicídios é a mudança do discurso oficial do Brasil em relação ao crime, que começou a mudar um pouco antes de o presidente Jair Bolsonaro chegar ao poder, com a intervenção federal no Rio de Janeiro, em março de 2018. Sem qualquer mudança estrutural na área de segurança pública, os homicídios caíram 24% no primeiro trimestre de 2019, na comparação com o primeiro trimestre do ano anterior. Foi uma queda fantástica. Esses números continuam caindo, a ponto de um país que já teve 65 mil homicídios em 2017 ter registrado 47 mil homicídios em 2021. Meu palpite é que isso ocorreu com uma mudança no discurso oficial. Até Bolsonaro assumir, o discurso do governo federal era o de que o criminoso é um pobre coitado que não teve oportunidades na vida.

O criminoso é um pobre coitado que não teve oportunidades na vida?
Não. O criminoso é um ator racional, que fez uma escolha ao cometer um crime. Prova disso é que a maioria deles tem irmãos, que foram criados nas mesmas condições, mas que optaram por uma vida ordeira. Um estudo do economista Pery Shikida com presos do Paraná mostrou que entre as motivações do crime estão a influência de amigos, a cobiça e o vício. Ninguém rouba para comer. Mas o dado mais interessante encontrado por Shikida é que 50% dos criminosos tinham imóveis registrados em seus nomes no momento do crime. Ora, nenhum pobre coitado que não teve oportunidades na vida tem um imóvel.

Arquivo pessoalArquivo pessoal“Nenhum pobre coitado que não teve oportunidades na vida tem um imóvel”
O que se sabe da relação entre política e tráfico?
Eu sei do envolvimento do regime venezuelano com o tráfico de drogas. Em 2020, o FBI ofereceu recompensas de milhões de dólares por informações que levassem à prisão de vários membros da ditadura. A Bolívia já foi governada pelo presidente do sindicato dos cocaleiros, Evo Morales. Enfim, existem fortes indícios de uma simbiose entre os movimentos de esquerda radical na América Latina e o crime organizado. Não espantaria ninguém constatar que essas ligações chegaram ao Brasil. Se você olhar a atuação dos parlamentares de esquerda e de extrema-esquerda, verá que eles têm feito uma defesa consistente dos direitos dos criminosos, para dar benefícios a eles e obter o abolicionismo penal, que seria o fim das prisões. Esses parlamentares, ao lado de uma constelação de ONGs e de entidades ligadas à advocacia criminal, exercem um lobby ferrenho para barrar qualquer projeto de endurecimento da legislação penal.

Semana passada foi notícia o caso de um membro do PCC, que comprou uma arma com um registro de CAC, para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores. Quem errou nessa história?
Isso é algo que me causa espanto, porque para conseguir uma licença dessa é preciso passar por um processo muito difícil e complexo. O candidato tem de ter emprego fixo, residência fixa. Mas, no Brasil, tudo acontece, tudo é possível. Mesmo assim, ainda acho que esse é um caso irrelevante, que não faz diferença. Mais relevante é o caso do cidadão com CAC que frustrou um assalto a um restaurante em São Paulo, um exemplo perfeito do que pode fazer um cidadão armado e treinado.

Esta semana, foram revelados mais três casos, em três estados diferentes, de laranjas que compraram armas para membros do PCC. Por terem o CAC, eles estariam adquirindo as armas a um preço 65% mais baixo que o do contrabando. Não seria o caso de melhorar a investigação sobre quem pretende comprar armas?
Duvido que eles agora vão adotar uma estratégia de usar laranjas para comprar armas legalizadas, quando podem recorrer ao contrabando, que sempre forneceu armas a eles. O número de armas legais apreendidas é totalmente insignificante.

Se o sr. pudesse mudar alguma coisa na legislação brasileira para melhorar a segurança pública, o que faria?
Acabaria com a progressão de regime dos presos. Se o sujeito for condenado a dez anos, então que ele cumpra dez anos atrás das grades. Essa medida, de um dia para o outro, mudaria nossas vidas. Mais de 80% dos bandidos que estão andando neste minuto pelo Brasil em busca de uma vítima já foram presos e não cumpriram sua sentença até o fim. Eles receberam o benefício da progressão de regime e voltaram para as ruas. Se a progressão de regime for abolida, eles saberão que terão de cumprir a pena até o fim, o que os fará pensar muito antes de cometer um crime. Além disso, enquanto estiverem nas prisões, eles não irão matar, estuprar ou sequestrar. É assim que as democracias ocidentais funcionam. A exceção é o Brasil. No Rio Grande do Sul, há até casos de juízes que permitiram que homicidas começassem a cumprir a pena em regime aberto.

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