RuyGoiaba

Os novos dubaianos

29.07.22

Eu me lembro da primeira vez em que percebi, com absoluta clareza, que dinheiro não comprava bom gosto: estava no começo da adolescência e vi, não sei exatamente onde, um desses programas de auditório da RAI, a TV pública italiana. Garotinho inocente, garotinho juvenil, confesso que me espantei com o quanto a coisa toda era parecida com o programa de Silvio Santos — na verdade era o contrário, é óbvio. Era o país de Florença, de Veneza, das esculturas de Bernini na Galleria Borghese (que eu viria a conhecer bem depois), muito mais rico que meu Brasil brasileiro. Mas essa riqueza não impedia os programas de TV italianos de serem cafonas: muitíssimo pelo contrário, era uma cafonice potencializada, opulenta, com mais recursos. Não aquela coisa mambembe de SBT, Silvio, turma do Chaves ou Cazalbé gargalhando no banco da Praça É Nossa.

Não preciso nem dizer que, nas décadas seguintes, o próprio Bananão foi generoso em me apresentar exemplos de gente rica e brega, da Barra da Tijuca à “mansão” de Gusttavo Lima, o cantor sertanejo que achou ótima ideia torrar uma grana preta para morar numa casa parecida com uma loja da Havan. Vocês conhecem o tipo: são os dubaianos brasileiros, aquela espécie cujo habitat natural é a capa da revista Caras. Imagino essa turma fazendo sua peregrinação ao Burj Khalifa com o mesmo fervor de um fiel muçulmano visitando a Caaba — o que faz todo o sentido, já que Dubai é a Meca dessa cafonice ostentatória.

O fenômeno é antigo e obviamente não se restringe à direita, mas tenho para mim que o governo de Jair Bolsonaro é o paraíso dos dubaianos, por mais que o presidente se empenhe em se mostrar como “povão”. A estética do bolsonarismo — as supracitadas Barra da Tijuca e loja da Havan, motociata, arminha, fã-clube de Trump coexistindo com aquela imagem do olho patriota (verde-amarelo) chorando no perfil do Facebook — é, toda ela, coisa de dubaiano. Aliás, arrisco dizer que a figura de Donald Trump é a própria quintessência da dubaianidade.

Acredito que o mais recente exemplo desse fenômeno que estou tentando descrever foi o lançamento das moedas comemorativas do bicentenário da Independência pelo Banco Central, nesta terça (26). São peças de cuproníquel e de prata, de R$ 2 e R$ 5, e se destinam a colecionadores, não à circulação geral: a de prata deve ser vendida por 84 vezes o seu valor de face (ou seja, R$ 420).

A Agência Brasil escreve que a versão em cuproníquel “é a primeira moeda da história do Brasil com detalhes coloridos em um dos lados” (uma faixa verde-amarela no anverso), como se isso fosse bom: sabemos que quem gosta de coisa coloridinha é gente brega. Mas o pior de tudo foi incluir a primeira estrofe do Hino da Independência, o clássico “japonês tem cinco filhos”, naquela fonte atroz que é a Comic Sans — e em itálico! Havia inúmeras fontes mais bonitas, mas, como não poderia deixar de ser, o governo optou pela mais parecida com a do toldo sujo de alguma papelaria desabastecida em Osasco. Só faltou acrescentar “o quinto nasceu sem pinto”, verso final da paródia do hino que os moleques cantavam na época da minha quinta série; combinaria à perfeição com o design.

Meus amigos, não há escapatória estética: a julgar pelo andar da carruagem das pesquisas, em breve o estilo dos novos dubaianos dará lugar ao retorno triunfal da estética Bacurau. Não vou nem dizer com o que é que isso rima, porque esta Crusoé é uma revista de família. De minha parte, quero continuar evitando contato visual com o Brasil — coisa difícil, admito, para quem vive cercado de Bananão por todos os lados. Quem sabe passar o dia assistindo à RAI ajude.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Jair Bolsonaro, de novo, merece menção honrosa pela tradução de “cabo eleitoral” como “electoral cable” num tuíte em que respondia a Leonardo DiCaprio: sempre fico feliz quando vejo o método Falcão de ensino de inglês (“I’m Not Dog, No”) fazendo sucesso. Mas o troféu da semana vai para a organização do concurso Miss Bumbum Brasil, que convidou o casal Lula & Janja para o júri da finalíssima argumentando que “competição de bumbum também é política”. Espero que o Casal 20 do petismo aceite o convite, até porque a política brasileira é meio parecida com um bumbum mesmo: você já sabe bem o que vai sair.

Ricardo Stuckert/Lula Oficial/FlickrRicardo Stuckert/Lula Oficial/FlickrLula e Janja têm sido convidados para eventos ainda mais pitorescos que a eleição

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  1. Como poderia dizer um acadêmico ancestral (talvez com fartos bigodes...l), ri a bandeiras desprezadas, vossa senhoria é deveras pândego e galhofeiro (ou, seria melhor, jocoso?)...

    1. Ops! Na realidade eu quis dizer "bandeiras despregadas", de modo a combinar com a finalidade extrema do bumbum, mas o corretor (esse ignóbil) não deixou...

  2. Fantastica a precisão com que descreveu a moeda comemorativa fiquei com vontade compra uma. Lula e Janja de juri em concurso de Bumbum Vai ser melhor do que ver Maduro e Cilia Flores na dança dos famosos.

  3. Não são só os italianos que produzem programas de estética duvidável. A Europa toda e UK produzem porca.rias iguais. A cafonice impera, e nessas alturas do campeonato sou mais a arquitetura de Dubai. Questiono a funcionalidade e o valor gasto em cada obra. Mas acho bonitas. Agora, quando começam a revestir de ouro até a tampa dos vasos sanitários, aquela estética vai para o ralo.

  4. Ruy Goiaba, leitura obrigatória pra começar o dia dando boas risadas. Pq chorar de raiva com tudo que se passar ja é habitual.

  5. Rir pra não chorar! Não dá nem pra ficar feliz que daqui a poucos meses essa estética vai desaparecer, se vai resultar no retorno da estética bacurau. Que maldade mos lembrar disso!

    1. Japonês tem 5 filhos E são todos orientais O primeiro é maconheiro O segundo é vagabundo O terceiro é maloqueiro O quarto nasceu de salto E o quinto nasceu sem pinto  

  6. Coluna perfeita! Nem sabia dessa tal moeda, mas qualquer designer (ou não) sabe que Comic Sans é a pior fonte de todas, cafoneeeérrimo, como diria Lobão.

  7. Segundo o dono desta Revista Lula já está eleito. Podemos parar de le-la. Que Deus nos ilumine a todos e abraços fraternos em agnósticos e ateus! Namastê!

  8. E põe brega nisso...que nem a nova moda das mulheres com unhas postiças gigantes..cada uma pintada de uma cor..Bananao sem solução

    1. Claide, tenho que concordar que essa moda das unhas coloridas é de matar. Só o fato de ver essas unhas postiças na mão de mocinhas que passam o dia digitando e bisbilhotando no Face e Twitter já me pergunto sobre a estética que elas apregoam. Enfim, prefiro a arquitetura de Dubai.

    2. O Bananão Tabajara é pródigo em dissoluções. ... Civilização? nem pensar.

    1. A década de 1990 já foi dos Bundados. ... Estamos em plena evolução.

  9. Obrigado Rui Goiaba por esta pérola de texto! Sigamos firmes entre Dubaianos e Bacurauenses. Mas, qual o canal da Rai mesmo? Rsrs

    1. "I'm Not Dog, No." - estamos no mato com cachorros em profusão. Qualquer coisa bem estranha.

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