Marcelo Camargo/Agência Brasil

Corrida contra o relógio

Melhora na economia ajuda Jair Bolsonaro a reduzir a vantagem de Lula nas pesquisas, mas reviravolta depende da magnitude e da velocidade desse movimento
05.08.22

Com menos de dois meses para o primeiro turno, o jogo começou a mudar na área que será decisiva para a eleição presidencial deste ano: a economia. Se antes a perspectiva era de estagnação e inflação fora de controle, os números mais recentes apontam uma melhora, com a previsão do PIB sendo revisada para 2%, a inflação recuando para 7,2% e o desemprego caindo para 9,3%. A pergunta é se haverá tempo hábil para que Jair Bolsonaro consiga aproveitar esse aquecimento e colocar-se à frente de Lula nas pesquisas e na contagem das urnas. A experiência acumulada pelo Brasil em oito eleições democráticas diz que não, mas não resta dúvida de que a economia poderá levar muitos eleitores a redefinirem o voto.

A primeira pesquisa a constatar o impacto da economia foi a do Datafolha do final de julho, que mostrou um ganho de seis pontos percentuais do presidente entre as mulheres. Ainda que se possa apontar a participação da primeira-dama Michelle na campanha como a causa desse incremento, são elas que mais decidem o voto pela economia, pois estão mais atentas aos preços. Entre os que ganham até dois salários mínimos, Bolsonaro diminuiu a diferença para Lula de 36 para 31 pontos. Na quarta, 3, uma pesquisa da Quaest trouxe mais evidências de uma mudança em curso. Entre os que recebem o Auxílio Brasil, a vantagem de Lula caiu de 35 para 23 pontos e a avaliação negativa do governo diminuiu nove pontos. E isso ocorreu apenas com o anúncio da aprovação do aumento de 400 reais para 600 reais, que só será depositado no dia 9. Entre todos, a fatia que considera a economia como o principal problema caiu de 44% em julho para 40% em agosto. A dos que acham que a economia do Brasil no último ano piorou foi de 64% para 56%.

A capacidade que essa melhora terá de alterar as posições dos candidatos nas pesquisas é relativa. As medidas recentes do atual governo beneficiam principalmente grupos específicos: os que recebem o Auxílio Brasil, taxistas, caminhoneiros. Dentro desses grupos, o eleitor nem sempre pode ser facilmente comprado. Em primeiro lugar, o brasileiro entende que Lula manterá o Auxílio Brasil se eleito, provavelmente com outro nome. De fato, o PT votou a favor da PEC Kamikaze, que distribuiu e ampliou esses benefícios. Em segundo lugar, como revelou o Datafolha nesta quinta, 4, há uma clara percepção de que as medidas que ampliaram os gastos sociais têm um objetivo eleitoreiro: 61% acham que foram feitas para dar votos a Bolsonaro. Em terceiro, mesmo que essas pessoas obtenham um ganho imediato, elas podem duvidar de sua permanência ao longo do tempo.

Um olhar mais atento para a inflação mostra que os preços dos alimentos e das roupas seguem em alta. A diminuição atual do índice decorre do corte de impostos sobre combustíveis e energia elétrica, que também são itens de consumo universal e podem fazer melhorar o humor dos eleitores em relação a Bolsonaro. “Esses bens fazem parte da cesta de consumo de praticamente todas as famílias e, quanto mais pobre ela for, maior o peso desses itens na cesta de consumo. À medida que as contas de celular, luz e os gastos com gasolina forem diminuindo, isso pode ajudar a popularidade do presidente”, diz o economista José Márcio Camargo, da PUC do Rio de Janeiro.

Marcello Casal/Agência BrasilMarcello Casal/Agência BrasilPara 61% dos beneficiários, elevação do Auxílio é para dar votos ao presidente
A redução no desemprego tem sido relativizada por quem se opõe a Bolsonaro. Em geral, depois da menção ao número, que era de 12% quando ele assumiu e agora chega a 9,3%, vem a observação de que a maioria dos postos de trabalho criados é informal. De fato, nos últimos dados divulgados, de junho, o número de trabalhadores informais atingiu seu recorde, chegando a 40%. A diminuição do desemprego, portanto, foi proporcionada majoritariamente por um aumento de 6,8% dos empregos sem carteira assinada. A elevação dos empregos formais foi mais modesta, de 2,6%. Persiste o fato, no entanto, que há mais gente obtendo alguma renda.

Os dados mais recentes indicam que já ocorreu uma melhora da economia. Não estamos falando somente de uma expectativa, e sim de algo concreto. Porém, esses dados econômicos são apenas parcialmente positivos”, diz o cientista político Hugo Borsani, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Uenf. “Para Bolsonaro superar o seu rival em apenas dois meses, o tamanho dessa melhora teria de ser muito maior.”

De todas as variáveis, o tempo é a que não se pode controlar. Em todos os pleitos desde o fim da ditadura, quem estava à frente na campanha nesse momento levou a melhor nas urnas. O único caso de uma reviravolta se deu um pouco mais cedo no calendário, em 1º de julho, com a introdução do real. Foi em 1994, quando o tucano Fernando Henrique Cardoso, FHC, ultrapassou Lula. O petista começou aquele ano com o dobro das intenções de voto de FHC, então ministro da Fazenda (41% a 19% para o petista). Com a nova moeda, a inflação mensal despencou de 47% em junho para 6,8% em julho. Resultado: no início de agosto, FHC já tinha o dobro das intenções de voto do petista (41% a 24% para o tucano). Ao derrubar uma inflação anual que chegava a 3.000%, FHC venceu no primeiro turno — uma façanha que dificilmente pode ser repetida.

RedePTRedePTEm 2006, Lula ampliou Bolsa Família para se reeleger
Em 2018, na vitória de Bolsonaro, dois fatores externos e inusitados marcaram a campanha, mas sem alterar as posições nas pesquisas. No final de agosto, o TSE rejeitou com base na Lei da Ficha Limpa a candidatura de Lula, que mesmo preso por corrupção liderava as pesquisas. Mas Bolsonaro já levava a melhor quando os entrevistadores excluíam o chefe petista dos seus questionários. Ao receber a facada em Juiz de Fora, em 6 setembro, o então deputado federal já estava na frente. “O efeito do atentado foi principalmente o de conter os ataques contra Bolsonaro e, com isso, assegurar sua vitória”, diz o cientista político Vítor Oliveira, diretor da Pulso Público.

O presidente também tem sido muito criticado por ignorar o equilíbrio fiscal, ao aumentar o valor do Auxílio Brasil para 600 reais, pelo vale-gás de 120 reais e pelos auxílios para caminhoneiros e taxistas. Todos começarão a ser pagos este mês. Mas essa prática não foi inventada por Bolsonaro. Um dos que fizeram uso dela foi Lula, ao buscar seu segundo mandato em 2006. No ano anterior, sua imagem tinha sido manchada com o escândalo de compra de votos no Congresso, o mensalão. Deputados recebiam uma mesada de 30 mil reais para votar com o governo. Um ano antes da eleição, a aprovação do governo de Lula caiu para 31%, e as pesquisas o colocavam apenas três pontos à frente do tucano José Serra. Para seguir no Palácio do Planalto, Lula ampliou o Bolsa Família, principalmente no Nordeste, entre junho e julho de 2006. Só nessa região, o número de beneficiados subiu 157% e foi para 5,4 milhões. Com isso, ele venceu a disputa contra Geraldo Alckmin (Serra disputou e ganhou o governo paulista), com sete pontos de vantagem no primeiro turno e vinte no segundo. “A questão é que a tal PEC das Bondades (PEC Kamikaze, de Bolsonaro) demorou demais. Foi um erro estratégico grande. Se tivesse sido implantada em março, seu impacto já teria sido sentido na população mais pobre”, diz o cientista político Ricardo Borges Gama Neto, professor da Universidade Federal de Pernambuco. A situação econômica em 2006, vale ressaltar, estava mais favorável ao então presidente Lula: a inflação ficou perto de zero nos meses da eleição e o PIB aquele ano cresceu 4%, o dobro da previsão atual.

Dilma Rousseff também empregou a mesma estratégia para conseguir mais um mandato, em 2014. No Primeiro de Maio daquele ano, ela anunciou a ampliação em 10% do valor do Bolsa Família e aumentou o número de famílias atendidas. Também prometeu 25 mil novas moradias no programa Minha Casa Minha Vida. Desse momento até a eleição, a aprovação do governo subiu dez pontos percentuais, chegando a 44%, o que a ajudou a vencer uma disputa apertada com Aécio Neves.

É com alguns meses de atraso, portanto, que Bolsonaro entra nesse jogo. Agora, a economia começou a emitir bons sinais e a fazer muitos brasileiros refletirem sobre a sua escolha nas urnas. Se esse fenômeno terá a magnitude necessária para mudar o resultado em um tempo tão exíguo, isso será conferido em 2 de outubro. É improvável, embora não impossível.

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