Cuidado com as massas

Elas estão nas ruas. Ou estarão, daqui a pouco. Amanhã talvez. Semana que vem. No próximo mês. Virão em tropel. Em marcha. Em desabalada, ou em abaladíssima, carreira
12.08.22

Cuidado com as massas, amigo. Elas estão nas ruas. Ou estarão, daqui a pouco. Amanhã talvez. Semana que vem. No próximo mês. Virão em tropel. Em marcha. Em desabalada, ou em abaladíssima, carreira. Cantando, bradando, exigindo, pontificando. Ortega y Gasset avisou, faz um tempinho já, que elas estão se rebelando. Jorge Benjor cantou que elas estão chegando (ou eram os alquimistas? Eu confundo). Cuidado. Falo como quem sabe, porque eu mesmo já fiz parte das massas e arrisco dizer que posso voltar a fazer, conforme clima, ocasião e lugar.

E falo como quem não tem a menor vergonha. Verdade que Paulo Francis, que eu li muito, dizia que unir-se às massas é coisa meio brega, é coisa meio acéfala. Para ele, ir a qualquer lugar e ocasião que reúna multidão – que reúna, pois, as massas – é coisa, na gíria do tempo dele, xangai. Show de rock, comício político, jogo de futebol, suru… digo, campeonato de surfe (que, além de gente, junta tubarão), rave, enfim, todo e qualquer evento que agregue, que congrace um número indecente de mais de dez pessoas deve ser evitado como a peste.

Bom exemplo disso, que aliás quem me deu foi outro guru, Monteiro Lobato, vinha de Demóstenes, o orador grego famoso. Estava ele lá, se esgoelando nalguma filípica diante de uma multidão, e eis que, de repente, a tal multidão rebenta em calorosos vivas!, hurras!, apoiados! e é isso aís! Chateado, Demóstenes se virou prum amigo e perguntou:

— Será que falei besteira?

Porque é isso: para Demóstenes e pro Francis (e até pro Ortega y Gasset), o nível intelectual da turba é pequenininho, é naniquinho, é quase de nada. E a vida o comprova, se o amigo pensar bem, até quando a turba é formada por gente de quem não se suspeita ser burrona – ou o amigo se esqueceu do tanto que aplaudiram a Greta na ONU?

Resumindo: a massa é formada por um monte de Joes Bidens cumprimentando o vento e aplaudindo o pôr do sol. Ou Joes Bidens com ideias de vento e palavras de pôr do sol.

Mas não é só isso. A turba é um barato que contagia: você cai no meio dela e, quando percebe – se é que percebe –, se sente irmanado. É como estar num trem cheio: é quente, é apertado, você não consegue se mexer, leva meia hora para andar dois metros, espeta o queixo num ombro, sente os aromas das gentes, não acha o banheiro, todo o mundo só conversa na base da gritaria, e sempre aparece um camelô. E, no entanto, é como se você estivesse esmagado num trem com gente da qual, milagrosamente, misteriosamente, você gosta. Cada braço levantado é o seu braço. Cada bordão entoado é o seu bordão. Se sair gol, você grita. Se cantarem o hino, você canta – minto, você berra. Em lágrimas.

Virei massa pela primeira vez em março de 2015, quando rompi com Paulo Francis (e com Demóstenes, e com Ortega y Gasset) e fui a uma manifestação. Sim, aquela lá. E continuei sendo massa, porque daquela fui a outras, oh, fui a todas, até à vigília, à concentração que acompanhou, expectante, diria até arfante, o anúncio do impedimento, em agosto de 2016. Na condição de massa, fiz tudo o que a massa faz: cantei; bradei; marchei; fiquei apertado; passei calor; comprei umas garrafinhas d’água; me vesti a caráter; me irmanei. E digo mais: a pelo menos uma, a do Bessias, fui inflamado, fui exaltado, fui como quem vai à guerra, belicoso, arruaceiro, street fighting man como os que esta sleepy São Paulo town costumava ter até, sei lá, 1932 – na verdade, se me pedissem um dente de ouro (que não tenho) para o esforço anti-Bessias, eu dava na hora.

Agora o amigo se perguntará (e, aproveitando que estou aqui, me perguntará): me senti acéfalo em alguma dessas vezes? Me senti meio brega? Tive vergonha, ou fiquei, vá lá, meio acanhado enquanto estava lá? E eu responderei: mas de jeito nenhum. Longe disso, amigo. Me senti antes esperto, esperançoso, e fazendo o que devia fazer. Número, principalmente, e um pouco de barulho também. Mas fiz.

Hoje, confesso que voltei à mesa em que se sentam (e da qual não se levantam) o Francis, o Demóstenes, o Gasset. Não tanto por convicção – ter convicções é meio como fazer exercícios: é cansativo –, mas por preguiça. E até por ruindade: eu sou da velha escola, só saio à rua para derrubar, só me mexo para pôr abaixo. O serviço de erguer não é comigo.

As massas estão nas ruas; vamos liderá-las – dizia o velho comunista. Ora, eu já fui liderado nas ruas, e nem foi por comunistas. Agora serei liderado em casa: volto ao meu natural preguiçoso, adepto da torcida e do ventilador.

Quanto às massas, é o seguinte: uno-me a elas com molho, muçarela, um fio de azeite e orégano. Se é assim que tudo acaba, acabemos eu e as massas assim também.

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500
  1. Muito bom o artigo, amo o tom cômico das nossas desgraças .Que saudades das massas dos tempos da grande esperança que a Lava Jato nos trouxe e nos uníamos pela derrocada da corrupção. Que fim triste e melancólico ! FDP de sistema!!!!

    1. Sistema? Eu diria que foram os próprios brasileiros que se uniram aos corruptos líderes das pesquisas...

  2. texto bem mais ou menos ,dispensável! pelo menos, antes de escrever, devia ter folheado Canetti pra dar uma recheada no calzone.

  3. No vagão de metrô, quando estamos como sardinha em lata, irrespiráveis, cercados por " iguais a nós ", o sentimento é único e insubstituível : " Estamos e somos do mesmo barco, e necessitamos conseguir remar em direção à mesma " Fonte de Esperança ".

  4. Sinto falta da massa para defender a lava jato. Antes, vistosa, charmosa, alegre, corajosa, hoje definha num hospital, em estado terminal. Abandonaram-na à própria sorte. O exército de corruptos, à frente os inquilinos do congresso e os abutres do STF, assassinaram a sua reputação, com mentiras, farsas. Maus caráteres, poderosos que não sobrevivem sem a corrupção.

    1. Apoiado !!! Passo das suas inteligentes palavras as minhas

  5. Tb me uni às outras massas, c/ fio de esperança em vez do azeite. Confesso q me senti um pouco acéfala, mas a esperança era mais forte.. levei meu filho.. expliquei o qt a justiça é fundamental. Agora só nos restou o azeite, de melhor qualidade e infinitamente mais barato na Europa. O filho pergunta da justiça e procuro explicações p/ o menino de 8 anos q nasceu num país q parecia tomar rumo, passou por 3 presidentes, 1 pandemia, 4 mudanças de casa, cidade e agora de país. Seguimos c/ esperança.

  6. A matemática não funciona com as massas. Se cada indivíduo vale 1, o valor da massa formada por indivíduos é indeterminada. Se um indivíduo é um ser humano, uma massa pode ser um animal qualquer.

  7. As massas votarão sob o fio da espada e como as urnas foram fechadas a fraudes que fariam com certeza não fosse o grito o povo vulgo massa ignara ou canelau votante é que decidirá sua sorte mais quatro anos tentando mudar 500 anos de submissão ou se deixar escravizar de vez ... lembro que a Venezuela há 40 anos atrás era o quinto país mais rico do mundo e hoje tem 2 milhões de exilados mendigando em países vizinhos e os que ficaram comem o lixo dos clepto-comunazista .. você decide seu destino.

    1. Virar Venezuela é fácil basta dar benefícios ao povão sem contrapartida fiscal. Não precisa ser comuna ou militar socialista vide a Argentina.....

    1. Cada um termina seu texto com aquilo q gosta mesmo, com o q tem para oferecer...

  8. Deixem o desânimo para os de mais de 65, porque esses já sacaram que tudo acaba em pizza ou massa mesmo… mas os jovens - pelo amor de Deus! - sejam jovens! Ajam como jovens e mexam-se! Mas, por favor, usem o cérebro e não caiam em esparrelas lulistas ou bolsonaristas. Já sabemos o quão rançoso é o parmesão dessa gente!

  9. Ótimo! Vi-me nesse texto! Por preguiça ( fabricada pelo desânimo por esta nação) estou quase um Diogo Mainardi. Vontade de me auto exilar, bem longe das massas doutrinadas e das safadezas que nunca são punidas, pois são as raposas que tomam conta deste grande galinheiro, com paus pra lá de sujos!

  10. Deu para entender qual foi a do escritor nos tempos antigos. A propósito, bonito texto, elegante, flui como água de rio. Gostei e parabenizo, embora certamente não faça a menor diferença. Mas sua menções a Greta e Biden foram injustas. Afinal quando você ia nas passeatas, também tinha muito de sonho. Não é? Eles sonham, prefiro os sonhos deles do daqueles que quebram tudo. Lembra dos block, minúsculo mesmo.

  11. Que bom que não estou só. Nessa reflexão me identifiquei plenamente. Agora me aposentei do trabalho e das grandes mobilizações. Fui

  12. O corintiano é sempre um otimista, um dia perde outro ganha faça chuva ou faça sol a sua fé não vacila. Saudades do tempo em que manifestação era sai na rua pra levar cacetadas de policial ?

  13. Parabenizo o autor pelo excelente artigo , mas aconselho a seguir Paulo Frances , Ortega e Demóstenes , e se tratando de massa , nada melhor que um espaguete à fettuccine , e bom apetite !!!!!!!

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