Ricardo Borges/FolhapressO economista Fabio Giambiagi: não há por que esquecermos o humor num país que está estressado, mas não em guerra

O ponto de vista das cobras

O economista Fabio Giambiagi fala sobre a segunda coletânea de frases venenosas que organizou com o colega Gustavo Franco
19.08.22

Uma imagem vale mais que mil palavras, mas uma boa frase vale mais que mil imagens. Frasistas habilidosos fazem caber grandes verdades no espaço de uma linha. Além disso, há frases banais, ditas ao acaso, que capturam o espírito de uma época. Há alguns anos, os economistas Fabio Giambiagi e Gustavo Franco se dedicam a colecionar sentenças desses dois tipos e organizá-las em tópicos, com uma forte dose de malícia. Eles estão lançando neste mês Antologia da Maldade II  – Epígrafes para um País Estressado (Editora Zahar), repique de uma primeira coletânea publicada em 2015.

Segundo Giambiagi, que conversou com Crusoé, ele e Gustavo Franco se inspiraram no Dicionário do Diabo, clássica reunião de frases ácidas do americano Ambrose Bierce. Além de adotar “o ponto de vista venenoso das cobras” sobre a realidade, os dois obedeceram “a velha divisão de tarefas de Adam Smith, que percebeu que 1 + 1 pode ser maior que 2 em economia, quando pessoas com habilidades diferentes se juntam”. Giambiagi é o compilador, com olho clínico para identificar frases fortes no meio de textos alheios. Gustavo Franco é o organizador, que cria verbetes e faz “associações maldosas”. Como indica o título, o propósito não é edificar, mas iluminar tolices  e desvarios. “Acho que iniciamos uma série, como Velozes e Furiosos. Material não falta”, diz Giambiagi, na entrevista que se segue.

O Brasil é hoje apenas um país “estressado”? A definição parece branda. 

A expressão “Epígrafes para um país estressado” responde ao desejo de dar alguma leveza a uma situação que sabemos que é muito pesada. Que o ambiente está carregado, não há a menor dúvida: o próprio presidente da República se encarrega de nos lembrar isso todos os dias. Mas se mesmo na Ucrânia as pessoas tentam viver a vida com certa normalidade, não há por que esquecermos o humor num país que está estressado, mas não em guerra.

Sete anos separam a primeira e a segunda antologias. Como os dois livros refletem os momentos em que foram preparados?

Os dois livros são retratos de época. O de 2015 tinha 21 frases de Dilma e nenhuma de Bolsonaro, que na época era um zero à esquerda. O de agora tem umas 40 frases de Bolsonaro. O verbete Petrolão era bem robusto no livro anterior. O de agora traz o verbete Pandemia, com frases como a da doutora Ludhmila Hajjar: “Infelizmente, imperou quem quer o mal no Brasil”. São espelhos de cada momento. Em 2015, a angústia era a crise econômica. Neste momento, todos nos perguntamos: “Como o Brasil deu nisso?”.

Quem mais inspirou a maldade em vocês, Dilma ou Bolsonaro? 

Em vez de responder com uma frase para cada um, prefiro sintetizar com a suprema maldade que cometemos, alojando no verbete Dilmice uma das frases completamente intervencionistas de Bolsonaro, que fariam corar até mesmo a ex-presidente. Isso, aliás, ilustra parte do nosso método, que consiste em catalogar as frases de maneira inesperada, para revelar bobagens e absurdos. Cito outro exemplo. Em 2020, Paulo Guedes se vangloriou das suas injeções de dinheiro em uma economia paralisada pela Covid dizendo que “até como keynesiano eu sou melhor”. Nós homenageamos o ministro colocando a frase no verbete Campeões Nacionais. 

O que boas frases conseguem revelar melhor do que um texto analítico?

A mim, particularmente, impressiona o verbete Atualidade Brasileira, no qual percebemos como frases ditas há décadas ou séculos conseguem permanecer  atuais. O verbete é uma exposição nua e crua de nosso atraso. Veja, por exemplo, as frases de Bossuet, “Há sempre alguém mais idiota para ir atrás de um idiiota”, ou Camus, “O hábito da desesperança é mais terrível que a desesperança em si”. É deprimente. Não há análise econômica que capture essa tragédia.

O senhor editou um livro, em 2011, com propostas de economistas para “um Brasil melhor no ano do bicentenário”. O diagnóstico naquele momento era que “a inflação voltou a ameaçar o crescimento continuo do Brasil, o câmbio está excessivamente valorizado, o regime fiscal está piorando de qualidade e o mundo desenvolvido ainda vive uma situação de inusitada dificuldade”. Agora que chegamos a 2022, como qualifica o ano do bicentenário?

Não tenho dúvidas sobre a frase que o descreve: “Era para a gente estar nos Jetsons e estamos voltando para os Flintstones”. Com os créditos para a grande Rita Lee.

Como espera que Lula ou Bolsonaro reajam à economia que os espera no ano que vem? 

Recorro a três frases. A primeira é de Tiririca: “Não acredite em palavra de político”. O contraste entre a fantasia eleitoral e a realidade a ser encontrada depois de as urnas serem fechadas é grande. A segunda é do ex-presidente argentino Mauricio Macri, no verbete Populismo: “O populismo nos dá o presente de graça, mas nos hipoteca o futuro”. Em 2023, qualquer que seja o vencedor, será preciso pagar a hipoteca. Acredito que uma frase do rei Luís XV, da França, também vem a calhar, embora não esteja na antologia: “Depois de mim, o dilúvio”. Com esse festival de reduções de impostos e com os aumentos de gastos já contratados para 2023, nossos presidenciáveis também são candidatos a Luís XVI.

Há muitas frases sobre peronismo e kirchnerismo no livro. A Argentina venceu o Brasil como berço de ideologias furadas?

À luz desse festival de populismo econômico que o Executivo está patrocinando, vou sugerir ao Gustavo um verbete para uma terceira antologia: Bolsoperonismo. Trata-se da fusão do bolsonarismo gastador “pauloguedista” com o populismo peronista. Vamos ter muitas frases boas para colocar nele. 

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  1. Para uma pessoa cega, mil palavras vale mais que uma imagem. Os cegos precisam da audiodescrição para melhorar a sua interação com o mundo e com os demais seres humanos.

  2. Querem frases de efeito? Lá vai una bem escrôta de minha lavra ... DEMOCRACIA É O REGIME EM QUE A VÍTIMA TEM O SAGRADO DIREITO DE ESCOLHER QUEM VAI LHE CORTAR E PESCOÇO NOS PRÓXIMOS QUATRO ÂNUS ... o velho suicídio nas urnas.

  3. Certamente a frase "o Brasil é o país do futuro, com um grande passado pela frente" deve estar inclusa no verbete "Futulorogia for dummies"...

  4. O livro já está anotado para compra breve. Às vezes sinto-me envergonhado em rir de nossas tragédias, mas é a parte que nos cabe. Na hora da distribuição de estultícia, nós os brasileiros, fomos aquinhoados com generosas doses. Em alguma coisa teríamos de ser imbatíveis. Aleluia...

  5. ... Acrescento de Greise do Piancó. " No mundo tem gente pra tudo e ainda sobra 500 pra comer merda!"

  6. Brasil são tão imprevisíveis que já podemos prever que não chegaremos a lugar nenhum em termos de um povo determinado para vencer suas próprias limitações e cobrarmos dos políticos tudo que temos direito como cidadãos que cumprimos nossos deveres. Quando vamos acordar pra esta triste realidade?

  7. Acho que se pode atribuir ao Bolsonaro essa do Grouxo Marx: "Eu sou um homem de princípios, mas se você não gostar, tenho outros"

  8. Bom trabalho. Só lamento essas favas contadas, de braços cruzados ante o dualismo indesejável para o Brasil. Nem Lula, nem Bolsonaro, o Brasil merece coisa melhor! Temos que olhar mais atentamente para Simone Tebet, ela sabe lidar com o sistema e sabe o que fazer.

    1. somos um país de surpresas, quem sabe a Simone atrai as mulheres? Eu vou nela.

  9. Acho que faltou algumas frases de Pedro Malan e José Serra, os campeões de maldades contra as classes menos favorecidas da população

    1. Parafraseando o Dante: Abandonai toda esperança os que aqui permanecerem.

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