A agonia tucana
Há dois anos, tudo parecia certo: Geraldo Alckmin emergia das eleições municipais como um estrategista ímpar, que havia imposto ao PSDB a candidatura de João Doria a prefeito de São Paulo, e com ela havia derrotado o prefeito petista Fernando Haddad ainda no primeiro turno. Na semana que passou, tudo era incerto: o ex-governador de São Paulo foi o primeiro candidato tucano a presidente a ficar fora de um segundo turno na disputa desde 1994. Ficou com menos de 5% dos votos. Depois do vexame, em reunião da executiva do partido, ainda sugeriu que seu ex-pupilo Doria era “traidor”.
O PSDB encolheu e sairá desagregado desta eleição. A bancada na Câmara caiu de quarta para oitava no ranking, passando de 49 para 30 deputados a partir do ano que vem. No Senado, os tucanos continuam tendo a segunda bancada – mas agora com oito, e não mais 12 representantes. Nos estados, o PSDB ainda tem chance de fazer governadores em seis estados no segundo turno: São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima e Rio Grande do Sul. Mas a questão é: o PSDB vai conseguir sobreviver a si mesmo?
A discussão em que Doria teve de ouvir a indireta bastante direta de Alckmin — “traidor eu não sou” — resume as visões opostas que dividiram o partido e tornam incerto o seu futuro. O ex-governador de São Paulo quis inculpar o ex-prefeito por ter sido associado ao impopular presidente Michel Temer, por causa da participação do PSDB no governo federal. Doria lembrou que na reunião estavam dois tucanos que participaram efetivamente do governo, José Serra e Bruno Araújo, sem contar o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira.
O candidato ao governo de São Paulo havia sido interrompido justamente quando pedia uma autocrítica do PSDB e ao seu discurso. O ex-prefeito parece ser o que mais tem a ganhar com o resultado fraco do partido nas urnas: será a chance de ele dirigir a legenda para uma plataforma mais liberal na economia e conservadora nos costumes, afastando-se do pensamento social-democrata do núcleo original do PSDB. Os adversários do PSDB, especialmente os petistas, sempre quiseram estigmatizar os tucanos como “a direita” no Brasil, mas agora que estão prestes a serem derrotados na disputa presidencial por um candidato que não teme defender a redução da maioridade penal, o porte de arma e denuncia a infiltração ideológica nas escolas, os petistas parecem finalmente estar descobrindo o que é exatamente ser de direita. E ainda: que o povo gosta dela. É para conquistar esses votos que Doria quer inclinar os tucanos para o lado que o vento sopra.
O presidenciável tucano tentou mais mostrar o que não era – Haddad ou Bolsonaro – do que o que realmente era. Se era, de fato, alguma coisa. E, pela retaguarda, foi atingido por um vídeo do presidente Michel Temer que lhe trouxe uma lembrança tão incômoda quanto eleitoralmente desastrosa: o PSDB está no governo com as piores taxas de popularidade já registradas na história. Com o discurso de centro do PSDB se esboroando, as defecções começaram. Doria, por exemplo, deixou que seu nome fosse associado a Bolsonaro na campanha de São Paulo. Nada fez para impedir o voto “Bolsodoria” no estado em que Alckmin fora eleito quatro vezes governador. A “traição” não chegou, porém, a ter a clareza algo lenta do gesto do ex-chefe de gabinete de Fernando Henrique Cardoso, Xico Graziano: já às vésperas da eleição, o ex-deputado federal anunciou pelo Twitter sua adesão a Bolsonaro e a saída do partido, contrariado com a aliança de Alckmin com os partidos do Centrão – 75 dias depois de a união ter sido selada.
Winston Churchill dizia que a diferença entre a guerra e a política é que na guerra você só morre uma vez. Ainda é muito cedo para anunciar a morte do PSDB. Mas não resta dúvida de que o tucanato está com o bico na cova e não há ressurreição à vista.
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