Foto: DivulgaçãoDenzel Washington em "A Tragédia de Macbeth"; ator interpretou o papel shakespeariano sem ser general nem escocês

O debate mais idiota de todos os tempos da última semana

17.03.23

Já começo este texto sacando a minha carteirinha do “lugar de fala”. Sou gordo e tendo a confundir empatia com empadinha: quando alguém diz que precisamos ter “mais empatia uns com os outros”, concordo com entusiasmo e acrescento que a minha é de camarão — sem azeitona, por favor. Estou tentando emagrecer, mais pelo histórico de diabetes na família que por qualquer razão estética. O caminho é árduo (e sem empadinhas), mas vamos que vamos: no pain, no gain, when the going gets tough the tough gets going, escolha seu clichê.

É claro que há muita gente, no mundo todo, com seriíssimos problemas de obesidade mórbida. Na ficção, um personagem com essas características acabou de render um Oscar ao ator Brendan Fraser: em “A Baleia”, ele interpreta Charlie, um professor de inglês que pesa cerca de 270 kg, com todas as complicações que disso decorrem. Em entrevistas, Fraser disse que o papel o obrigou a usar próteses de até 130 kg — o que a imprensa de língua inglesa chamou de fat suit.

Nem preciso dizer, porque vocês já adivinharam: é claro que, além de o filme ter sido acusado de gordofobia, problematizaram a escolha do elenco (“por que não escolheram um ator obeso mórbido para o papel?”). Até aquela revista que era de surfe e mulher pelada e, ultimamente, dedica-se a expiar todos os pecados do seu passado sexista publicou uma chamada usando “A Baleia” como gancho, falando em “opressão romantizada”, alegando que o uso de próteses exclui “pessoas gordas” do cinema e — claro, como não? — pontificando que “precisamos falar sobre fat suit” (não, não “precisamos falar” sobre coisa alguma, seus reverendos metidos a hipsters, seus viciadinhos no êxtase da santimônia).

Fica até difícil listar os motivos pelos quais esse é o “debate” mais idiota de todos os tempos da última semana (tenho fé que, na próxima semana, o grande tema de discussões nas redes sociais será ainda mais cretino, seja ele qual for), mas vou tentar resumir. Um ator de 270 kg, além de não ser exatamente fácil de encontrar, correria riscos muito sérios de ter problemas de saúde durante as filmagens — morrendo, por exemplo, o que de quebra mataria o filme ou obrigaria a produção a correr atrás de outro ator com IMC acima de 70. E vejam: eu pensava que “ator”, por definição, fosse alguém dedicado a interpretar personagens que são diferentes dele. Uma pessoa precisa ter câncer para fazer o papel de alguém com câncer? Laurence Olivier não podia interpretar Hamlet porque não era um príncipe dinamarquês? Denzel Washington, que não é general nem escocês, pode atuar como Macbeth? Luciano Pavarotti e outros cantores líricos deveriam ser proibidos de dar vida e voz a personagens magros?

Há uma história clássica, e talvez apócrifa, sobre um filme em que Laurence Olivier e Dustin Hoffman contracenaram, “Maratona da Morte”, de 1976. Hoffman teria passado uma noite sem dormir para uma cena em que seu personagem sofria de cansaço pós-insônia, e Olivier teria perguntado: “Meu querido, por que você simplesmente não tenta atuar?”. No que depender da esquerda identitária, essa ideia vai pelo ralo: duas das ocupações que mais propiciam esse difícil exercício de se colocar no lugar do outro — a do ator e a do escritor — virariam puro testemunho, vetado a quem não tenha identificação absoluta (o tal “lugar de fala”) com o personagem que interpreta ou com aqueles que cria. “Ah, mas representatividade importa.” Sem dúvida, e é ótimo termos hoje, por exemplo, muito mais atores negros em papéis relevantes do que décadas atrás. Mas é mesmo necessário que a busca por representatividade mate a representação?

Sou plenamente capaz de subir numa mesa e gritar um morra! para os padrões opressivos de magreza (desde que a referida mesa aguente o meu peso). Nem vou comentar o exagero inverso, glorificar “corpos gordos” cuja condição pode sujeitá-los a uma vida de problemas médicos e limitações: acredito que pessoas adultas têm o direito de estragar sua saúde como bem entenderem. A única conclusão que tiro disso tudo é que gente gorda pode ou não emagrecer, mas gente burra vai morrer burra — e que erro da natureza a burrice não doer.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Todo mundo já falou de Guilherme Boulos muito entusiasmado com uma cisterna, essa inovação tecnológica mais velha que Jesus Cristo (e aliás citada várias vezes na Bíblia), numa comunidade do MTST. Mas acho que o que mais curti foi ver o deputado do PSOL chamar uma casa de taipa de “bioconstrução”: temos que estimular mesmo outros criadouros de barbeiros, aqueles insetos que transmitem a doença de Chagas. Quando se dizia que esse povo psolista gosta de gente de “coração grande”, eu não imaginava que a coisa fosse tão literal assim.

Boulos e a cisterna: o PSOL tem tudo para fazer o país progredir para o século 19

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  1. Magnífico!!! falou tudo o q não consigo verbalizar sobre a idiotice geral do momento, sobre o tal identitarismo,"evolução" segundo estúpidos e maldosos. E PSOL gosta de gente do coração grande foi ótimo kkkkk

  2. Gulherme Boulos deveria morar numa casa de Taipas pra se mostrar adepto da “bioconstrução e explicar como não ter doença de chagas. 🤔. É um boçal, mesmo apesar do pai ser médico

  3. Excelente e hilário… essa turma que cultiva o hábito do amor ao coração obeso poderia ao menos buscar a cura da burrice que, mesmo sendo indolor, Judia muito do povo que governa…

  4. Parabéns Ruy 👏👏 seu texto foi ótimo. Algumas pessoas são realmente muito burras. Como se ganhar um Oscar não estivesse intrínseco a representação do ator, querem colocar num papel seja ele qual for uma pessoa que nem saberia interpreta-lo, só porque teria as características apropriadas? Eles que façam filme na casa deles.

  5. Goyaba, tenho 68 anos. Sou careca, fui muito gordo (fiz bariátrica) e ronco a noite. Tenho lugar de fala em varias areas… agora falando MUITO serio, que tempos chatos e estranho esse que vivemos!!! Juventude cheia de mimimi, chata, preconceituosa e que se acha a defensora do tal, nauseante politicamentecorreto. Enfiem isso no rabo e cresçam pois essa eterna juventude não existe e vai fazer voces perderem a emoção de viver. #Vivaopoliticamenteincorreto!

  6. Glamorizar a casa de taipa é uma das coisas mais imbecis que eu ouvi na minha vida. Pensando bem, já ouvi outras bem piores, como glamorizar a falta de leitura e conhecimento.

  7. Terão que refilmar "A Teoria de Tudo". Eddie Redmayne, ganhou um Oscar interpretando Stephen Hawking. O ator não é Físico, nem vive com ELA.

  8. Boulos que vá morar numa bioconstrução, feita de esterco de vaca! A semana foi pesada! A burrice é igual feiura, com o tempo só aumenta.

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