MarioSabino

Recomendações a Jair Bolsonaro

26.10.18

Esta coluna precede imediatamente a eleição do próximo presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. Da semana que vem até o final de dezembro, ele passará a ser chamado de “presidente eleito” e o seu pessoal trabalhará com a equipe de transição designada por Michel Temer, numa espécie de pré-estreia do que ocorrerá nos próximos quatro anos — se tudo der certo nos próximos quatro anos. A única certeza, senhores, é que vai sacudir. Sou óbvio como qualquer manchete da Folha de S. Paulo sobre Bolsonaro.

O novo presidente enfrentará fortes turbulências, e o país juntamente com ele, por causa do estilo de paraquedista que salta atirando de Bolsonaro e porque o eleito é declaradamente de direita, fato este inadmissível para tanta gente bonita e democrática que acha que o “anti-humano” deve ser “varrido da face da Terra”. Como não dá para evitar tanta gente bonita e democrática (ela já começou a berrar que a eleição foi fraudada por causa do WhatsApp e a cantar Chico Buarque contra o “fascista”), acho que é o caso de Bolsonaro tentar contornar algumas nuvens.

Contribuo, aqui, com uma lista de recomendações. “Recomendação” é um eufemismo para “conselho”. Em Dom Quixote, Miguel de Cervantes diz: “Siga o seu caminho e não dê conselhos a quem não os pede”. Como não pedi conselho a Cervantes, vou previsível e quixotescamente contrariá-lo e dar conselho a quem nem mesmo me pediu, como fiz com Temer, logo depois de Dilma Rousseff ser afastada do Planalto, em artigo para a newsletter de O Antagonista. Talvez não seja uma atitude tão quixotesca. Examinando o meu retrospecto, foram os únicos bons conselhos que dei até agora. Bons porque singelos. Temer teria evitado grandes problemas se os houvesse seguido.

Eis, então, as recomendações a Bolsonaro:

Dizer já na comemoração da vitória que será o presidente de todos os brasileiros. É uma fórmula batida, mas governar é também espancar fórmulas, assim como economistas espancam números. Depois da campanha do medo feita pelo PT e adjacências, é essencial repeti-la. E levá-la a sério, claro. É duvidoso que Fernando Haddad telefone para cumprimentá-lo, uma vez que não deve reconhecer a derrota. Ainda assim, cite-o com respeito na comemoração. Haddad não terá mais a mínima importância. Fundamental: nada de fazer aquele gesto de quem empunha uma arma, por favor. Emitirá o sinal errado para aloprados. A postura presidencial deve ficar bem marcada desde o início, porque é no momento da vitória que se reconhece a grandeza de um homem (clichês são acessórios obrigatórios para presidentes). A partir de domingo, seja presidencial até quando faz a própria barba, como mandaria um professor de etiqueta. Se houvesse mais professores de etiqueta no Brasil, o país aumentaria a chance de se tornar civilizado. Eu introduziria a disciplina de Etiqueta Básica nas escolas. Etiqueta é a primeira Ética.

Vigiar os filhos Eduardo, Flávio e Carlos. Como ter mandato não implica adquirir juízo, sugiro que os seus filhos tenham o seu direito de opinião e expressão regulados. Não como o PT quer fazer com todo mundo, mas por um fiscal da sua confiança. Discursos, entrevistas e postagens em redes sociais devem passar pelo crivo de uma pessoa designada pelo presidente. Ela poderia elencar itens proibidos. Atacar o Judiciário, não pode. Publicar imagens de gente torturada, nem para anunciar exposições de arte. Piadas sobre mulheres e minorias, vetadas integralmente. Se os três cobrarem mais liberdade de atuação, negue. Como escreveu um autor francês que quase ninguém mais lê, “um filho é um credor dado pela natureza”.

Colocar mulheres no ministério. Tudo bem, a ditadura do politicamente correto deve ser repudiada, o que importa é a competência, não importa se o ministro veste calças ou saias, mas… Mas é preciso contemplar mulheres competentes com ministérios. Será, inclusive, uma forma de enfraquecer a pecha de misógino. Eu entregaria, por exemplo, o ministério da Justiça a Eliana Calmon (estou dando uma piscadela marota). Deixe Sergio Moro para o STF. Serão quinze ministérios? Ocupe dois ou mais com mulheres. Prestigiar um gay também seria simpático. Que tal colocar um na Secretaria de Direitos Humanos? Sim, aconselho manter Direitos Humanos como Secretaria, caso o ministério venha a ser extinto.

Colocar negros no ministério. Não é cota, não. Leve para o governo o exemplo agregador das Forças Armadas. Aliás, seria fantástico que os escolhidos fossem contra a política de cotas. Chega de coitadismo, concordo.

Deixar 1964 no passado. Como já cansei de escrever: elogiar ou condenar, em 2018, o regime militar de 1964 é como elogiar ou condenar o Hermes da Fonseca de 1910 em 1964 ou elogiar ou condenar o Jair Bolsonaro de 2018 em 2072. Acabou. Já foi. E, ao longo dos próximos quatro anos, 1964 logicamente ficará mais distante. Deixe o assunto para os universitários. A esquerda tem de fazer alguma coisa da vida. Proíba o general Hamilton Mourão de tocar no assunto. E proíba-se de homenagear o Coronel Brilhante Ustra. Outra homenagem a Ustra é tudo o que os seus adversários querem.

Manter Hamilton Mourão ocupado. Viagens internacionais, muitas, e sempre na companhia de um diplomata experimentado que esteja ao lado do sincericida serial na hora de dar entrevistas. Autoridades brasileiras se soltam mais quando estão no exterior e… Melhor não lhe proporcionar muitas viagens internacionais. Vamos no tradicional: ocupe-o com uma agenda irrelevante dentro do país. E o estimule a continuar a enfatizar que a democracia está garantida e conversar com o empresariado, como ele já vem fazendo. De vez em quando, até será possível utilizar Mourão como “bad cop”. Use com moderação. General pode ter fiscal? Caso a resposta seja positivo operante, sugiro outro general para o papel: Augusto Heleno.

Deixar sempre claro que capitão presidente da República manda em general. Ponto.

Cuidar para não deixar que surja um Paulo César Farias ou uma espécie de José Dirceu de direita. Muito, muito cuidado. Será difícil dizer depois que não sabia, talquei?

Empenhar-se para diminuir drasticamente a criminalidade já no primeiro ano de governo. Lembre-se de que, para além do antipetismo, esse foi um dos principais motivos da sua eleição. Seja duro com a bandidagem, mas puna ou faça punir severamente policiais que cometerem excessos – e lance reprimendas públicas quando for o caso, antecipando-se à exploração política. Tenha presente que colocarão na sua conta, por ‘apologia da violência”, até briga conjugal e se Pedrinho chamou Joãozinho de bobo e feio no jardim de infância.

Resignar-se com o fato de que o PT pode até acabar, mas o petismo continuará a existir. No mundo inteiro é assim, acredite. O petismo é a verdadeira Internacional. Precede a criação do PT e o surgimento do socialismo, do capitalismo e do feudalismo. É um troço crônico que surgiu nas cavernas, quando um Neandertal foi o primeiro a roubar um pedaço de carne de outro Neandertal e achou que isso era justo. O negócio é não cair em todas as provocações e, desse modo, dar margem a confusões supérfluas (basta seguir as recomendações acima). Escolha as batalhas certas mesmo no Twitter, aquela rede social tão propícia a saltos de paraquedas. Este item inclui a imprensa, por motivos óbvios. É difícil acreditar, eu sei, mas nem todos os jornalistas são militantes petistas. Apesar de tudo, FHC é um bom exemplo nesse ponto. Sou testemunha ocular e auricular de como, quando atingido direta ou indiretamente por denúncias verdadeiras ou ineptas, ele mantinha conversas gentis com diretores de redação e publishers, para dar a sua versão, reclamar e até pedir trégua. Não caia na armadilha de tentar asfixiar a imprensa. Nem na tentação de comprá-la, que é o outro lado das mesmas moedas. Muita gente o aconselhará a fazê-lo. Se o fizer, vai se igualar a Lula. E simplesmente não funciona. Se for para cortar publicidade governamental, e eu voto a favor, corte de todo mundo. Escude-se no Parlamento e no Judiciário, para enfrentar essa gente bonita e democrática. Um bom governo a enfraquecerá.  Esqueça a retórica virulenta dos “bandidos vermelhos que serão varridos do mapa”. A campanha já terá passado e o vermelho será principalmente de raiva.

PS: Nem preciso dizer que Paulo Guedes não pode ser saído da Fazenda. A menos que o Posto Ipiranga seja substituído por um Posto Shell. Um Posto Petrobras não seria forte turbulência, mas desastre fatal. Guedes, respeite o presidente.

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