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Comédia tosca, censura burra

A absurda decisão judicial que proíbe o humorista Léo Lins de fazer piadas sobre “grupos vulneráveis” poderia ter sido decretada pelo tribunal do Twitter
25.05.23

Léo Lins conquistou seu público. Tem uma marca respeitável neste que é hoje o índice universal do sucesso – o número de seguidores no Instagram: 1,7 milhão. Eu, no entanto, não o conhecia até a semana passada. Poderia ter continuado nessa feliz ignorância, se uma juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo não houvesse determinado, a pedido do Ministério Público, a censura de Perturbador, show de stand up gravado em Curitiba que Lins publicara no YouTube. Obrigado a retirar o vídeo da internet, Lins ainda por cima está impedido de fazer novas piadas com minorias e “grupos vulneráveis”.

Dormi no ponto e não vi o vídeo antes que ele saísse do ar. Nas notícias publicadas a respeito, encontrei um trecho em que Lins explica o “ranking de privilégios” que estaria hoje em vigor no Brasil: “Na base, está o velho. Em cima, está o nordestino pobre. Depois dele, está a mulher grávida, que tem assento especial. Em cima dela, está o gordo que também já tem assento especial. O gordo é uma grávida que se autoengravidou. Em cima do gordo, está o deficiente que tem assento, não pega fila. A prova disso é que um velho nordestino, gordo e deficiente virou presidente”.

É complicado julgar um comediante sem vê-lo (e não há como vê-lo, pois foi censurado). O stand up depende bastante da postura corporal, da modulação de voz e até das pausas que o comediante faz para deixar o público rir. Mesmo assim, não concebo talento performático capaz de salvar da mediocridade o texto citado acima. Essa história de gordo que se autoengravida parece piada que o coleguinha chato conta no recreio da quinta série. E o punchline igualmente pueril sobre a barriga e a idade de Lula está longe de se qualificar como humor político.

Matérias jornalísticas sobre o caso – muitas delas apoiando tacitamente a censura – citam gracinhas preconceituosas que o humorista fez sobre negros, judeus, autistas, idosos. Desse conjunto fragmentário, me fica a impressão de que Lins tem uma fixação em falar de coisas que são socialmente interditas ao humor – da escravidão ao Lula (não se deve fazer piada sobre o presidente, pois não é hora de criticar o PT!). Lins só não tem nada de especial a dizer sobre esses temas. É até covardia fazer essa comparação, mas lá vai: Dave Chappelle, o mais cancelado dos humoristas americanos, faz humor ácido sobre temas sensíveis como a transexualidade e as preferências eróticas de Michael Jackson. Muito agudo em sua crítica social, ele fala como um adulto que se dirige ao público adulto. Lins apenas busca piadas toscas em torno dos tabus de certa esquerda, como um garoto que diz palavrão na frente das visitas só porque papai o proibiu de fazer isso. Quem gosta dessas bobagens que me desculpe: não tenho respeito por esse tipo de comédia.

Mas respeito ainda menos quem se ofende com Lins. E desprezo quem deseja calá-lo.

No jardim de infância do progressismo dodói, entre uma aulinha de descolonização de privilégios e uma oficina de cancelamento, os militantes mirins ficaram muito chateados com Fabio Porchat porque ele publicou dois tuítes em defesa de Léo Lins. Ou assim eles entenderam: na verdade, o que o humorista do Porta dos Fundos defendeu foi o princípio fundamental de que todos podem fazer piada sobre tudo. Fabio Porchat disse expressamente que se pode até fazer piada com minorias – ele mesmo não gosta desse tipo de humor, mas nem por isso deseja proibi-lo. “Não é porque você se sentiu ofendido que aquilo não pode ser dito”, escreveu Porchat.

Porchat deu um recado firme aos que apoiam a censura judicial: “Não gostar de uma piada não te dá o direito de impedir ela de existir. Ainda mais previamente. Impedir o comediante de pensar uma piada é loucura. Mesmo que você não goste desse comediante, mesmo que você despreze tudo o que ele diz, ele tem o direito de dizer. Ele tem o direito de ofender. Não existe censura do bem”. Eu acrescentaria que não existe censura inteligente – e isso vale até quando o conteúdo censurado é burro.

O Twitter não é lugar para a sensatez: houve milhares de comentários ensandecidos sobre os tuítes de Porchat. Li um punhado deles. Teve gente espinafrando o humorista por coisas que não tinham relação com o caso: porque Porchat fez o L, ou porque se meteu em uma treta envolvendo um negócio chamado Gkay (não sei bem o que é, mas parece ser um restaurante que serve farofa).

Entre os que discutiam o caso em si, um sujeito afirmou que a censura a Leo Lins é legal, pois “discurso de ódio” é crime – o que é estranho, pois essa expressão não consta no Código Penal. Muita gente atribuía poderes mágicos aos humoristas: contar uma piada pode matar negros e gays, diziam. Uns poucos tiveram a honestidade de admitir que são favoráveis à censura. A maioria disse que é contra, mas que ideias perigosas e piadas ofensivas têm, sim, de ser vetados.

O triste é constatar que a racionalização da censura não é só coisa de palpiteiros. Está consolidada no Judiciário brasileiro. É como se as sentenças que tratam dos tão falados limites à liberdade de expressão fossem redigidas por um algoritmo que consolida a opinião corrente no Twitter. Aliás, o bordão que Alexandre de Moraes vem repetindo em pronunciamentos públicos e em decisões judiciais é um tuíte pronto: “Liberdade de expressão não é liberdade de agressão!”.

Agressão” pode ser tudo e qualquer coisa. O mesmo vale para “ofensa“. Nesses termos simplistas, é fácil justificar, por exemplo, a censura imposta em primeira instância ao especial de Natal do Porta dos Fundos, em 2020: o especial é uma agressão ao Evangelho que ofende os cristãos. Ou é uma ofensa ao Evangelho que agride os cristãos.

Em 2020, o STF reverteu a decisão censória. Eu espero – sem muita esperança – que o mesmo aconteça com Léo Lins. Embora não tenha interesse em ver seu show.

 

Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor

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  1. "Mas respeito ainda menos quem se ofende com Lins. E desprezo quem deseja calá-lo." Para uma sociedade madura isso seria um consenso básico de convivência social. Infelizmente temos uma legião de ditadorezinhos virtuais, sinalizadores de virtude e ofendidos profissionais que não entendem o básico sobre liberdade e cidadania. Quanto ao Porchat, você não deve conhecer muito bem a figura e acabou se precipitando. O cidadão já voltou atrás após as críticas choverem sobre ele.

  2. Gostei do texto e concordo contigo. O que fica evidente no contexto atual é a justiça querer espurgar a DIREITA. Se fosse um notório esquerdista falando e fazendo as mesmas coisas não seria tratado dessa forma. Então é censura política, muito mais do que uma censura realmente para proteger as pessoas vulneráveis pelas quais ele brinca de forma que eu também não concordo. Antes a censura fosse mais para proteger os vulneráveis de piadas sem graça , aí tudo bem, mas sabemos que é 90% politico.

  3. O crime deveria estar nas pessoas mal intencionadas que tiram a piada do contexto, do palco, e levam para que outros se "ofendam" com o que foi dito.

  4. Concordo e discordo com aquilo que foi dito pelo Jerônimo. Leo Lins, ao que tudo indica (assim como Danilo Gentili) é totalmente imparcial nas suas piadas que costumam ser de humor negro*.

  5. Gosto não se discute mas sem dúvida a censura é uma tragédia. O comediante faz a piada que quiser e quem não quiser ouvir que não dê audiência simples assim.

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