A nova face da destruição criativa

09.11.18

Há um bairro em Nova York — que começou a ficar descolado nos anos 90 — chamado Meatpacking District.

Uma região originalmente de açougueiros foi transformada em lar para start-ups de tecnologia, butiques de design, restaurantes badalados e, em consequência, veio também a tal da gentrificação.

O Meatpacking ficou muito marcado por essa transformação, mas essa tendência de reinvenção está adquirindo velocidade estonteante.

Mais para o Norte de Manhattan, a Universidade Columbia gerou um grande levantamento de recursos (US$ 6,3 bilhões) por meio de doações para a sua expansão física em direção ao Harlem. Comprou quadras e mais quadras de um bairro chamado Manhattanville e lá sediará novas unidades — dedicadas, por exemplo, ao estudo multidisciplinar do cérebro.

Na Roosevelt Island, a ilhota no meio do East River sobre a qual se estende a ponte Queensborough, metade da área já é ocupada pela Cornell Tech — o braço daquela universidade que tenta estabelecer em Nova York um modelo semelhante ao do MIT.

E há dois dias a Amazon anunciou que provavelmente instalará em Long Island City um novo quartel-general. O Governador de Nova York, Andrew Cuomo, ficou tão entusiasmado com a notícia que disse que mudaria seu nome para “Amazon Cuomo”.

Nova York está reinterpretando o que significa “reindustrializar-se”. Sua bússola da reinvenção passa pela seguinte constatação: a quarta revolução industrial decretará, não há dúvida, o fim de certos postos de trabalho, profissões e setores da economia.

Publicidade ou jornalismo, indústria de transformação ou bancos – todos estão desafiados pela ascensão das novas tecnologias. Ganha tração, no entanto, uma tendência em que indivíduos, empresas cidades ou países terão de embarcar. Trata-se do “Reskilling”.

Poderíamos traduzir o termo como “recapacitação”, “retreinamento” ou “construção de novas habilidades”. Mas, como bem argumenta a ex-primeira-ministra da Finlândia Mari Kivienemi (atual vice-diretora da OCDE), “Reskilling” é quase uma “refundação”. E disso o seu país entende.

Até há pouco, graças a suas políticas de educação criativa e maciços investimentos em pesquisa e desenvolvimento, a Finlândia era “o” hub inovador da telefonia celular, de que a Nokia era sobressalente exemplo.

Atropelada pela ascensão irresistível da Apple e do sistema iOS, a Nokia –e a Finlândia– tiveram de se reinventar e “reabilitar-se” em outras áreas também intensivas em tecnologia e criatividade. A ponta mais visível dessa exitosa dinâmica de “Reskilling” da Finlândia foi o país ter se convertido em anos recentes num dos mais produtivos hubs da indústria de games do mundo.

Essa é, portanto, uma outra face do “Reskilling” como imperativo do mundo atual. Com educação básica horizontalizada e percentual importante do PIB destinado a ciência e tecnologia, fica menos difícil para um indivíduo, uma empresa ou um país não apenas transformar, mas também multiplicar as suas vocações.

Engenheiros equipados com ferramentas tecnológicas de design levam vantagem competitiva ante antigos profissionais de criação em agências de publicidade tradicional. Empresas de rede social podem converter-se em companhias de mídia jornalística ou diagnósticos médicos a distancia. Aplicativos de navegação no trânsito têm chances de ocupar fatias do mercado de crédito anteriormente reservadas apenas a grande conglomerados bancários.

Nesse universo das reinvenções, Dubai deixa de ser um polo do petróleo e gás para irradiar serviços financeiros e indústria do entretenimento. A China torna-se grande produtora de peixes de rio brasileiros (sim, os chineses hoje produzem mais pescados de água doce do que nós).

Não há nada mais desafiador para a sociedade contemporânea do que lidar com o inescapável retreinamento de sua força de trabalho, a imprescindível metamorfose de suas empresas e o caráter multivocacional das nações. O “Reskilling” é a nova face da destruição criativa.

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