O candidato a lobista-geral da República
Na véspera da cassação do petista José Dirceu, em dezembro de 2005, um deputado federal que participaria da votação secreta no dia seguinte recebeu um telefonema em que o interlocutor o convidava para uma reunião que ocorreria horas depois em uma mansão no Lago Sul, em Brasília. Ao chegar, lá estavam Dirceu, Luiz Eduardo Greenhalgh, seu advogado e correligionário, e o dono da casa e autor do telefonema: o carioca Paulo Marinho, hoje um dos empresários mais próximos do presidente eleito, Jair Bolsonaro. A ideia era tentar angariar votos para impedir a iminente cassação. Marinho, amigo de Dirceu, estava empenhado na missão, que se mostraria infrutífera.
Hoje com 66 anos, o empresário que se apresenta simplesmente como “consultor” desembarcou em Brasília ainda durante o governo Lula para fazer dinheiro com a ascensão do petismo ao poder. Não demorou muito para que conseguisse se aproximar da cúpula do governo. Em especial de José Dirceu, que logo passaria a ser assíduo frequentador da casa que ele montou em uma das regiões mais exclusivas da capital. A estratégia de aproximação deu tão certo que Marinho passou a ser acionado até para tarefas de interesse do próprio PT e do governo. No auge da era Lula, por exemplo, fez contatos com empresários interessados em viabilizar o notório filme em homenagem ao ex-presidente — sim, o homem de Bolsonaro já foi um lulista empenhado.
Jeitoso, Marinho se encostou na cúpula petista no auge de sua parceria com o empresário Nelson Tanure, que o escalou para ser seu longa manus em Brasília. O polêmico Tanure, conhecido por farejar negócios que vão mal das pernas, havia acabado de arrendar a Gazeta Mercantil e o lendário Jornal do Brasil, já em sua fase final de existência. Marinho foi incumbido de representar as duas publicações em Brasília. Era um atalho inteligente para fazer chegar ao poder os interesses de ambos (depois, Tanure também se aventuraria, sem sucesso, na tentativa de recuperar a Varig).
A pretexto de representar institucionalmente os dois jornais, Marinho tinha acesso a informações, a políticos e a autoridades relevantes. Com frequência, realizava animadas recepções em sua casa. Ele ficou em Brasília de 2003 a 2006. Foi graças às relações dessa época que ele conseguiu ganhar um bom dinheiro com os negócios que representava. Com o mesmo Tanure, fez um acordo de cifras milionárias envolvendo processos nos quais a Petrobras – sim, a Petrobras – era parte.
A parceria virou litígio. Marinho e Tanure passaram a protagonizar disputas milionárias na Justiça. Em jogo, os valores das comissões dos negócios que fizeram juntos. Tanure alegava que Marinho levara mais do que o combinado no acerto envolvendo a Petrobras, por exemplo. Em fevereiro deste ano, o Tribunal de Justiça do Rio entendeu que os valores estavam corretos. Recentemente, os parceiros se reconciliaram e, agora, estão finalizando um acordo para pôr fim à batalha jurídica.
Em Brasília, nos tempos em que plantou os negócios que lhe renderiam as polpudas comissões, Paulo Marinho mantinha uma intensa relação com o universo político. Passaram por sua casa gente como José Sarney e Dilma Rousseff, na ocasião, respectivamente, presidente do Senado e ministra de Minas e Energia. Um dos negócios que ele intermediava era a compra da Varig. “A missão oficial dele era abrir portas para o Jornal do Brasil, mas ele sempre atuou como lobista do Tanure”, diz um conhecido de Marinho, da alta sociedade do Rio. “Sempre foi uma gazua, um homem que abre portas, com competência, jeito, charme. Ele gosta de conversar o que as pessoas gostam de ouvir.”
Passados alguns anos, Paulo Marinho afastou-se do PT para então apostar no tucano João Doria, até finalmente desembarcar no ninho de Bolsonaro. Com fama de bon vivant no Rio de Janeiro, foi se aproximando do capitão da reserva à medida que percebia que aumentavam as suas chances de se eleger presidente. Já estava colado na família quando conseguiu virar suplente de Flavio Bolsonaro, eleito senador. Ao longo da campanha, exerceu papel de destaque no comitê do hoje presidente eleito. Abriu as portas de sua mansão no Jardim Botânico para que Bolsonaro fizesse encontros políticos e gravasse ali as peças de sua propaganda, em estúdio improvisado no lugar onde antes ficavam aparelhos de musculação.
O empresário-lobista agradou tanto Bolsonaro que, com a bênção dele, foi acomodado como primeiro suplente de seu filho candidato ao Senado. Começaria ali o primeiro dos tensionamentos na campanha que devem ser transferidos para o governo. Flávio e os irmãos políticos, Eduardo, deputado federal por São Paulo, e Carlos, vereador no Rio, passaram a se incomodar com a crescente influência de Marinho e de Bebianno sobre o seu pai. Todos negam, por óbvio, que haja conflitos relevantes. Mas os filhos de Bolsonaro detestaram, por exemplo, quando André, filho de Paulo Marinho, se anunciou na imprensa como o intérprete da conversa telefônica que o presidente eleito teve com Donald Trump. No dia da eleição , Bebianno declarou à imprensa que o diálogo fora traduzido por André Marinho, um youtuber de 24 anos que sonha com carreira política. Três dias depois, Carlos Bolsonaro rebateu a versão no Twitter: “Quem traduziu a conversa entre Bolsonaro e Trump jamais foi a pessoa mencionada, mas outra que fez de coração e quis somente ajudar”. Saia justa.
A própria suplência de Paulo Marinho na chapa de Flávio Bolsonaro não foi bem recebida pelos filhos. Ainda mais com a ideia colocada em circulação por Gustavo Bebianno de que Marinho gostaria de assumir a vaga no Senado. Segundo essa versão, Marinho quer o cargo para ter mais liberdade de circular por Brasília. Afinal, sem posição na estrutura oficial, será mais difícil explicar visitas frequentes ao Planalto e reuniões com interessados em assuntos do governo. Flavio Bolsonaro não admite abrir passagem para Marinho assumir sua cadeira no Senado. Apesar dos entreveros, a dupla Bebianno-Marinho segue com prestígio junto ao presidente eleito. E, por ora, Marinho continua como consultor no Rio, onde atua em negociações de empresas e imóveis. Ele nega ter interesse em cargos (leia entrevista).
O receio em certas rodas em Brasília e no Rio é o de que um filme já passado na história recente se repita: o do empresário próximo ao núcleo do poder cujos lobbies e transações se transformam depois em crise política. Foi assim com Paulo César Farias, o arrecadador de campanha de Fernando Collor em 1989. Foi assim com Marcos Valério de Souza, o gerenciador de contas de publicidade que deu origem ao mensalão no governo Lula em 2005.
O candidato a despachante do futuro governo — ou a lobista-geral da República — sempre usou com eficiência o seu dom de seduzir. Antes de apoiar Bolsonaro, seu favorito para o posto de presidente da República era João Doria, como já foi dito, de quem é amigo e para quem chegou a promover jantares com o objetivo de alavancar apoios. André, seu filho multitarefas, é presidente do Lide Futuro Rio de Janeiro, o braço jovem da organização empresarial que fez a fama do tucano paulista. Paulo Marinho também é figura frequente no gabinete do prefeito do Rio, Marcelo Crivella. O prefeito é ligado à igreja Universal, do bispo Edir Macedo, que apoiou Bolsonaro na campanha e que controla o PRB, partido que já aderiu ao futuro governo. Marinho vê na proximidade de Bolsonaro e Crivella um atalho para amplificar seus negócios na área de turismo no Rio. Até aqui, a estratégia tem dado certo. Seu outro filho, Danyel, conseguiu entrar na sociedade que irá construir uma roda-gigante na cidade. Paulo Marinho articula com Crivella um projeto de revitalização do Jardim de Alá, um parque encravado entre Ipanema e Leblon, uma das mais nobres áreas da capital fluminense.
Embora ele atue em tantas frentes ao mesmo tempo, dificilmente o nome de Paulo Marinho aparece em seus negócios. Sua declaração de bens apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral soma apenas 752 mil reais, um valor baixo a se considerar o seu padrão de vida. No TSE, aliás, está registrado que ele não tem curso superior. A faculdade dele é a da vida.
No campo dos negócios propriamente ditos, o padrinho de Paulo Marinho foi Ronaldo Xavier de Lima, à época casado com Marta Rocha, ex-miss Brasil. Lima o convidou para dar expediente na sua companhia de seguros quando Marinho tinha apenas 14 anos de idade. Depois, trabalhou com o empresário Roberto Medina, criador do Rock in Rio. Ele costuma dizer que foi o fracasso econômico de seu pai, que perdeu dinheiro após desavenças com um sócio e obrigou a família a mudar-se de Ipanema para um pequeno apartamento em Copacabana, que o tornou obcecado por ganhar dinheiro.
Paulo Marinho, no entanto, só virou figura carimbada mesmo nas colunas sociais depois de se casar com a esplêndida Odile Rubirosa, viúva do playboy dominicano Porfírio Rubirosa. Morou com ela em Paris, período em que foi apresentado ao jet set internacional. Depois da separação, casou-se com a também atriz Maitê Proença, com quem tem uma filha. Foi ele, inclusive, que negociou com a Playboy o cachê de Maitê quando ela topou posar para a revista, em 1982. Separaram-se depois de doze anos. “Paulo é pai de minha filha. Fomos apaixonados há trinta anos e continuamos amigos. É amigo dos amigos, e é um homem bom”, limitou-se a dizer Maitê Proença a Crusoé, ao ser indagada sobre o ex-marido.
Em dezembro do mesmo ano do ensaio com a então mulher de Paulo Marinho, a Playboy colocava em sua capa a apresentadora Xuxa Meneghel. E Marinho, ávido por holofotes, era o entrevistado daquela edição. Na ocasião, ele sintetizou a sua obsessão por dinheiro. “Algumas vezes, logo que a gente acabava o ato sexual (com Odile), eu corria pro telefone para resolver algum negócio”, afirmou. Hoje, Marinho garante que sabe separar interesses. A ver.
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