Napoleão Maia: no detalhe, o famoso gesto da degola na sessão em que ele invocou a "ira do Profeta" contra aqueles que suspeitam de sua conduta (Adriano Machado/Crusoé e Reprodução/TV Justiça)

A Lava Jato dá um passo sobre o Judiciário

A procuradora-geral da República pediu ao Supremo a abertura de investigação para apurar ligações suspeitas da cúpula da holding da JBS com o ministro Napoleão Maia, do Superior Tribunal de Justiça. Uma advogada de Brasília, apontada como o elo do grupo nos tribunais, também será alvo da apuração. Mensagens mostram que ao menos intimidade ela exibia com poderosos de toga
18.05.18

Repousa sobre a mesa do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, um pedido da Procuradoria-Geral da República para abrir oitenta novas frentes de investigação a partir de depoimentos complementares prestados pelos delatores da J&F, a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Alguns dos novos procedimentos seguirão para a primeira instância, outros para tribunais regionais e outros ainda ficarão no próprio Supremo, por envolver autoridades com foro privilegiado. Desses, um em especial tende a inaugurar uma portentosa frente de investigação, focada na relação do grandioso esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato com tentativas de compra de decisões em tribunais superiores.

O ponto de partida do pedido é um anexo complementar da delação premiada de Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico da holding da JBS. Francisco entregou esse anexo à Procuradoria em 12 de setembro do ano passado. Seis dias antes, tinha chegado às mãos dos investigadores um conjunto de arquivos que mostrava sucessivos movimentos dos advogados a serviço da JBS, Francisco à frente, para tentar comprar sentenças em importantes gabinetes das cortes de Brasília. O diretor jurídico do grupo, já sabendo do alto grau de octanagem do material, e ciente de que ele mesmo era um dos personagens centrais das histórias ali contidas, correu para emendar o que havia falado. Como tinha um acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria, Francisco precisava contar o que sabia também sobre esse assunto. Do contrário, poderia perder os benefícios da delação.

No documento enviado ao ministro Fachin na semana passada requerendo a abertura da nova frente de investigação, a procuradora-geral Raquel Dodge relaciona o anexo complementar de Francisco de Assis ao ministro Napoleão Nunes Maia, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e à advogada Renata Gerusa Prado de Araújo. Dodge pede, especificamente em relação a esses dois personagens, a instauração de uma PET, ou petição, um tipo de procedimento investigatório. A advogada Renata Prado de Araújo, filha de uma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e dona de uma discreta banca, é conhecida por suas estreitas ligações com o mundo jurídico da capital. Por essa sua qualidade, ela angariou bons contratos. Um deles era com a JBS. Renata e Francisco fizeram uma parceria de sucesso, destinada a ganhar os processos de interesse das empresas do grupo, muitos deles milionários.

ReproduçãoA advogada Renata Araújo em foto publicada em suas redes sociais: relações suspeitas (Reprodução)
A engrenagem começou a emperrar quando Renata e seu ex-marido, o empresário Pedro Bettim Jacobi, entraram num tormentoso processo de separação. Conhecedor dos bastidores do escritório, Jacobi resolveu copiar e-mails, documentos e mensagens de WhatsApp da ex-mulher que explicavam, em minúcias, os segredos de seu sucesso como advogada nos tribunais de Brasília. O empresário juntou tudo em HD’s externos e entregou uma cópia às autoridades. Uma parte do material, já conhecida, revela como a advogada tinha livre acesso a ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e gozava da intimidade de alguns deles. Com Napoleão Maia, que encabeça junto com ela o novo pedido de investigação feito pela procuradora-geral, Renata costumava trocar mensagens. Em um e-mail, o ministro mandou para a advogada um poema que acabara de escrever. Em homenagem a ela.

Na outra ponta dessa relação, Francisco de Assis, o diretor da J&F, se aproveitava dessa proximidade para fazer com que ela rendesse vitórias judiciais à companhia. Ao tratar de um processo em que a JBS tentava no STJ reverter o bloqueio de 73 milhões determinado pela Justiça de Mato Grosso, Francisco usa palavras desabonadoras para se referir a Napoleão Maia. Em uma mensagem, sugere que a decisão estava demorando porque o ministro queria “participação nos honorários”. Napoleão acabou por desbloquear o valor, embora tenha negado outros pedidos da empresa.

Valter Campanato/Agência BrasilO ministro Fachin, relator da Lava Jato no Supremo: ele deve autorizar em breve o pedido da PGR (Valter Campanato/Agência Brasil)
No material há menções, ainda, a estratégias montadas por Francisco e Renata para tentar ganhar outros processos. Em um dos casos, eles combinam de subcontratar o escritório da filha de João Otávio Noronha, também ministro do STJ e atual corregedor nacional de Justiça. As tratativas incluem referências a percentuais e a valores a serem pagos a intermediários em caso de êxito nas ações. Noronha julgaria um processo do grupo — ele acabou decidindo contrariamente aos interesses da turma da JBS. Essa parte do material, que já veio à luz, está nas mãos da Procuradoria. Outra, ainda inédita e à qual Crusoé teve acesso, traz novos detalhes dos métodos ousados utilizados por Renata para obter facilidades no STJ. Para além da proximidade com o próprio Napoleão Maia, a advogada pedia favores – e costumava ser atendida – a um funcionário da confiança do ministro. William Bernardes, o Will, é o “capinha” de Napoleão. Assim são chamados, no jargão dos tribunais, aqueles auxiliares que acompanham os magistrados durante as sessões para ajudá-los no que precisarem. Normalmente, os “capinhas” exercem funções triviais. Estudante de direito e filho de um ex-segurança de Napoleão, Will dá a entender que faz um pouco mais do que apenas carregar processos e puxar a cadeira para o ministro.

Não se sabe, até o momento, se o assessor agia por conta própria ou contava com outros parceiros no tribunal, mas sempre que a advogada lhe pedia para obter informações sensíveis sobre processos de seu interesse (os da JBS e também os de outros clientes), ele se mostrava diligente. Estranhamente, Renata tratava com o “capinha” até mesmo de decisões que viriam a ser proferidas, por Napoleão e por outros ministros. “Temos que ganhar esse processo da Frangosul”, escreveu a advogada, referindo-se a uma das empresas do conglomerado da JBS. “Eles precisam muito. Daí cobramos bem”, emenda ela. William responde com repetidas exclamações: “Beleza!!!”. Em outra situação, depois de trocar informações de mais um processo, ele diz estar precisando de dinheiro, e completa: “Quero um carro igual ao seu”.

O “capinha” William, em pé, à esquerda: sempre por perto do chefe (Reprodução)
Só uma investigação criteriosa terá condições de mensurar o grau de relação de Renata com ministros, parentes de ministros e auxiliares de ministros resultava em ganhos reais para os envolvidos. Há sempre que se considerar, evidentemente, a hipótese de a advogada ter vendido – para a JBS e para outros clientes – o que nem sempre podia entregar. Mas o conteúdo dos arquivos entregues pelo ex-marido da advogada à Procuradoria mostra que pelo menos intimidade ela exibia, e faturava alto com isso. A decisão da procuradora-geral da República de pedir a abertura de uma investigação sobre o assunto, portanto, significa que a Lava Jato está diante da oportunidade de avançar sobre a relação de grandes conglomerados empresariais como a holding da JBS — os mesmos que a operação expôs pagando propinas milionárias a políticos — com o topo do Judiciário.

Na quinta-feira 17, Crusoé enviou uma série de perguntas para o ministro Napoleão Maia, o alvo primordial do pedido de investigação feito por Raquel Dodge. Ele não respondeu. Na sessão do tribunal, o ministro fez um sentido desabafo. Disse que “adoeceu” por ter seu nome enredado em investigações – ele não detalhou quais. E aproveitou para criticar a imprensa. “Será que é apenas informação colocar um magistrado na capa de revista apontando que fez esse ou aquele  ilícito? É liberdade de imprensa? Podemos dizer apenas informando e fazendo propaganda psicológica adversa, subliminar contra reputação, conceito, a paz de espírito? Morro de medo disso porque conheço uma pessoa que adoeceu por conta disso. Uma pessoa que vejo todo santo dia de manhã quando faço a barba. Vítima de insídia. Não consegui desfazer isso”, afirmou. William, seu “capinha”, também não respondeu aos questionamentos. Renata Araújo, a advogada, não foi localizada. Espera-se que na investigação a ser instaurada a pedido da Procuradoria-Geral da República as respostas apareçam.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO