A Lava Jato dá um passo sobre o Judiciário
Repousa sobre a mesa do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, um pedido da Procuradoria-Geral da República para abrir oitenta novas frentes de investigação a partir de depoimentos complementares prestados pelos delatores da J&F, a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Alguns dos novos procedimentos seguirão para a primeira instância, outros para tribunais regionais e outros ainda ficarão no próprio Supremo, por envolver autoridades com foro privilegiado. Desses, um em especial tende a inaugurar uma portentosa frente de investigação, focada na relação do grandioso esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato com tentativas de compra de decisões em tribunais superiores.
O ponto de partida do pedido é um anexo complementar da delação premiada de Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico da holding da JBS. Francisco entregou esse anexo à Procuradoria em 12 de setembro do ano passado. Seis dias antes, tinha chegado às mãos dos investigadores um conjunto de arquivos que mostrava sucessivos movimentos dos advogados a serviço da JBS, Francisco à frente, para tentar comprar sentenças em importantes gabinetes das cortes de Brasília. O diretor jurídico do grupo, já sabendo do alto grau de octanagem do material, e ciente de que ele mesmo era um dos personagens centrais das histórias ali contidas, correu para emendar o que havia falado. Como tinha um acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria, Francisco precisava contar o que sabia também sobre esse assunto. Do contrário, poderia perder os benefícios da delação.
No documento enviado ao ministro Fachin na semana passada requerendo a abertura da nova frente de investigação, a procuradora-geral Raquel Dodge relaciona o anexo complementar de Francisco de Assis ao ministro Napoleão Nunes Maia, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e à advogada Renata Gerusa Prado de Araújo. Dodge pede, especificamente em relação a esses dois personagens, a instauração de uma PET, ou petição, um tipo de procedimento investigatório. A advogada Renata Prado de Araújo, filha de uma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e dona de uma discreta banca, é conhecida por suas estreitas ligações com o mundo jurídico da capital. Por essa sua qualidade, ela angariou bons contratos. Um deles era com a JBS. Renata e Francisco fizeram uma parceria de sucesso, destinada a ganhar os processos de interesse das empresas do grupo, muitos deles milionários.
Na outra ponta dessa relação, Francisco de Assis, o diretor da J&F, se aproveitava dessa proximidade para fazer com que ela rendesse vitórias judiciais à companhia. Ao tratar de um processo em que a JBS tentava no STJ reverter o bloqueio de 73 milhões determinado pela Justiça de Mato Grosso, Francisco usa palavras desabonadoras para se referir a Napoleão Maia. Em uma mensagem, sugere que a decisão estava demorando porque o ministro queria “participação nos honorários”. Napoleão acabou por desbloquear o valor, embora tenha negado outros pedidos da empresa.
Não se sabe, até o momento, se o assessor agia por conta própria ou contava com outros parceiros no tribunal, mas sempre que a advogada lhe pedia para obter informações sensíveis sobre processos de seu interesse (os da JBS e também os de outros clientes), ele se mostrava diligente. Estranhamente, Renata tratava com o “capinha” até mesmo de decisões que viriam a ser proferidas, por Napoleão e por outros ministros. “Temos que ganhar esse processo da Frangosul”, escreveu a advogada, referindo-se a uma das empresas do conglomerado da JBS. “Eles precisam muito. Daí cobramos bem”, emenda ela. William responde com repetidas exclamações: “Beleza!!!”. Em outra situação, depois de trocar informações de mais um processo, ele diz estar precisando de dinheiro, e completa: “Quero um carro igual ao seu”.
Na quinta-feira 17, Crusoé enviou uma série de perguntas para o ministro Napoleão Maia, o alvo primordial do pedido de investigação feito por Raquel Dodge. Ele não respondeu. Na sessão do tribunal, o ministro fez um sentido desabafo. Disse que “adoeceu” por ter seu nome enredado em investigações – ele não detalhou quais. E aproveitou para criticar a imprensa. “Será que é apenas informação colocar um magistrado na capa de revista apontando que fez esse ou aquele ilícito? É liberdade de imprensa? Podemos dizer apenas informando e fazendo propaganda psicológica adversa, subliminar contra reputação, conceito, a paz de espírito? Morro de medo disso porque conheço uma pessoa que adoeceu por conta disso. Uma pessoa que vejo todo santo dia de manhã quando faço a barba. Vítima de insídia. Não consegui desfazer isso”, afirmou. William, seu “capinha”, também não respondeu aos questionamentos. Renata Araújo, a advogada, não foi localizada. Espera-se que na investigação a ser instaurada a pedido da Procuradoria-Geral da República as respostas apareçam.
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