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A marcha da insensatez

O que há por trás da caravana de migrantes que, incitada por um líder de esquerda hondurenho, serve de massa de manobra para provocar Donald Trump na fronteira dos Estados Unidos com o México
23.11.18

Na ponta noroeste do México, a cidade de Tijuana costumava ser o local em que jovens americanos com menos de 21 anos podiam cair na bebedeira e voltar para casa no dia seguinte sem ficar com medo da polícia. Com o aumento da criminalidade no país nos últimos anos, o trânsito diário no posto fronteiriço da estrada, que tem dezenas de faixas para carros, acabou se concentrando nos executivos que dirigem fábricas ao sul da fronteira e parentes que vão e voltam para visitar suas famílias. Com 2 milhões de habitantes, Tijuana é conhecida por acolher bem quem vem de fora. Prova disso é que o estado de Baja California, onde o município se encontra, nunca foi governado por alguém que nasceu lá, mas somente por mexicanos de outros cantos ou por americanos.

Na última semana, as avenidas, albergues e os ginásios da cidade começaram a se apinhar de gente de países da América Central, como Honduras, El Salvador e Guatemala. São os primeiros 2.000 integrantes da caravana de migrantes que saiu de San Pedro Sula, em Honduras, há mais de 40 dias, com destino aos Estados Unidos. No total, cerca de 25.000 estão sendo esperados. Como o número de gente foi crescendo, os moradores da cidade protestaram. Em torno de cinquenta deles saíram às ruas no domingo, 18, em uma manifestação contra os recém-chegados. “Fora, hondurenhos”, diziam. “Aqui somos pobres. Comemos feijões.”

Reprodução/Redes sociaisReprodução/Redes sociaisBartolo Fuentes, o aliado de Zelaya: proselitismo e projeção à custa dos outros
A referência gastronômica vem de um depoimento que a hondurenha Miriam Celaya deu para o canal de televisão alemão Deutsche Welle de dentro de um dos albergues de Tijuana. Com um pote com feijões refritos (fritos duas vezes) nas mãos, ela disse ao microfone: “A comida que estão dando aqui é… fatal. Olhe só os feijões puros, moídos como se eles estivessem dando comida aos porcos”. Acontece que os frijoles refritos são um prato que não pode faltar à mesa mexicana. Por causa disso, o vídeo de Miriam alimentou a revolta contra os migrantes.

Honduras é a terra onde os porcos se banqueteiam com feijões. É também o local com uma das taxas de assassinatos mais altas do mundo, cerca de 59 para cada 100 mil habitantes, o dobro da brasileira. É ainda o país do ex-deputado Bartolo Fuentes, do partido Libre, que teve a ideia de incitar caravanas de migrantes para os Estados Unidos de tempos em tempos. Fuentes é do partido de Manuel Zelaya, o ex-presidente que foi tirado de pijama do poder e se refugiou na embaixada brasileira na capital Tegucigalpa. De dentro desse prédio, ele dizia estar sendo vítima de raios de micro-ondas, que lhe causavam dores de cabeça. Sua ascensão política foi impulsionada pelo venezuelano Hugo Chávez, que morreu em 2013. Depois disso, Zelaya, com seu chapéu de caubói, continuou próximo do ditador Nicolás Maduro e do nicaraguense Daniel Ortega.

Com a caravana, Bartolo Fuentes não apenas ajudou a ofuscar a repressão de seus amigos que governam a Venezuela e a Nicarágua como também fustigou o presidente de seu país, Juan Orlando Hernández, alinhado com a direita — e provocar Donald Trump, claro. Na Guatemala, Fuentes foi preso quando comandava a caravana. Ele entrara no país de maneira ilegal. Detido, foi deportado para Honduras. Como o Ministério Público hondurenho abriu um processo contra ele, o agitador fugiu para El Salvador. Na sequência, foi participar de um seminário sobre migração no México. Com o tempo, a Justiça de Tegucigalpa preferiu deixar o assunto de lado. “Apesar das evidências contra ele, os promotores preferiram não fazer o indiciamento. A vitimização só acabaria por fortalecê-lo e deixaria a oposição nacional ainda mais violenta”, diz o cientista político Edgardo Rodriguez, da Universidade Nacional Autônoma de Honduras.

Geralt/PixabayGeralt/PixabayDonald Trump: ele mandou tropas para a fronteira
A marcha teve início com cerca de 700 pessoas empunhando cartazes contra o governo de Honduras e reclamando da alta criminalidade. Mas rapidamente as palavras de ordem desapareceram. O que de fato motivava as famílias, massa de manobra útil aos planos políticos de Fuentes e companhia, não era tanto seu viés partidário e sim a possibilidade de atravessar o México de forma segura para ter uma vida melhor nos Estados Unidos. Para os migrantes, a atenção da mídia internacional e de ONGs de direitos humanos funciona como um escudo contra os grupos criminosos mexicanos, que extorquem, sequestram e matam os que ousam passar em seu território. Muitos dos centro-americanos já fizeram algumas tentativas frustradas pelo México ou até já foram deportados de cidades americanas. Eles conhecem as dificuldades que existem pelo caminho e aproveitaram a oportunidade assim que ela apareceu. Mas foram, aos poucos, sendo abandonados pelos incentivadores da marcha.

Sem um líder que os guie ou uma associação por trás, os migrantes penaram com a falta de estrutura da caravana. Famílias com crianças pequenas se queixaram da falta de comida, de banheiro e de lugar para ficar. Segundo o Instituto Nacional de Migração de Honduras, quase 7000 retornaram ao país. Desses, 513 tinham menos de 6 anos.

Em Tijuana, os migrantes que chegam aos poucos estão perdidos. Não sabem o que fazer. Alguns esperam a chance para pedir asilo. O presidente americano Donald Trump decretou que os migrantes não poderiam entrar ilegalmente no país e requerer a condição de asilados, forçando todos a esperar do lado de fora. Na segunda, 19, um juiz federal bloqueou temporariamente a ordem da Casa Branca. Mas o asilo só é dado para quem foge de um risco iminente de morte, e tal necessidade não é fácil de provar. Assim, cresce entre o grupo a perspectiva de aguardar a chegada de todos tentar entrar de uma vez nos Estados Unidos, assim como foi feito na fronteira sul com a Guatemala. O caminho seria o posto fronteiriço na estrada que une os dois países, e os migrantes correriam na contramão dos carros. Como os americanos poderiam agir para conter o fluxo, as consequências seriam imprevisíveis e a ideia ainda encontra muita relutância.

“O mais provável é que, depois de alguns meses, esses migrantes sejam incorporados à nossa sociedade, da mesma maneira como aconteceu com os haitianos há dois anos”, diz o cientista político mexicano Pablo Yáñez Placencia, de Tijuana. Em termos absolutos, o total de integrantes da caravana, 25 000 pessoas, não parece assim tão grande. Por ano, passam por essa cidade 500.000 migrantes centro-americanos com o objetivo de entrar nos Estados Unidos. Empresários locais já anunciaram que existem 22.000 vagas abertas nas maquilas, as fábricas que usam mão-de-obra barata e exportam principalmente para os Estados Unidos. “As manifestações xenófobas que aconteceram recentemente não foram representativas. Tijuana continuará sendo uma cidade acolhedora”, diz Yáñez.

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