O ataque da velha política
Renan Calheiros quase morreu. Evoluiu de uma gripe na campanha eleitoral para uma pneumonia nos últimos dias. Uma médica do Senado lhe receitou um antibiótico de última geração. Após uma reação alérgica, ele piorou. Ficou internado dois dias na UTI de um hospital de Brasília. De lá, mesmo com a saúde precária, criticou em sua conta no Twitter a decisão de Sergio Moro, futuro ministro da Justiça, de criar novas secretarias por medida provisória “sem conversar com o Legislativo”. No dia seguinte, ainda combalido, mas já de volta ao Congresso, Renan protagonizou um embate barulhento com um senador que articula para que a eleição para a presidência do Senado, em fevereiro, se dê por voto aberto. Ao seu melhor estilo, o alagoano partiu para o ataque. Mencionou uma velha acusação feita ao colega, e já arquivada, de agressão à ex-mulher. Insinuou que o caso ainda pode parar no Conselho de Ética. E ainda mandou uma indireta para a líder de seu partido, Simone Tebet, postulante como ele à presidência da casa. Deixou claro que, se não for o indicado da bancada, ele pode concorrer mesmo assim. A movimentação do enfermo Renan do hospital para as redes sociais e, depois, para o carpete azul do Senado é muito significativa. O emedebista é o retrato acabado dos últimos movimentos da velha política para se manter firme e forte, com seus privilégios garantidos, nestes tempos em que os brasileiros exigem mudanças de comportamento dos poderosos.
Alvo de 14 procedimentos criminais por crimes como o de corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente do Senado tornou-se ponta de lança da reação ao futuro trabalho de Moro no Ministério da Justiça, que desde já causa calafrios especialmente entre as excelências mais enroladas. Se já era um estorvo para os políticos como juiz federal em Curitiba, agora que trabalhará a poucos metros da Praça dos Três Poderes, e com uma caneta muito mais carregada, Moro incomoda ainda mais. Não apenas pelo seu plano de endurecimento do combate à corrupção, mas também pela força que sua figura popular dá a uma agenda que não interessa muito à turma acostumada a antigos e maus hábitos. É um oponente robusto que se coloca para uma queda de braço que o universo político não estava habituado a enfrentar.
A reação da velha política tem se manifestado em diferentes frentes. E Renan, por uma série de fatores, é o rosto mais vistoso desse movimento. Primeiro, porque muitos dos outros players que compartilham dos mesmos interesses estão afastados do front. Ele acaba de garantir sua cadeira no Senado por mais oito anos, posto que promete usar como trincheira. O emedebista, ex-líder estudantil ligado ao Partido Comunista do Brasil, está na política há 40 anos. Mais da metade desse tempo ele passou no próprio Senado, que presidiu em três ocasiões. Sempre esteve ao lado do governo, qualquer que fosse o governo. É um dos recordistas de investigações da Lava Jato. Atualmente, são doze os inquéritos a que ele responde. Há, ainda, duas denúncias. A despeito dessa ficha corrida, e graças também à sua longa trajetória em Brasília e às relações que construiu, ele tem conseguido conservar a sua força – e está, conforme admitem até seus adversários, cotado para voltar a presidir o Senado. Sua principal bandeira, desfraldada desde já, é garantir a “independência” da Casa, um discurso padrão nas eleições que a cada dois anos definem o comando do Congresso, mas que agora servirá de biombo para a verdadeira guerra que pretende travar e que tem do lado oposto o empoderado ministro da Justiça responsável, como magistrado, por levar para a cadeia grandes nomes da política nacional, como o ex-presidente Lula, aliado de Renan.
O maior temor do senador, por óbvio, é não conseguir número suficiente de apoiadores (para se eleger presidente ele precisa de maioria simples), porque o Senado estará repleto de novatos que talvez não se mostrem interessados nesse tipo de negociata. “Renan está otimista, mas ao mesmo tempo preocupado com as caras novas do Senado que ele não conhece”, disse a Crusoé o ex-governador de Pernambuco e senador eleito Jarbas Vasconcelos. Para ele, o risco à Lava Jato “é permanente”. “Sempre haverá quem tenha o interesse em derrubar os cânones da operação”, concluiu.
Paralelamente à ação de Renan, a velha política também tem se movimentado na Câmara. Alvos da Lava Jato pressionam o presidente da Casa, Rodrigo Maia, a colocar em votação um projeto que flexibiliza a punição a crimes de colarinho branco. Entre outros pontos, a proposta amplia a possibilidade de suspensão de processos e aumenta de oito para nove anos a pena mínima para que um condenado comece o cumprimento em regime fechado. Bem em linha com o que Renan costura no Senado, no estabelecimento vizinho os deputados querem usar a eleição para a presidência, e o plano de Rodrigo Maia de se manter no posto, para barganhar a aprovação do projeto. Também investigado na Lava Jato, Maia, do DEM, tem piscado para a ideia. E cedido também em outras frentes. Na quarta-feira, ele avançou completamente o sinal. Operou para que a Lei de Responsabilidade das Estatais, aquela que tentou dar alguma ordem nas empresas públicas após a descoberta do petrolão, fosse afrouxada. Deu certo. Com a manobra, estará aberta a possibilidade de parentes de ministros e dirigentes partidários participarem de conselhos de administração de estatais, que costumam render altos jetons. Na prática, é mais um avanço proporcionado pela Lava Jato que cai por terra. A proposta agora precisa ser referendada pelo Senado. Eunício de Oliveira, o atual presidente do Senado, também enrolado na Lava Jato e derrotado nas urnas ao tentar a reeleição, quer votar a proposta ainda neste ano.
Com o esforço de agora, quase um ano depois, a ideia era fazer com que o texto e suas benesses voltassem a valer. “Indulto de Temer de 2017 tentou perdoar 80% da pena dos corruptos. STF suspendeu e pode liberar nesta 4ª feira. A corrupção compensará. Este parece que será um fim de ano difícil para a Lava Jato, que continua precisando do seu apoio”, escreveu no Twitter o procurador Deltan Dallagnol, em um esforço para iluminar o estrago que a nova decisão do Supremo poderia causar. O julgamento começou na quarta-feira, 28, e prosseguiu no dia seguinte. Os ministros formaram maioria em favor do indulto, mas a validação do veredicto foi suspensa por um pedido de vista de Luiz Fux. Foi quando Gilmar Mendes sugeriu que, ante a maioria já formada, o texto de Temer já passasse a valer imediatamente. Dias Toffoli, então, também pediu vista e a decisão só valerá quando o debate for retomado. A maioria formada, porém, mostra que as costuras em favor de réus graúdos – e na contramão da Lava-Jato — também encontram eco no Judiciário.
Ainda no STF, Toffoli pautou o julgamento da ação que pretende derrubar a prisão de condenados em segunda instância, considerada uma medida essencial para os investigadores da Lava Jato. O ministro atendeu aos apelos de advogados criminalistas e de políticos que têm pavor da medida. Fontes próximas ao presidente da corte disseram, contudo, que ele apenas cumpriu a promessa feita a alguns de seus colegas, como o ministro Marco Aurélio, de que pautaria o tema logo depois das eleições presidenciais. O maior beneficiário da ação pode ser o ex-presidente Lula, preso desde 7 abril em Curitiba por corrupção e lavagem de dinheiro. Mas pode ser que o petista, preso em Curitiba, não tenha que esperar a ação contra a prisão de condenados em segunda instância.
Na noite desta quinta-feira, 29, o Supremo anunciou que a Segunda Turma julgará na próxima terça um habeas corpus em que a defesa de Lula alega que Sergio Moro, que o condenou, julgou com “clara parcialidade e motivação política”. O mote do pedido é o fato de Moro ter aceitado ser ministro de Bolsonaro. Os advogados o acusam, para variar, de impedir a candidatura de Lula para beneficiar o presidente eleito. A Lava Jato, nestes dias derradeiros de 2018, resiste como pode. E contra-ataca com as armas que tem. Também nesta quinta, o governador do Rio Luiz Fernando Pezão foi preso pela operação, sob suspeita de receber 39 milhões de reais em propina entre 2007 e 2015. O emedebista, um dos tantos interessados nos benefícios da ofensiva liderada pelo correligionário Renan Calheiros, foi surpreendido pelos agentes pouco depois de acordar no Palácio das Laranjeiras, a residência oficial do governador fluminense. Antes de ser levado, pediu para tomar café da manhã. Mas o que eles querem mesmo é uma enorme colher de chá.
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