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Um personagem do Oeste distante

Antes de entrar para a PM, Fabrício Queiroz foi colega de quartel de Jair Bolsonaro no Exército. Os dois se veriam de novo anos mais tarde, depois de um conselho do presidente eleito ao filho Flávio. A história se encarregaria de transformar o reencontro em estorvo
14.12.18

Um processo que aguarda sentença do juiz Eduardo Antonio Klausner, da 7ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro, mostra que a associação entre os policiais militares Fabrício José de Queiroz e Wellington Servulo Romano da Silva é anterior ao trabalho de ambos no gabinete do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro. Eles fazem parte de um grupo de nove PMs que pediu em 2002 para continuar a receber uma vantagem financeira de triste lembrança na história das políticas públicas de segurança do Rio de Janeiro, a chamada “gratificação faroeste”. Era esse o apelido de uma premiação instituída em 1995 pelo então governador Marcello Alencar a policiais e bombeiros que tivessem o desempenho bem avaliado. Após instituído, o número de mortos nos confrontos de policiais com suspeitos de crimes no Rio de Janeiro aumentou. A gratificação foi extinta em 2000. No processo em que pedem a reincorporação do benefício aos vencimentos, chama a atenção a coincidência geográfica: quase todos os policiais que pediam a gratificação faroeste moravam na Zona Oeste do Rio.

A região é conhecida por decidir sempre as eleições no município, graças ao tamanho de sua população. Na campanha de 2018, já no primeiro turno, a Zona Oeste entregou índices de votos ao presidente eleito Jair Bolsonaro sempre superiores a 60% do total válido. É também na Zona Oeste que vota Bolsonaro. E é nela que fica o quartel da brigada de paraquedistas onde o presidente eleito e Fabrício Queiroz serviram juntos na década de 1980, antes de um seguir a carreira política, e o outro, a de policial militar. A entrada de Queiroz no gabinete do filho de Jair Bolsonaro foi uma coincidência, segundo pessoas próximas ao presidente eleito: ele apenas havia recomendado a Flávio que chamasse policiais militares para sua equipe, sem indicar nenhum nome específico. Mas depois que o policial foi para a Assembleia Legislativa, voltou a proximidade com o ex-companheiro de tropa: em sua rede social, Queiroz publicava fotos de ambos pescando ou em churrascos com a família Bolsonaro.  A proximidade foi reconhecida nesta semana em uma live no Facebook em que o presidente eleito disse que sentiu “dor no coração” com a revelação de que Fabrício Queiroz movimentou 1,2 milhão de reais entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.

Epicentro das relações entre os personagens da história e agora catapultada à ribalta da cena política nacional com a ascensão da “República da Barra”, em referência à Barra da Tijuca, onde mora Jair Bolsonaro, a Zona Oeste também é marcada pela pobreza e pela violência dos conflitos entre traficantes e milicianos que disputam o controle de bairros inteiros. No processo de 2002, Servulo informava morar em Realengo, e Queiroz, na Praça Seca. O fato de dois policiais militares morarem em uma região dominada por milícias não significa que necessariamente eles tenham ligação com essa modalidade do crime organizado que coopta agentes da segurança pública. Deveria ser até o contrário. Na verdade, a convocação dos dois por Flávio Bolsonaro, em tese, parecia um atestado de que os dois não tinham problemas em sua ficha.

Os deputados estaduais do Rio costumam chamar para ser seus assessores de gabinete policiais que não tragam problemas por sua atuação pregressa. O que eles fazem depois que entram é outra história, normalmente supervisionada pelo parlamentar que os chamou. Queiroz, o pivô da mais nova dor de cabeça do clã Bolsonaro, mantém a disposição de falar apenas às autoridades. Isso deve ocorrer na semana que vem, no dia 19, quando ele pretende ir ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro prestar esclarecimentos. Até lá, os Bolsonaro ficarão sob a sombra de terem praticado ou serem coniventes com movimentações financeiras destoantes do discurso de incorruptibilidade que os elegeu.

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