Adriano Machado/Crusoé

O futuro da Lava Jato

28.12.18
Márcio Adriano Anselmo

A Operação Lava Jato está prestes a completar cinco anos de sua primeira fase, que foi às ruas em 17 de março de 2014. Certamente é uma das iniciativas mais longevas no combate à corrupção na história recente e irradia seus reflexos não só no Brasil. Autoridades máximas de governos no Brasil e no exterior foram presas ou respondem a processos judiciais, mudanças profundas nas relações privadas se encaminham, assim como uma ampla renovação no quadro político nacional marcou 2018.

Ao longo desse período, os números são surpreendentes: apenas no Paraná, berço da operação, foram quase 900 mandados de busca e apreensão e quase 100 mandados de prisão preventiva. Os inquéritos policiais já embasaram quase 70 ações penais, sendo que 34 delas já foram sentenciadas com condenações a penas de prisão que ultrapassam 1.600 anos.

No Rio de Janeiro, da mesma forma, os números já ultrapassaram 1.000 mandados de busca e apreensão e 120 mandados de prisão preventiva. Os inquéritos policiais embasaram mais de 80 acusações criminais, sendo 46 sentenciadas com 215 condenações, cujas penas de prisão ultrapassam 2.000 anos.

Já no Supremo Tribunal Federal, o número de inquéritos instaurados se aproxima de duas centenas, tendo o trabalho policial embasado o oferecimento de quase 40 denúncias, ainda sem julgamento.

A cooperação internacional também demonstra que as fronteiras não puderam servir de obstáculo à operação, que conta com mais de 100 pedidos de cooperação para 40 países. Jurisdições que nunca haviam auxiliado antes passaram a adotar postura cooperativa e importantes provas foram obtidas por meio desse intercâmbio entre países.

Nesse contexto, a Operação Lava Jato foi um grande passo, mas o importante é não retroceder nesse caminho. A Lava Jato deve ser enxergada como parte de um processo. Não é possível dizer que a operação reduziu a corrupção, mas sim que trouxe à luz um cenário corrupto já existente.

O sistema jurídico, por sua vez, deve garantir que as pessoas sejam responsabilizadas pelos crimes que eventualmente praticaram. Vários degraus foram alcançados nesse período. Veja, por exemplo, a mudança na interpretação acerca da prisão em segunda instância, a restrição ao foro privilegiado e a decisão do STF na ADI 5508 que, em quase unanimidade, entendeu pela legitimidade da polícia judiciária em celebrar acordos de colaboração premiada, entre outros.

A Polícia Federal vive um constante aprimoramento dos métodos de investigação. Tivemos um período de “grandes operações” que muitas vezes acabaram gerando ações penais bastante complexas pela pluralidade de réus e crimes investigados. Nos últimos anos, passamos a operações cíclicas, ou em fases, com resultados mais rápidos e perceptíveis, lastreados em farto material probatório.

Além disso, é importante ampliar cada vez mais a internacionalização dessas investigações, uma vez que, assim como a criminalidade não encontra fronteiras, a persecução penal também não deve ter nas fronteiras da soberania estatal um entrave. Nunca foram recuperados tanto dinheiro desviado, sobretudo no exterior, como nos últimos cinco anos.

É preciso que os órgãos responsáveis pelo combate à corrupção tenham recursos materiais e humanos suficientes. O seu desempenho é diretamente proporcional a isso. A Polícia Federal não é uma despesa, mas sim um investimento enquanto órgão público. Basta ver a quantidade de prejuízo evitado aos cofres públicos e a quantidade de dinheiro recuperado ao longo dos últimos anos.

Apesar de um concurso em andamento, os quadros da PF estão defasados e o efetivo hoje é igual ou menor ao de dez anos atrás. Há uma grande expectativa no preenchimento de todas as vagas existentes no quadro funcional e, assim, na melhora no desempenho de suas atribuições. Um outro ponto extremamente relevante é a previsibilidade orçamentária para os trabalhos policiais. É de capital relevância que a Polícia Federal tenha orçamento suficiente para as suas ações e que ele não possa ser contingenciado.

Paralelamente aos aspectos intrínsecos, deve ser estimulada a completa integração das bases de dados da administração pública federal, assim como a utilização de ferramentas de inteligência artificial e mineração de dados, no monitoramento dos contratos e gastos públicos, facilitando o pronto rastreamento dos recursos e a identificação de possíveis falhas e indicativos de crimes. Tal prática permitiria a resposta do estado sem os entraves burocráticos.

Por fim, para garantir que o caminho do combate à corrupção não tenha retrocessos, deve ser assegurada a plena autonomia do delegado de polícia no exercício de suas funções, sempre em respeito absoluto às leis e à Constituição Federal.

Vivemos muito tempo em um cenário de impunidade generalizada para crimes que envolviam pessoas de alto poder econômico e/ou político. Esse tipo de criminoso tinha a percepção de que não sofreria nenhuma consequência por parte do sistema de justiça criminal. Isso começou a mudar. Hoje, efetivamente, essa sensação de impunidade foi reduzida. No mesmo instante em que alguém cogitar a prática de crimes, será inevitável a reflexão de que poderá ser acordado, ao amanhecer, com a polícia na sua porta.

A frase de Millôr Fernandes anotada na agenda de um dos primeiros presos da operação, “Acabar com a corrupção é o objetivo daquele que ainda não chegou ao poder”, deve ser, para sempre, passado! O futuro deve ser de esperança. Ou, conforme preconizou Mahatma Gandhi, “dependerá daquilo que fazemos no presente”.

Márcio Adriano Anselmo, doutor em Direito, é delegado e coordenador-geral de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro do Departamento de Polícia Federal. Foi o responsável pelo início da Operação Lava Jato, no Paraná.

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