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O mundo pós-Trump sai de
cima do muro

28.12.18
Ana Paula Henkel

“Uma tela, dois filmes” é a expressão criada pelo cartunista Scott Adams, o único ser humano conhecido que consistentemente acertou todas as previsões sobre a eleição americana de 2016, para definir este curioso momento da história em que, dependendo da fonte que se lê, a mesma realidade pode ser vista, analisada e entendida de formas diametralmente opostas. E nada simboliza melhor estes tempos que a presidência de Donald Trump.

Trump é o pior ou o melhor presidente americano dos últimos anos? O mais nacionalista ou um agente russo disfarçado? Um bilionário muito bem-sucedido que conquistou tudo ou um corrupto falido que usa a presidência para enriquecer a família? O líder que mais ajudou as minorias americanas ou um racista xenófobo que defende a supremacia branca? Um patriota que abriu mão de uma vida de confortos inacessíveis a praticamente todos os outros humanos ou um imoral que suborna, trapaceia e ameaça ao ponto de ruborizar até atrizes do cinema adulto? Quem é, afinal, o septuagenário de topete laranja que ocupa a mais poderosa cadeira do mundo?

Desde o anúncio de sua candidatura, Trump era tratado como piada pelos militantes progressistas da imprensa e por grande parte dos analistas e adversários políticos — os suspeitos de sempre, como diria o Capitão Renault de “Casablanca”. Mesmo no dia da sua eleição, Hillary Clinton era tratada como eleita. O anúncio dos resultados seria uma mera formalidade.

Num país em que o voto é facultativo, o papel da militância disfarçada de jornalismo para minar a vontade do eleitor de Trump de sair de casa no dia da eleição nunca poderá ser medida com precisão, mas é evidente que todas as teorias conspiratórias sobre a influência russa para conseguir votos para o atual presidente não são nada perto da comprovável má vontade (ou má-fé) de parte da imprensa contra ele. Mesmo contra tudo e até contra parte da direção do próprio partido, Trump conseguiu interromper oito anos de hegemonia do Partido Democrata que, segundo Obama, iriam “transformar fundamentalmente o país”.

Quando o cenário é tão polarizado, com opiniões tão extremas de todos os lados, minha formação como atleta profissional me faz automaticamente voltar para os números, que é como resolvemos, ao menos em parte, esse tipo de polêmica no esporte. Tal jogador é bom mesmo? Quando não chegamos a um consenso, corremos para suas estatísticas em campo, lembramos de suas conquistas e títulos, nos atrelamos aos números e temos, ao menos, um ponto de partida menos subjetivo para um julgamento mais justo e informado.

Trump é o 45º presidente americano e este espaço é insuficiente para uma comparação mais detalhada com todos os seus predecessores, portanto peço ao leitor desculpas por focar a comparação com Barack Hussein Obama II, não apenas por ele ser o “comandante-em-chefe” imediatamente anterior, mas por ser um político com ideias tão diametralmente opostas ao atual ocupante do Salão Oval da Casa Branca quanto possível neste país. Se o Brasil teve que escolher recentemente entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, garanto a vocês — e não, não estou comparando os personagens — que a diferença entre Donald Trump e Barack Obama não são lá tão menores.

“É a economia, estúpido”, disse James Carville, principal estrategista de Bill Clinton. Começando pelo mais importante e tradicional índice que mede o desempenho das principais ações americanas desde 1896, o Dow Jones Industrial Average, temos durante o governo Trump uma sucessão de recordes de tirar o fôlego. É verdade que Obama recebeu o país em recessão, assim como é verdade que foi eleito em 2008, em parte, por prometer resolver o problema. Durante os oito anos de Obama, o índice patinou e nunca passou dos 20 mil pontos, uma barreira rompida logo no início do governo Trump e que se mantém até hoje, com picos próximos dos 25 mil. Sabemos que bolsas podem ser temperamentais, e apesar de alguns economistas já falarem em um declínio normal depois de tanta abundância, até aqui elas vão muito bem, obrigada.

Um cético poderia dizer que esses são resultados que apenas fazem transbordar os bolsos já cheios dos ricos, talvez esquecendo como a bolsa reflete a economia como um todo, assim como a confiança do investidor no futuro. É preciso, claro, olhar os índices sociais que afetam diretamente as camadas mais baixas de renda do país, como emprego. Os Estados Unidos tem um índice abaixo de 4%, o que os economistas chamam de “pleno emprego”. Sinceramente, em quase dez anos morando nos EUA, nunca vi tantas placas com ofertas de emprego para todas as camadas sociais e perfis de trabalhadores. Hoje, quem quer trabalhar nos Estados Unidos consegue emprego, algo que nem o mais fanático opositor de Trump conseguiria negar. Os números para o desemprego entre latinos são os mais baixos em 17 anos. Já entre negros, os mesmos índices são os mais baixos da história.

Quando se coloca uma lupa nos números de emprego, é impossível não se sentir otimista. O salário médio por hora aumenta consistentemente. Novas vagas são criadas numa velocidade estonteante. E, claro, é importante frisar que as fábricas estão voltando. Os EUA passaram recentemente por um processo conhecido como “desindustrialização”, que é quando as mais diversas indústrias tendem a fechar suas unidades fabris no país para gerar os mesmos empregos em nações com mão de obra em condições econômicas mais favoráveis ao investidor. Trump prometeu “trazer as fábricas de volta”, o que foi tratado com desdém pelos analistas e até por Obama, mas os resultados falam por si.

O atual presidente é o mais velho ao assumir o cargo, mas ninguém em sã consciência diria que não é um trabalhador incansável. Suas realizações transcendem em muito a economia. Em outro campo particularmente sensível aos americanos, a política externa, Trump tem dado sinais claros de que não só não quer o país envolvido em novas guerras como foi decisivo para a reversão de quase sete décadas de hostilidades entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte. Sua atuação no conflito, vista como errada, perigosa e temerária pelos “especialistas”, conseguiu resultados fantásticos, culminando com o histórico aperto de mão entre os líderes das duas Coreias. O tempo dirá se a diplomacia usada por quem dizem não ter diplomacia será realmente positiva. Fato é que depois do encontro de Trump com o ditador Kim Jong-un, o “homem foguete” anda mais dócil e com os pés no chão.

Outra ação que causou crises de nervos e ataques de pânico nos analistas foi a transferência da embaixada americana de Tel Aviv para a capital de Israel, a histórica e simbólica Jerusalém. As previsões de uma Terceira Guerra Mundial ainda não se concretizaram. Muito pelo contrário, como se vê com outros países seguindo o exemplo americano e respeitando a soberania israelense de escolher a capital do próprio país. Espera-se que finalmente o Brasil, o “anão diplomático” alinhado nos últimos anos com as posições das piores ditaduras do mundo, finalmente honre a memória de Osvaldo Aranha e volte a respeitar Israel, única democracia da região e exemplo de resistência para todos.

Enquanto caminha para melhorar o próprio país e deixar o mundo um pouco mais seguro, Trump conquistou também um resultado surpreendente nas eleições do mês passado, normalmente um termômetro importante para os primeiros dois anos de gestão. Enquanto Obama perdeu mais de 60 cadeiras na Câmara dos Deputados em 2010, Trump perdeu apenas 41 e ainda aumentou o número de assentos do partido no Senado, que já contava com maioria Republicana. Mesmo sob os mais ferozes ataques, conseguiu emplacar dois grandes juízes na Suprema Corte e garantiu que, ao menos por enquanto, a Constituição criada pelos Pais Fundadores não será “fundamentalmente transformada” pelo ativismo judicial, uma prática cada dia mais constante no Brasil.

Trump está sendo investigado com uma ferocidade sem precedentes por inimigos políticos e pelo chamado “estado profundo” (deep state), formado pelos burocratas da máquina estatal colocados, em parte, por seu antecessor por motivos ideológicos e que hoje devolvem a gentileza minando o atual presidente de todas as formas imagináveis (não, não estamos falando do PT). É impossível prever o resultado final dessas investigações e se Trump será alvo de um processo de impeachment, mas caso não seja suas chances de reeleição em 2020 não podem ser desconsideradas. Para os americanos, segurança e economia estão no topo da lista de prioridades, e nesses tópicos a atual administração tem se mostrado muito eficaz, tanto que a aprovação do atual presidente já supera a de Obama na mesma época.

Como brasileira que emigrou legalmente para os EUA há quase dez anos, morando na Califórnia, estado ideologicamente mais à esquerda do país, posso testemunhar que se vive um momento de euforia sem precedentes desde Ronald Reagan, presidente que trouxe 25 anos de prosperidade ao país. A maior potência do mundo, a líder do mundo livre, está bem e melhorando a olhos vistos, apesar das ameaças de impeachment, dia sim e outro também, vindas dos democratas. A Terceira Guerra Mundial, apesar das muitas análises de que ela seria inevitável com Trump na presidência, ainda não aconteceu. A economia só não vai bem para os vendedores de bunkers.

Trump tem irritado muita gente, mas pelos resultados ele tem tirado o sono das pessoas certas em nome do bem estar geral da população. Ainda não se sabe o que o presidente fará na fronteira com o México, outra narrativa distorcida e que sozinha valeria outro texto, mas uma coisa é clara: enquanto os analistas previam seu fracasso, e o sucesso de queridinhos da imprensa como Emmanuel Macron, o que se vê é o oposto. Nem tudo é maravilhoso na atual administração do presidente que às vezes fala demais e que ainda não enfrentou a situação da saúde. Também não se sabe se Trump construirá seu tão famoso muro, objeto forte de campanha e de atuais conflitos partidários, mas por enquanto podemos assistir, todos os dias, a quem está descendo dele.

Ana Paula Henkel é analista de política e esportes. Jogadora de vôlei profissional, disputou quatro Olimpíadas pelo Brasil. Estuda Ciência Política na Universidade da Califórnia.

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