MarioSabino

O socialismo é um sistema mental

04.01.19

Na posse como presidente da República, Jair Bolsonaro disse que aquele era “o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”. Colunistas não gostaram especialmente da menção ao socialismo, sob o argumento de que o país nunca foi socialista.

Na minha visão simplista, entendi que Bolsonaro estava falando da ideologia socialista continuamente martelada em escolas e meios de comunicação. Ideologia que ajudou a compor essa mentalidade avessa ao capitalismo que permeia as nossas relações políticas e econômicas desde o fim da República Velha, pelo menos, por influência dos tenentes então dirigidos por Moscou – e que ganharia força depois do Estado Novo, com a imbricação do populismo getulista com o sindicalismo tentacular do qual o próprio Getúlio Vargas lançara as bases como ditador. Sindicalismo tentacular que, por sua vez, aplainaria o terreno para o surgimento do PT, em 1980.

Os colunistas que se irritaram com a menção ao socialismo feita por Jair Bolsonaro argumentaram que, sob o PT, o Brasil havia sido liberal na economia. Lula seria apenas um social-democrata, segundo eles, apreciação que imagino deva ter desgostado muito José Dirceu e Fernando Haddad. Para ilustrar, disseram que os grandes bancos nunca lucraram tanto como sob o lulopetismo. Bem, na minha visão simplista, não acho que o oligopólio bancário que temos no Brasil seja exemplo de capitalismo.

Ao ler os colunistas, lembrei que a social-democracia lulopetista foi contra o Plano Real e as privatizações. E, depois de instalada no poder, tentou controlar a imprensa e criou conselhos para domesticar a magistratura independente (a parte visível do projeto de perpetuação no poder; a invisível seria descoberta com o mensalão e o petrolão). Para não falar de como o partido do Comandante Máximo usou da sua base sindical e dos tais movimentos sociais para impedir quaisquer tentativas de modernização nas relações de trabalho urbanas e agrárias. Sim, além de todo o intercâmbio com as ditaduras socialistas de Cuba e Venezuela.

Entre as recordações que sobrevieram enquanto ia lendo os colunistas, houve lugar também para uma passagem da minha vida profissional sobre a qual tirei conclusões possivelmente superficiais. Abordei-a em 2016, no artigo que reproduzo a seguir, intitulado “PT: a democracia como valor monetário”.

Ei-lo:

Em 1990, passei por uma experiência curiosa e esclarecedora: editei a revista Teoria & Debate, do PT. Tinha 28 anos, estava desempregado e um amigo me convidou para esse trabalho. Eles não precisavam de um petista – jamais fui simpatizante do partido ou filiado –, mas de um jornalista que soubesse editar. Recém-casado, durango, aceitei o convite.

 Era um estranho no ninho, mas fui bem recebido. Tanto que continuei a editar a Teoria & Debate, na condição de freelancer, por mais algum tempo, mesmo depois de empregado na Istoé.

Lia aqueles artigos extensos, escritos numa língua próxima ao português, e procurava lhes dar alguma sintaxe na sua falta de sentido intrínseco e extrínseco. Eu dizia que não era possível que eles ainda acreditassem em “luta de classes” e minhas observações eram ouvidas com sorrisos condescendentes. Fazia piadas sobre a “redenção da classe operária” e eles riam. Eu colocava poesias de grandes autores na quarta capa e eles aceitavam.

Eles, no caso, eram o baixo clero da máquina do partido com quem eu lidava no cotidiano. Meu contato com o alto clero – os intelectuais petistas, integrantes do conselho editorial da revista – era esporádico. Vez por outra, havia uma reunião para definir a pauta e o meu papel era escutar calado o que discutiam.

Lembro que uma questão aparentemente não superada pelo PT naquele momento era se a democracia seria um “valor estratégico” ou um “valor universal”. Traduzindo: se aceitar as regras democráticas consistia apenas numa forma para chegar ao poder – e, em seguida, implodir a coisa toda, a fim de instituir a “ditadura do proletariado” – ou se era possível revolucionar a sociedade dentro da moldura estabelecida institucionalmente pela “burguesia”.

O contexto mundial era o da recente queda do Muro de Berlim e o esfacelamento do que os petistas chamavam de “socialismo real” no Leste Europeu (uma distopia que queriam fazer renascer como utopia).

Passados quase trinta anos, constato que, para o PT, a democracia sempre foi um valor monetário. Uma vez no poder, o PT tentou apodrecer a democracia para enriquecer ilicitamente a casta dirigente do partido. Uma vez no poder, o PT tentou putrefazer a democracia para desgovernar o país por meio da compra de aliados circunstanciais. Uma vez no poder, o PT tentou ulcerar a democracia para conquistar votos através da distribuição de migalhas a pobres desassistidos eternizados como pobres assistidos.

Em resumo, o PT raspou os bigodes stalinista e trotskista para tascar um bigodão sarneyzista no seu discurso socialista.

Volto ao Jair Bolsonaro da posse. Não sei se o governo dele vai dar certo ou não e decididamente não gosto de certa fauna que o cerca. Mas concordo que é preciso se libertar das amarras do socialismo. No Brasil, o socialismo é um sistema mental que vem nos inviabilizando há um século. É a minha visão simplista.  

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