Alan Santos/PR

Quando a realidade se impõe

Em poucos dias o governo se vê diante de crises diversas, do caos na segurança no Ceará à promoção do filho do vice-presidente, e constata que a vida real é muito mais complexa que a bolha de uma campanha
11.01.19

A roda da política gira quase sempre do mesmo jeito. O candidato ganha a eleição com promessas e bandeiras e o otimismo se instala. Mas depois que assume percebe que uma coisa é o discurso, e outra bem diferente é a prática. É quando a realidade de um governo se impõe, com suas batalhas ministeriais, limitações financeiras, constrangimentos e pressões. Nas duas primeiras semanas após Jair Bolsonaro subir a rampa do Planalto, teve um pouco de tudo isso. O presidente se viu diante de crises inesperadas que acabaram por explicitar a desorganização gerencial deste início de gestão. Parte dos problemas se deve à existência de muitos núcleos de poder na Esplanada, que vêm funcionando sem que haja uma coordenação. Caberá ao próprio Bolsonaro, o capitão do time, fazer esse ajuste, sob pena de seguir vivendo uma crise a cada dia. A seguir, vão listadas algumas das confusões mais rumorosas deste início de governo.

A promoção do filho de Mourão

Na terça-feira, 8, veio a público a informação de que Antônio Hamilton Rossell Mourão, filho do vice-presidente, general Hamilton Mourão, havia obtido uma superpromoção no Banco do Brasil após a posse do pai. Ele passou de assessor empresarial da área de agronegócios a assessor especial da presidência do banco. Fora nomeado pelo novo presidente do BB, Rubem Novaes. Com a promoção, o salário do filho do vice triplicou. Passou de 12 mil para 36 mil reais. A notícia ganhou a ribalta logo após ser publicada por O Antagonista. O constrangimento foi geral, da ala civil à militar. Afinal, o fim do empreguismo e da influência política nas indicações para cargos do governo foi uma bandeira da campanha de Jair Bolsonaro. Mourão, contudo, bateu o pé e defendeu a promoção: “Meu filho, Antônio, ingressou por concurso no BB há 19 anos. Com excelentes serviços, conduta irrepreensível e por absoluta confiança pessoal do Presidente do Banco foi escolhido por ele para sua assessoria. Em governos anteriores, honestidade e competência não eram valorizados”, escreveu no Twitter. A justificativa abriria espaço para outra contradição. O filho de Mourão havia sido promovido três vezes durante as gestões do PT. O caso acabou sendo levado para a Comissão de Ética Pública da Presidência da República pelo PSOL. O filho do vice permanece no cargo.

A primeira crise de Moro

Um dos principais desafios de Sergio Moro, o combate ao crime organizado, colocou o ministro diante de sua primeira crise logo nos primeiros dias de governo. Governador de oposição a Jair Bolsonaro, o cearense Camilo Santana, do PT, foi o primeiro a recorrer ao Ministério da Justiça. Ele pediu ajuda da Força Nacional para tentar debelar uma série de ataques em Fortaleza. No total, foram 40 ações de criminosos em cerca de 48 horas, incluindo atear fogo em carros, em um posto de gasolina e até em uma delegacia. A suspeita é de que a origem do caos esteja na promessa do novo secretário de Segurança do estado de conter a disputa de poder entre facções criminosas em presídios. Após receber o pedido de ajuda imediata, Moro decidiu primeiro deixar a tropa apenas de prontidão. Menos de 24 horas depois, ele enviou 300 policiais para o estado. Os ataques, porém, permanecem. É o primeiro grande teste do superministro da Justiça.

As notas seriadas de Onyx

Entre 2009 e 2018, o então deputado Onyx Lorenzoni gastou 317 mil reais de sua verba de gabinete com uma empresa do Rio Grande do Sul cujo dono é amigo e correligionário dele. No total, a firma de consultoria emitiu 80 notas para serem pagas pelo gabinete do agora ministro da Casa Civil. Destas, 29 eram seriadas. Significa que, por um bom tempo, o único cliente da empresa era Onyx. Com sua verve notória, o ministro se esquivou assim da denúncia, publicada pelo diário Zero Hora: “Essa coisa da numeração das notas é problema dele (do amigo)”. É mais uma dor de cabeça para o ministro, que assumiu um dos cargos mais estratégicos da Esplanada com o passivo de, confessadamente, ter feito caixa dois. Onyx recebeu 100 mil reais do frigorífico JBS em 2010, mas não declarou o valor. O inquérito sobre o caso tramita no Supremo Tribunal Federal.

A base americana e os militares

Na primeira entrevista que deu após a posse, o presidente Jair Bolsonaro admitiu a possibilidade de fechar um acordo com os Estados Unidos pelo qual seria permitida a instalação de uma base militar americana em território brasileiro. A informação foi confirmada dois dias depois pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e celebrada pelo secretário de estado do governo Donald Trump, Mike Pompeo. Mas pegou de surpresa um dos principais polos de poder do novo governo, os militares. Foi o primeiro constrangimento do presidente com as Forças Armadas, que correram para desarmar a ideia do comandante-em-chefe. O receio da caserna é de que a concessão aos americanos pudesse ser seguida de uma resposta da Rússia, que detém boas relações com a ditadura venezuelana e poderia reivindicar a Nicolás Maduro uma base no país vizinho. Dias depois da declaração de Bolsonaro, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, descartou definitivamente a ideia.

O primeiro demitido não quis deixar o cargo

Mesmo sem falar inglês direito, o publicitário Alecxandro Carreiro, ou Alex Carreiro, foi nomeado pelo chanceler Ernesto Araújo para a presidência da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). A agência é responsável pela promoção de produtos brasileiros no exterior e por atrair investimentos estrangeiros para o país. Alex Carreiro foi uma indicação partidária. Filiado ao PSL, ele já havia trabalhado na liderança do partido na Câmara entre 2011 e 2013. Com uma semana no cargo, o chanceler percebeu a deficiência linguística. Mas tomou a decisão de mandá-lo embora após Carreiro se desentender com Letícia Catel, ex-dirigente do PSL e nomeada diretora da agência. Quando Alex procurou Araújo para reclamar, sua carta de demissão já estava pronta. Irritado, ele se recusou a assiná-la. O ministro se incomodou. Depois, pelo WhatsApp, conforme revelou o Diário de Crusoé, reafirmou sua decisão: “Caro Alex, estou sendo cobrado. Preciso anunciar (a demissão) agora. Colocarei em termos de seu pedido de saída. Assinei a indicação do seu sucessor”. Sem resposta, Ernesto Araújo fez o anúncio pelo Twitter: “O Sr. Alex Carreiro pediu-me o encerramento de suas funções como Presidente da Apex. Agradeço sua importante contribuição na transição e no início do governo. Levei ao presidente Bolsonaro o nome do embaixador Mario Vilalva, com ampla experiência em promoção de exportações, para presidente da Apex”. Na sequência, Carreiro respondeu a mensagem de WhatsApp do chanceler: “Ministro, não formalizei qualquer pedido”. Havia mais um problema na história. O chanceler decidiu demitir o subordinado à revelia do presidente Jair Bolsonaro. Virou crise. Para piorar, Carreiro recusou a demissão e continuou a despachar de sua sala, ao mesmo tempo em que tentava reverter a decisão do chefe. Não conseguiu. O chanceler saiu chamuscado, mas sua vontade prevaleceu. Na noite desta quinta-feira, 10, o Planalto confirmou a demissão. Foi a primeira baixa do novo governo.

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