GranmaMédicos cubanos serão reconvocados pelo governo para atuar nos rincões do Brasil: edital sai até o fim do mês

Ingerência externa

Como a ditadura cubana coletou informações eleitorais no Brasil e usou o Mais Médicos para fazer campanha política para o PT
18.01.19

Dos 5.570 municípios brasileiros, Limeira, no interior de São Paulo, está entre os duzentos mais desenvolvidos. É uma referência em saúde e, portanto, destino de pacientes de cidades próximas, nas áreas de oncologia, traumatologia, nefrologia, neurocirurgia e tratamento de queimados. Apesar dessas qualidades, em 2014, quase quarenta médicos cubanos chegaram ao município para trabalhar com clínica geral. Entre eles estava Tatiana Carballo Gomez, que já tinha cumprido missões na Venezuela e em Belize. Mal chegou, ela participou de reuniões com o coordenador da Organização Panamericana de Saúde (Opas). “Achei estranho. Ele falava muito mais de política do que de medicina”, diz ela.

Devidamente instalada, Tatiana passou a cumprir com zelo suas novas funções. “Eu precisava mandar mensagens em um grupo de WhatsApp coordenado por membros do Partido Comunista falando quais eram as possibilidades de cada um dos candidatos”, diz. Naquele mesmo ano, Dilma Rousseff concorreu à reeleição. Com a votação se aproximando, Tatiana teve de assumir um papel mais ativo. “O coordenador da Opas e os agentes do G2 (o serviço de inteligência estatal cubano) nos mandaram falar bem do PT para os pacientes. Também tínhamos de dizer que, se Dilma Rousseff fosse embora, nós iríamos junto”, afirma. Dois anos depois, foi a vez das eleições municipais. Tatiana então foi ordenada por seus superiores a falar bem do então prefeito, Paulo Hadich (PSB), que tentava um segundo mandato. “Ele era amigo dos médicos. Nos apoiou e nos acolheu.”

Livres da opressão da ditadura, os médicos que trabalharam no programa governamental de Dilma Rousseff e pediram as contas no meio do caminho se sentem agora mais à vontade para falar sobre a situação de escravidão a que foram submetidos. Aos poucos, também começaram a dar mais informações sobre as tarefas que eram obrigados a cumprir sob ameaça.

Tatiana, que atualmente mora no estado americano de Kentucky, é um dos quatro profissionais que abandonaram o programa, mudaram-se para os Estados Unidos e, agora, estão processando a Opas. Eles querem que a entidade, ligada à ONU, devolva-lhes a comissão que cobrou de seus salários para intermediar o negócio entre os dois países. Mas o documento do processo vai mais além e traz dados preciosos. “Além de receber treinamento em português, os litigantes eram preparados para doutrinar as pessoas que eles iriam atender no Brasil com propaganda política pró-cubana”, afirma a peça inicial do processo, que corre em um tribunal da Flórida. A atuação dos médicos também incluía imiscuir-se na política nacional e coletar informações para que a ação fosse mais efetiva.

Em entrevista a Crusoé no ano passado, outra médica que também integra a demanda contra a Opas, Ramona Rodriguez, confessou que foi obrigada a fazer propaganda para o PT. “Tinha de falar bem da Dilma”, disse Ramona, que vive em Miami. Nos arredores de Brasília, Alioski Ramires conta uma história parecida. “Todos éramos orientados a exaltar o PT, mas era preciso fazer isso de maneira discreta. Se falássemos abertamente, isso poderia ser considerado intromissão em assuntos de outros países”, diz.

Nenhum dos cubanos foi poupado de treinamento político na ilha. Assim que foram escolhidos para integrar a missão, os cubanos tiveram de fazer o que chamam de “curso do partido”. Durante um mês ou dois, participaram de aulas sobre marxismo. Foram ensinados sobre as maravilhas do comunismo e sobre os defeitos do capitalismo. Entre eles, a pobreza. “É uma doutrinação para quem quer ser doutrinado”, diz a cubana Eva Maria Arzuaga, que abandonou o Mais Médicos. Ainda em solo cubano, os médicos receberam as primeiras orientações sobre o que teriam de dizer aos pacientes brasileiros.

Segundo o processo contra a Opas, que foi abraçado por um advogado americano, o preparo também envolvia táticas militares. “Em Cuba, é obrigatório, para obter um diploma médico, receber treinamento militar intensivo para permitir que os futuros doutores possam atuar com um papel duplo, como médico e soldado nas missões no exterior”, lê-se na página 24 do documento. De fato, estudantes de Medicina em Cuba recebem ensinamentos militares no quinto ano (para mulheres) e no sexto ano (para homens). Aprendem a cavar trincheiras e a sobreviver em ambiente hostil. Ao final da faculdade, recebem o título de “tenente” juntamente com o diploma de médico. Mesmo pessoas que fizeram cursos nas áreas de humanas podem sair com um certificado dizendo que estão aptas para atuar na “infantaria motorizada”.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAlioski Ramirez (à esquerda): preparação com fuzil em território cubano
“Todos nós, homens, aprendemos a usar o fuzil na universidade”, diz Alioski, que foi dirigente estudantil do Partido Comunista em Cuba e hoje critica a ditadura. “Nossos chefes diziam que, no caso de um golpe de estado, teríamos de trocar o equipamento médico pelo fuzil e lutar até a última gota de sangue”, emenda. Essa prontidão, contudo, era exigida nas missões para a Venezuela. Para o Mais Médicos, no Brasil, os cubanos afirmam que a ênfase era “mais política”.

Na estimativa da Opas, 62 milhões de brasileiros chegaram a estar cobertos pelo programa Mais Médicos. A maior parte dos que foram atendidos, cerca de 80%, era de baixa renda. Eles conversaram com os doutores dentro de suas casas ou nas salas dos postos de saúde. Trata-se de uma força eleitoral gigantesca, que deixa as especulações sobre a interferência russa nas eleições americanas de 2016 no chinelo.

Agindo sob orientação do Kremlin, russos teriam roubado mensagens do comitê do Partido Democrata e as divulgado no site Wikileaks. Também teriam montado campanhas no Facebook. Nada que possa chegar perto da conversa tête-à-tête, com eleitores sendo atendidos em um momento de necessidade e os médicos na condição de autoridade. “O que os cubanos fizeram no Brasil foi muito maior do que aquilo que os russos podem ter realizado com recursos cibernéticos nos Estados Unidos, na Europa Ocidental ou no Oriente Médio”, diz o diplomata Paulo Roberto Almeida. “Eles têm uma tecnologia que combina a Stasi (polícia secreta da Alemanha Oriental), a KGB (hoje FSB, agência secreta russa) e uma enorme penetração em vários grupos de esquerda na América Latina.”

Por quatro longos anos, o proselitismo cubano atuou impunemente. No Brasil, nada pesa contra alguém que exprima sua própria opinião. Estrangeiros também têm esse direito assegurado. O que eles não podem é fazer propaganda política a mando de outra nação. Pela Constituição, somente brasileiros natos e naturalizados podem ter atuação política. “Por uma lei complementar de 1990, pode-se entender que o PT e a presidente Dilma abusaram de seu poder político e econômico para obter vantagens eleitorais. Eles poderiam ser julgados inelegíveis ou serem obrigados a pagar uma multa”, diz o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral. O prazo para entrar com uma ação, contudo, se encerra quinze dias após a diplomação dos candidatos que foram beneficiados por tais manobras. O tempo para isso já passou. Além disso, o desenrolar dos acontecimentos já cuidou de neutralizar a ingerência externa.

Ao experimentar a liberdade, cubanos que foram instruídos a fazer propaganda política muito rapidamente descobriram que a ditadura os mantinha como escravos e não valia a pena se sacrificar por seus algozes. Suas consultas, misturadas com odes a Dilma ou ao PT, sofreram resistência, principalmente entre as populações mais instruídas e mais ricas. “Era difícil convencer as pessoas, porque os moradores de Limeira eram bem instruídos e eram muito antipetistas”, diz Tatiana Carballo Gomez.

Outra médica, Russela Margarita Rivero Sarabia, que hoje vive no Texas, experimentou o mesmo obstáculo. Ela trabalhou na Unidade de Saúde da Família (Usafa) em Las Palmas, no Guarujá, litoral de São Paulo. O local fica a uma caminhada de doze minutos do tríplex de Lula no Edifício Solaris, na Praia de Astúrias, no Guarujá. “Atendi pessoas com bons recursos, que eram um pouco burguesas, e sempre aparecia alguém criticando o programa. Aí, nós éramos obrigados a refutar. Mas nem sempre discutíamos, porque também estávamos sendo enganados.”

A derrota do projeto político cubano no Brasil não aconteceu por obra da Justiça. Quem sepultou o plano de Havana foi o povo brasileiro e os doutores cubanos que rejeitaram o programa. Em 2016, o prefeito de Limeira, Paulo Hadich, do PSB, que foi ajudado pelos médicos cubanos, ficou com 11% dos votos e não se reelegeu. Foi trabalhar como delegado seccional em São João da Boa Vista, uma cidade próxima. “Nunca tive conhecimento de médicos cubanos fazendo campanha política em Limeira”, diz. Na eleição de 2016, quem saiu vitorioso na cidade foi Mario Botion (PSD), de direita, e o candidato petista teve 1,5% dos votos. Das 38 vagas abertas com a saída de Cuba do Mais Médicos, 37 já estavam ocupadas no início deste ano. Dilma Rousseff sofreu impeachment, Jair Bolsonaro foi eleito e o Brasil não se transformou em uma segunda Cuba.

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