Agência Senado

O calcanhar de Davi

Apontado como o preferido do Planalto na disputa pelo comando do Congresso, Davi Alcolumbre já caiu em investigações da Polícia Federal. Em uma delas, falando com um famoso doleiro de Brasília
18.01.19

O senador Davi Alcolumbre é brincalhão. Candidato extraoficial do governo à presidência do Senado, está contando duas historietas em seu estado, o Amapá. Uma, a de que Renan Calheiros, quatro vezes presidente da Casa e de novo postulante na disputa que ocorrerá no dia 1º de fevereiro, tentou demovê-lo da ideia. “Por que você quer ser candidato”, teria perguntado Renan. “Para te derrotar”, teria respondido Alcolumbre, segundo ele mesmo tem dito. A outra historieta tem como personagem José Sarney, outro que comandou o Senado em três ocasiões, eleito pelo mesmo Amapá: “Derrotei o Sarney aqui e agora vou ocupar a cadeira que ele ocupou em Brasília”.

O desprendimento com que tem se referido aos medalhões da velha política nacional se explica: Alcolumbre é o nome preferido do Palácio do Planalto para presidir o Senado neste ano. Aos 41 anos e em seu primeiro mandato, o jovem político amapaense tem, na surdina, circulado pelos estados e telefonado a novos e antigos senadores pedindo voto e se apresentando como o candidato com mais acesso ao novo governo, em razão de sua proximidade com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, seu correligionário no DEM. Além disso, vende-se como o “novo” na política. Apesar da pouca idade, porém, Alcolumbre já figurou em algumas ocasiões em inquéritos da Polícia Federal e, tal qual Renan e Sarney, as velhas raposas das quais ele faz galhofa, acumula suspeitas.

O senador é duplamente investigado no Supremo Tribunal Federal por supostas fraudes cometidas nas eleições de 2014. Teria feito caixa dois e falsificado documentos. Em um dos inquéritos, a Procuradoria-Geral da República reuniu elementos que mostram que cinco notas fiscais apresentadas por ele na prestação de contas, no valor de 155 mil reais, eram frias. As notas foram, de acordo com esses indícios, emitidas apenas para justificar a movimentação de valores, sem a prestação de serviços de material publicitário.

A Polícia Federal pediu que Alcolumbre fosse investigado pelo Supremo
Um desses indícios era trivial: as notas haviam sido apresentadas em papel, quando em Macapá o sistema de emissão já era eletrônico. Poderia ser apenas uma exceção. Mas o caso foi ganhando contornos mais destacados à medida em que a polícia avançava. Ao ser intimada, ainda em 2014, a campanha de Alcolumbre enviou um documento para tentar se explicar. Para isso, anexou uma autorização da prefeitura para que as notas pudessem ser em papel. A situação só piorou. O problema, em tese burocrático, virou criminal. A tal autorização levava a assinatura de uma servidora que diz que nunca assinou o papel. A suspeita é de que houve falsificação. A própria servidora prestou depoimento à Polícia Civil, que também confirmou em perícia a fraude. A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, pediu mais diligências, como um segundo depoimento da servidora. “Ressai improvável o alegado desconhecimento e, efetivamente, a não participação do parlamentar. Para a segurança necessária para eventual oferecimento de ação penal, no entanto, o aprofundamento da apuração é medida necessária”, escreveu Dodge.

Esse inquérito foi juntado a outro que, desde 2017, também apura fraudes de Alcolumbre nas eleições de 2014. Esse segundo foca, especialmente, em caixa dois. O caso tramita em segredo de Justiça. A PGR suspeita de “utilização de notas fiscais frias inidôneas para a prestação de contas, ausência de comprovantes bancários e contratação de serviços com data posterior à data das eleições”. Foram reunidos indícios de que cheques nominais lançados na prestação de contas foram sacados em dinheiro. Por isso, a Procuradoria pediu a quebra de sigilo do contador da campanha de Alcolumbre. A investigação, contudo, esbarra na burocracia: o Banco do Brasil não enviou todas as informações e a PGR chegou a pedir a aplicação de uma multa ao banco. Mas o gabinete da relatora do caso no STF, a ministra Rosa Weber, apenas reforçou o pedido ao banco e, em novembro, deu 30 dias para a instituição fornecer os dados, sem punição.

Os problemas em 2014 também foram parar na Justiça Eleitoral. Alcolumbre foi inocentado em primeira instância, mas o MDB, derrotado naquela eleição, recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral e a PGR deu parecer pela cassação do mandato. Imagine o impacto político de um presidente do Senado, no cargo, ter de enfrentar um processo de cassação. É um risco.

Além das suspeitas na eleição de 2014 ao Senado, Alcolumbre apareceu em uma investigação da Polícia Federal que, um ano antes, mirava o notório Fayed Traboulsi, o doleiro mais demandado de Brasília. Fayed era investigado pela suspeita de montar fundos de investimentos com títulos podres, para arrecadar dinheiro de fundos de previdência de servidores de prefeituras. Para isso, ele recorria a mulheres bonitas, apelidadas de “pastinhas”, para convencer políticos a despejar recursos nesses fundos. Em muitos casos, deu certo. Através desse tipo de expediente, o doleiro fez com que deputados, a partir do Congresso Nacional, procurassem prefeitos de quem eram aliados em seus estados de origem, a fim de propor a parceria. Foi justamente nesse período que, entre outros telefonemas a parlamentares, os policiais gravaram uma conversa de Fayed com Alcolumbre, então deputado. Eles combinam de se encontrar pessoalmente, no escritório do doleiro. Fayed é chamado pelo agora senador de “irmão querido”. A conversa durou 39 segundos:

Alcolumbre – Fala, irmão querido.

Fayed – Fala, meu amigo Davi. Tudo bem? Rapaz, final do ano tudo enrolado. Tudo que é merda para limpar que você não tem ideia.

Alcolumbre – (risos)

Fayed – Muito problema acontecendo. Você tá onde?

Alcolumbre – Eu tô na Câmara. Mas eu vou pra uma audiência lá no Ibama agora.

Fayed – Tá, eu vou estar no escritório agora à tarde.

Alcolumbre – A tarde toda?

Fayed – Vou estar até as 5h30 ou 6 horas.

Alcolumbre – Fechado. Tá bom.

A Polícia Federal reuniu a conversa de Alcolumbre e de outros parlamentares federais com o doleiro e pediu a remessa das gravações ao Supremo para investigar a relação. O caso não deu em nada – como é praxe nos tribunais de Brasília nas situações que envolvem detentores de foro privilegiado.

Para além das ligações suspeitas, Alcolumbre tem outra característica da velha política: a capacidade de adaptar seu discurso ao sabor das circunstâncias. Ele cresceu politicamente sob a sombra de José Sarney, senador pelo Amapá entre 1991 e 2014. Sua família é uma das mais tradicionais no estado. Quando Sarney (aquele mesmo de quem agora Alcolumbre faz chacota) deixou a Presidência da República e mudou seu domicílio para o estado em busca de uma eleição mais fácil para o Senado, a família do senador o recebeu de braços abertos. Tanto que um tio de Davi Alcolumbre, Salomão, dono de fazendas e postos de gasolina, chegou a ser escolhido como suplente de Sarney.

À época, Davi era um jovem popular e carismático que trabalhava com seu pai no comércio de mecânica e autopeças e fazia política estudantil. Foi incentivado pelo próprio Sarney e pelo tio a se lançar na política. Virou vereador de Macapá em 2000. Dois anos depois, elegeu-se deputado federal. Sarney era referência. Davi frequentava o gabinete de seu mentor no Senado e costumava recebê-lo no aeroporto de Macapá. A adulação foi recompensada. Em 2005, já no governo Lula, ele conseguiu alguns cargos no estado. E os preencheu indicando duas cunhadas.

A aliança com Sarney começaria a ruir nas eleições municipais de 2012, quando Alcolumbre se lançou candidato a prefeito. Ele amargou o quarto lugar, mas saiu da campanha com algum capital político. Durante o processo, aliou-se ao senador Randolfe Rodrigues, que hoje promete apoiá-lo na corrida pela presidência do Senado. Em 2018, Alcolumbre concorreu ao governo do Amapá. Não só saiu derrotado como agora responde a uma ação da Procuradoria Eleitoral, protocolada no mês passado, em que é acusado de ter sido beneficiado por uma ordem do prefeito de Macapá para que funcionários públicos, em horário de expediente, participassem de atos de sua campanha, sob pena de perderem as funções gratificadas que recebiam. O rompimento definitivo com Sarney se deu há cinco anos, quando uma costura política que os aliados do ex-presidente da República consideram uma das maiores traições já sofridas por ele em todos os tempos resultou na retirada do velho cacique da vida pública.

Agência BrasilAgência BrasilO chefe da Casa Civil: apoio declarado
Os quatro primeiros anos de Alcolumbre no Senado foram apagados. Ele fez apenas sete discursos na tribuna, média menor que a registrada em seus doze anos na Câmara, onde falou 41 vezes. Nunca se aprofundou em grandes temas nacionais. Quando tangenciou alguns deles, aliou-se aos suspeitos de sempre. Foi contra as denúncias contra o então presidente Michel Temer e ajudou a salvar o senador Aécio Neves nas duas vezes em que o mandato do tucano esteve sob risco. Presidiu uma CPI do BNDES aberta para retaliar a JBS após a divulgação das delações premiadas dos empresários Joesley e Wesley Batista. A comissão terminou sem apresentar nenhum pedido de indiciamento. Mas o trabalho foi recompensado. A exemplo do que havia conseguido anos antes, na era petista, o senador ampliou seu poder no Amapá. Indicou os chefes do Incra e do Ibama locais, entre outros.

Um dos senadores recordistas de gastos com verba de gabinete, Alcolumbre sempre procurou focar no estado. Como um legítimo representante do baixo clero, faz muito bem a chamada micropolítica: atendimento a prefeitos e vereadores, inaugurações de obras, liberação de emendas parlamentares e ocupação de cargos estratégicos na máquina pública federal amapaense. O que não o deixa, porém, distante das rodas mais poderosas da capital. Em sua empreitada atual, um dos principais ativos é integrar o DEM, partido aliado de Jair Bolsonaro, e gozar da proximidade com Onyx Lorenzoni, o chefe da Casa Civil. A mulher de Onyx, inclusive, trabalha em seu gabinete. Três figurões do DEM têm ajudado na campanha de Alcolumbre: o presidente do partido e prefeito de Salvador, ACM Neto, o ex-senador Agripino Maia e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado.

“Davi é uma figura simpática que transita bem em todos os segmentos. É uma figura amena que convive com todos. Transita de A a Z. Não é polêmico. Seu nome não enfrenta resistências”, disse Agripino a Crusoé. Os governistas calculam que Alcolumbre conte hoje com aproximadamente 35 votos. Para ser eleito, bastam 41. Ele quer ser o anti-Renan ostentando credenciais que, em diferentes aspectos, o aproximam de Renan.

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  1. Não se derrota um cara como o RENAN, se não tiver a mesma indolé, agora vamos ver se ele realmente faz algo de positivo, pois Renan era certeza do atraso. É o preço desse STF de bandidos que temos.

  2. Alcalumbre é um sarney jovem com todas as implicações repugnantes da semelhança. Mas se for bem controlado e vigiado poderá ser utilizado para as ações Importantes que Bolsonaro precisa efetuar e para conseguir obter as Reformas essenciais, tais como dar um fim ao "judiciarismo" do infame s.t.f. na política do Brasil.

  3. David parabéns!!! Ver o Renan renunciar ao mandato tudo de bom. Uma vitória pro Brasil vê se cria juízo e muda o jeito de fazer política precisamos de você pra fazer as reformas que o Brasil precisa precisamos sair desse atoleiro que o PT nos meteu chega de lama basta a de Brumadinho contamos com você

  4. Mais do mesmo veneno! Será que nunca conseguiremos um político, "limpo", para a presidência do Senado? Decepcionante ler a ficha do eleito Alcolumbre!

  5. Se o problema dele for só esse está perdoado. Duro é ter um gangster na presidencia do senado comunado com o preaidente do STF. Matamosdois coelhos. Desmoralizamos esse rábula do Tofolli e jogamos ele nos braços da lava jato. Corrra safado a PF vaimlhe pegar. E Gor antagonista, vamos para cima fe Tofolli. Esse safado precisa explicar a mesada de$100 com complacencia do COAF .Não esqueça que sao só $4.5 milhoes. E esse dinheiro tem estar declarado no imposto de renda.Vamos para cima dele

  6. Bela reportagem desmascarando essa farsa. Empregar a mulher do Onyx não seria nepotismo cruzado? Vale uma reportagem, inclusive, não só sobre ele, mas contra todos que fazem tal prática.

  7. Agora que o caso Flavio ta esclarecido o coaf poderia continuar sua fiscalização, incluindo os jornalistas da Globo, Folha, Estadao e Veja, além dos velhos políticos ..... Não se costuma dizer que ninguém está acima da lei em uma República? Pois então ....

    1. Esclarecido? Só se for pra você. Porque pra ninguém, que tem o mínimo de discernimento, está.

    1. Porque são ex-presidentes, é a tradição. Faltaram o tucano que não quis comparecer, e também a anta e o presidiário.

  8. É a nova onda do momento, se apresentar como da nova política, sendo da velha. Esse Davi é mais um que tenta surfar na onda, tá difícil escolher quem é o pior pra ser presidente do senado.

  9. Esse Alcolumbre é mais da mesma velha política que o Bolsonaro tanto endemonizou durante a campanha eleitoral e agora me parece alheio a ela.

  10. Alcolumbre pode não ser, conceitualmente, o melhor candidato, mas é, na espécie, o único que pode realmente derrotar Renan Calheiros. Renan é o verdadeiro atraso. Renan é o veneno da antiga política e Alcolumbre pode ser o soro antiofídico contra o malefício que vem das Alagoas... Não gosto de nenhum dos dois, mas, certo é que o inimigo de nosso inimigo é nosso aliado, logo, amigo. Pragmaticamente falando, é claro...

  11. Acho q a revista peca pelo extenso de detalhes, na maioria das vezes irrelevantes. Nào sei os demais leitores, eu fico apreensiva de não ter tempo para ler as outras questões. Não tem como ser mais sucintos?

    1. Matéria paga, pelo tom e detalhes por Renan cangaceiro

    2. Pelas minúcias e detalhes está com cara de reportagem no mínimo plantada pelo Renan. Crusoe é a mesma merda Matéria paga

  12. Como disse o armador grego Onassis: ninguém junta um milhão de dólares sem pecar. Aqui no Brasil, ninguém entra na política se não for pra roubar.

    1. Também gostaria que fosse o Álvaro Dias, porém observa-se na grande mídia a interação deliberada da omissão de seu nome.

    2. Um dos poucos honestos nesta fauna de corruptos, vigaristas, ladrões e outras classes de bandidos.

  13. Com candidatos como esse não iremos a lugar nenhum. Político inexpressivo, sem votos, afeito a conchavos. Em suma a velha política que lutamos para tirar do Congresso.Espero que isso não caminhe.

  14. Um parlamentar tão jovem e tão enrolado com a justiça. Uma pena! O Congresso precisa manter distância de figuras como essa e principalmente, presidindo o Senado.

  15. Pelo que vejo é o menos pior. E quando o antagonista vai derramar a ficha corrida do REU NAN? Cangaceiro canalha safado.

  16. Bom, e sobre o Renan e seus ainda 14 processos no STF a Crusoé não vai publicar nada? O Alcolumbre já está descartado. Falta descartar o Renan.

    1. Vc assinou a revista ontem? Não é possível!! Ou vc é burro ou mau-caráter. Ou os dois

  17. Pasmem!!! Sarney continua mandando. Só nos apresentam sujeitos com processos e bons de cintura, susceptíveis a fazerem conchavos e falcatruas. Ninguém apoia Álvaro Dias? Pelo menos aumentam as nossas chances no sorteio da Mega-Sena.

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