RuyGoiaba

Cinco obras para entender o Brasil

15.02.19

“Entender o Brasil” é mais ou menos equivalente ao que Benito Mussolini dizia sobre governar a Itália: não é difícil, é inútil. Mas não adianta querer se isolar. Você tenta ficar quieto no seu canto só olhando o celular, como Cazalbé de Nóbrega lendo jornal no banco de A Praça É Nossa, e todos os clichês do país interrompem sua leitura: a Velha Surda, o corno, a boazuda, o gay escandaloso. Às vezes uma enchente, uma chacina, um tsunami de rejeitos de mineração.

Seja como for, toda vez que algum eruditão resolve se dar a tarefa de “entender o Brasil”, cita coisas como o patrimonialismo descrito por Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder” ou o conceito de “homem cordial” de Sérgio Buarque em “Raízes do Brasil”. E aí está o erro: no Bananão, livros são inúteis. Em breve, todos eles serão substituídos por legendas de Instagram –o que torna o Insta do Neymar muito mais iluminador da lama em que estamos metidos.

Como esta coluna não se furta a prestar serviços relevantes à pátria, deixo aqui uma lista de obras, na maioria recentes, que ajudam a iluminar o “caráter nacional brasileiro”. Nada de livro: todas são acessíveis por YouTube, fazendo um curso Instagram e ouvindo Spotify. Logo, não obrigam ninguém a ler aquele monte de letrinhas cansativas.

1. Os Trapalhões

Além das obras-primas perenes que merecem ser revisitadas (Didi Mocó de Maria Bethânia, por exemplo), merecem especial atenção as interações do Sargento Pincel –autoridade ridícula e incapaz de se impor– com sua tropa composta por Jorge Lafond e os outros trapalhões. Se bem que, às vezes, Pincel e sua turma parecem o Exército americano na comparação com o brasileiro.

2. Chaves

O seriado é mexicano e tem quase a mesma idade de Silvio Santos, mas não importa: a vila do Chaves é um microcosmo da América Latina. Vale rever o episódio no qual Quico ganha um governo de presente e passa o dia chamando os ministros de “gentalha!”. (OK, esse episódio não existe. Mas deveria existir.)

3. Sertanejo universitário

Nem venha com Villa-Lobos e a Cantilena da Quinta Bachiana, aquela belíssima tradução musical de um Brasil que jamais existiu. O Bananão profundo é Zé Neto & Cristiano, Matheus & Kauan, qualquer uma dessas duplas de nomes e –por assim dizer– músicas totalmente intercambiáveis. Engana-se você que acha que sertanejo só fala de dor de corno: o gênero evoluiu, e hoje os protagonistas das canções são ou solteiros que passam o rodo ou namorados tão doentiamente possessivos que justificam requerer uma ordem de restrição à Justiça.

Ou seja, é um tipo de música tão bipolar quanto o Brasil.

4. O Instagram de Neymar Jr.

Chupa, civilização europeia: enquanto a literatura francesa tem belas páginas sobre a relação entre Montaigne e La Boétie, nós temos dezenas de fotos de Instagram que dão testemunho da linda amizade de Neymar e Gil Cebola. Um sujeito cuja única ocupação conhecida é ser “parça do Neymar” –imagino que ele preencha assim o item “profissão” dos formulários– também é a cara do Brasil.

5. O Bandido da Luz Vermelha

A frase mais célebre do filme de Rogério Sganzerla, dita pelo Bandido himself, é “Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba”. É tão adequada ao Brasil de agora como era ao de 1968. A diferença é que virou programa de governo: esculhambação com gravata (torta), gabinete, verba empenhada e uma porção de cargos comissionados.

Reprodução/InstagramReprodução/InstagramNeymar abraçado ao parça Gil Cebola: amor verdadeiro, amor eterno

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A GOIABICE DA SEMANA

E eis que Alexandre Frota se revela um insuspeito especialista na mais refinada dialética hegeliana, como comprova sua entrevista a Diego Amorim em O Antagonista. Tese: “Estou muito feliz no PSL”. Antítese: “O PSL nunca fez nada por mim a não ser me dar uma legenda. Não me deu dinheiro, não me deu santinho”. E a brilhante síntese: “Eu quero que se foda, entendeu? Todos eles”.

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