Mônica Bergamo/FolhapressO casal Gilmar e Guiomar: casas, apartamentos, fazendas, gado e dividendos polpudos

O ministro de 20 milhões

Crusoé fez um amplo levantamento do patrimônio de Gilmar Mendes e de sua mulher, Guiomar Feitosa. Entre cotas e dividendos das empresas de que são sócios, imóveis urbanos e propriedades rurais, a conta passa das duas dezenas de milhões de reais. Sucessivos empréstimos, no Brasil e no exterior, bancam a constante expansão da fortuna da família
15.02.19

Não é de hoje que o ministro Gilmar Mendes se queixa de perseguição. Também não é de hoje que, ante questionamentos sobre sua conduta como juiz da mais alta corte do país, ele se defende alegando ser alvo de abusos. Não faz muito tempo, Gilmar chegou a acusar arapongas da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, de espioná-lo. Na última semana, eclodiu mais uma dessas situações. Na sexta-feira, 8, a coluna Radar, da revista Veja, publicou dois trechos de um documento que revelava a existência de uma “análise de interesse fiscal”, em curso na Receita Federal, na qual auditores estariam escarafunchando as movimentações financeiras e o patrimônio do ministro e de sua mulher, a advogada Guiomar Feitosa Mendes. O papel mencionava “possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência”. Coube ao próprio Gilmar dar o primeiro tiro. Ele logo disse estar sendo, mais uma vez, vítima de abusos. “A Receita não pode ser convertida numa Gestapo ou num organismo de pistolagem de juízes e promotores”, acusou, referindo-se à polícia que servia ao regime nazista de Adolf Hitler.

O ministro enviou um ofício ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, pedindo a “adoção de providências urgentes”. Ato contínuo, Toffoli repassou a cobrança de explicações à própria Receita e ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Dias depois, em nota, a Receita anunciou não haver uma investigação sobre Gilmar, mas apenas um procedimento preliminar que pode ou não evoluir para uma fiscalização mais rigorosa. Informou ainda que irá apurar o vazamento das informações e o eventual abuso de auditores que levantaram suspeitas de crimes sobre as movimentações do casal. Mas por que, afinal, o patrimônio de Gilmar Mendes e Guiomar Feitosa chamou a atenção?

CrusoéCrusoéO prédio no centro de Lisboa onde o casal comprou apartamento: zona nobre
Ao menos uma parte da resposta para essa pergunta está em um levantamento minucioso feito por Crusoé a partir de informações públicas, como registros de transações imobiliárias, escrituras e contratos formalizados em cartórios do Brasil e do exterior. Casados em regime de separação de bens, Gilmar e Guiomar são donos de um vasto patrimônio, que inclui casas, apartamentos, fazendas e rebanhos de gado. Também são destinatários de vultosos pagamentos – ele, como sócio do IDP, o instituto de direito do qual é proprietário, e ela, como sócia de um escritório de advocacia estrelado com sede no Rio de Janeiro. São, ainda, tomadores de sucessivos empréstimos, no Brasil e na Europa, que justificam a constante ampliação do patrimônio da família — que, em uma conta bastante conservadora, ultrapassa a casa dos 20 milhões de reais.

Um dos imóveis adquiridos pelo casal é um apartamento de 137 metros quadrados e nove cômodos situado em uma das regiões mais nobres do centro de Lisboa, a capital de Portugal. Uma das cinco unidades de um prédio construído no século 19 e recém-reformado no Príncipe Real, área que virou objeto de desejo de milionários, o imóvel foi comprado pelo casal há pouco mais de dois anos. O contrato, assinado por Gilmar e Guiomar, registra que o negócio foi fechado por 550 mil euros – hoje, de acordo com estimativa de especialistas ouvidos por Crusoé, apartamentos similares na mesma região chegam a custar 1 milhão de euros (cerca de 4,2 milhões de reais).

O contrato de aquisição do imóvel em Portugal: 550 mil euros
O apartamento foi comprado pelos Mendes de um outro brasileiro, Márcio Corrêa da Silva, que havia adquirido o imóvel cinco meses antes por 500 mil euros. De acordo com os registros oficiais, do valor que Gilmar e Guiomar pagaram pela unidade, 350 mil euros foram financiados junto a uma agência do Santander em Portugal – o casal é titular de uma conta conjunta em uma agência do banco em Lisboa. Não há informações no contrato sobre a forma utilizada pelo casal para pagar os 200 mil euros restantes (algo próximo a 600 mil reais em valores da época) restantes. Em Portugal, a aquisição de imóveis acima de meio milhão de euros – como é o caso do apartamento adquirido pelo casal – dá direito ao chamado visto gold, que permite residência permanente no país.

No prédio lisboeta cercado por palacetes e bem perto da zona boêmia da cidade, Gilmar e Guiomar têm vizinhos conhecidos. Dos cinco apartamentos, quatro são de propriedade de brasileiros – e todos foram adquiridos recentemente. A unidade térrea foi comprada, um mês antes de o casal Mendes fechar negócio, pelo milionário Marcos Antônio Molina dos Santos, controlador do frigorífico Marfrig. Investigado nas operações Greenfield e Cui Bono, destinadas a apurar corrupção em bancos públicos e em fundos de pensão de empresas estatais, Molina fechou acordo com o Ministério Público para pagar 100 milhões de reais como compensação aos cofres públicos. Ele foi acusado de pagar 10 milhões em propina em troca da liberação de um financiamento pela Caixa.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéMansão em Brasília: jet-ski no lago e emas nos jardins, como no Alvorada
Dois andares acima da unidade de Gilmar e Guiomar está o apartamento de um velho amigo do ministro, Sidnei Gonzalez, diretor de projetos da Fundação Getúlio Vargas. Sob a batuta de Gonzalez, a FGV costuma realizar eventos em parceria com o IDP de Gilmar Mendes – muitos dos quais são patrocinados por empresas com interesses no Supremo Tribunal Federal, como Crusoé mostrou no ano passado. Gonzalez comprou o apartamento em junho de 2016, cinco meses antes de Gilmar se tornar seu vizinho. À diferença do ministro, o diretor da FGV adquiriu o imóvel por meio de uma empresa da qual é sócio-administrador, a HSG Administração e Empreendimentos Imobiliários, com sede em Copacabana, no Rio.

Gilmar Mendes é a grande estrela da família. Dono de faculdade e um dos mais influentes ministros do Supremo, ele concentra seu patrimônio sobretudo em Brasília e Diamantino, sua cidade natal, em Mato Grosso. Mas boa parte do dinheiro (e dos bens) do casal vem de sua mulher, a advogada Guiomar Mendes. De família rica com negócios no Ceará, ela é sócia de uma das bancas mais requisitadas (e caras) do Rio de Janeiro, a do advogado Sergio Bermudes. Documentos obtidos por Crusoé mostram que Guiomar recebe cerca de 280 mil reais por mês do escritório.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéOutra casa em área nobre de Brasília: endereço usado por enteado do ministro
Ex-assessora em gabinetes de tribunais superiores em Brasília, Guiomar alcançou o sucesso na carreira depois do casamento com Gilmar, com quem, a despeito do casamento em regime de separação de bens, costuma compartilhar diversos negócios. A advogada declarou a polpuda renda de 268 mil reais em 2017, ao pedir um empréstimo de 1 milhão de reais à Caixa. O dinheiro seria usado para comprar uma casa no Lago Norte, em Brasília. Valor total do negócio: 1,4 milhão de reais. Era um plano de expansão da área onde o casal já tem uma casa, às margens do Lago Paranoá, com jardins bem cuidados que abrigam emas, lembrando os gramados extensos do presidencial Palácio da Alvorada. A mulher do ministro tem, ainda, outros 3 milhões de reais, em valor de mercado, em imóveis localizados na parte sul da cidade. São duas salas comerciais pequenas, com cerca de 30 metros quadrados cada, em áreas nobres de Brasília. É proprietária também de um flat, de valor estimado em 400 mil reais, e uma casa no Lago Sul, onde um imóvel vale pelo menos 1,6 milhões de reais.

Se foi Guiomar quem custeou a expansão da área onde está a casa da no Lago Norte de Brasília, é no nome de Gilmar que estão as duas propriedades vizinhas, compradas uma em 2006 e outra em 2012 da família Graeff – o negócio mais recente foi fechado com Eduardo Graeff, secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso. Em Brasília, o ministro ainda é dono de terrenos em duas áreas que se valorizaram com a expansão da cidade e de um apartamento de 1 milhão de reais localizado na Asa Norte, outra zona nobre da cidade. Gilmar também é conhecido por colecionar obras de arte. Ele é dono de quadros e esculturas de artistas celebrados. Um de seus prediletos é Alfredo Ceschiatti (1918-1989), o escultor mineiro cujas obras ornamentam os mais importantes palácios de Brasília.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéA sede do IDP, conhecida na vizinhança como o “templo de Gilmar”
Na capital federal, além das atribuições como ministro da Suprema Corte, Gilmar tem seu negócio mais lucrativo, o IDP. O Instituto Brasiliense de Direito Público é uma faculdade de direito relevante no mercado local. Na sociedade, Gilmar é dono de pelo menos 6 milhões de reais em cotas. Do instituto o ministro costuma tirar algo próximo de 800 mil reais por ano em dividendos. O IDP funciona também como uma espécie de banco particular no qual o ministro, com alguma frequência, faz empréstimos para ele mesmo. Crusoé apurou que a dívida de Gilmar com o instituto em decorrência dessas retiradas já chegou, anos atrás, a 3 milhões de reais. Enquanto emprestava para o ministro, o IDP recorria a financiamentos volumosos no mercado. Desde 2011, a faculdade de Gilmar Mendes tomou sucessivos empréstimos com o Bradesco, chegando a 36 milhões de reais. O mais recente, em 2017, foi de 26 milhões de reais.

Além de arrecadar com os cursos de graduação e pós-graduação, nos quais costuma contar com professores que também são juízes de tribunais superiores, o IDP acumulou receitas nos últimos anos com eventos, muitos deles com a presença de sua maior estrela, Gilmar Mendes. Como Crusoé revelou em maio passado, o instituto faturou pelo menos 7 milhões de reais desde 2011 com patrocínios. Parte do valor, conforme destacou a reportagem àquela altura, vinha de empresas que não faziam questão de exibir suas marcas. Eram patrocínios ocultos.

CrusoéCrusoéEntrada de uma das fazendas do ministro em Diamantino, sua cidade-natal
A mesma lógica do Gilmar Mendes empresário se aplica a outro Gilmar Mendes, o fazendeiro em Mato Grosso. Suas propriedades rurais espalhadas pela região de Diamantino também recorrem com frequência a empréstimos. Os próprios imóveis, carregamentos de arroz, um caminhão de água e até vacas foram hipotecados como forma de obter dinheiro com juros mais baratos. Atualmente, ele tem empréstimos de pelo menos 2 milhões de reais com prestações para vencer até 2023. As taxas são baixas: de 5,3% a 8% ao ano. O dinheiro foi obtido no Banco do Brasil e no Bradesco – o mesmo banco dos sucessivos financiamentos concedidos ao IDP. Parte do valor tem como garantia 367 vacas nelore, com idade estimada em 36 a 40 meses.

De nomes como Santa Cecília, Jaó e Estreito do Rio Claro, as fazendas de Gilmar Mendes têm cerca de 5 mil hectares – algo como 5 mil campos de futebol. Uma parte dos imóveis o ministro herdou e outra, ele comprou. Gilmar divide as fazendas com familiares, entre eles o irmão Francisco Mendes, ex-prefeito da cidade. A soma das parcelas das propriedades que cabem ao ministro chegam a 3 milhões de reais. O cálculo é conservador e não contempla benfeitorias, animais (Gilmar é dono de ao menos mil cabeças de gado) e plantações. Crusoé procurou o gabinete do ministro para ouvi-lo, entre outras coisas, sobre a relação entre a evolução patrimonial de sua família e a análise iniciada por auditores da Receita Federal, mas não obteve resposta.

(Com reportagem de Mateus Coutinho)

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