Os dois presidentes se encontrarão na terça-feira, 19, em Washington

Afinidade ideológica e bons negócios

O encontro entre Jair Bolsonaro e Donald Trump na Casa Branca deve estreitar ainda mais a relação pessoal entre os dois mandatários. O Brasil também tem muito a ganhar economicamente com a viagem
15.03.19

Logo após ter tido seu nome anunciado como chanceler, no final do ano passado, o diplomata Ernesto Araújo disse que o céu era o limite na relação com os Estados Unidos. Três meses depois, Araújo embarca no domingo, 17, com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e vários ministros, entre eles Paulo Guedes e Sergio Moro, para uma viagem de três dias a Washington. Na terça-feira, 19, Bolsonaro terá um encontro privado com o presidente americano, Donald Trump, na Casa Branca. Aproveitando-se de sua conexão com o americano, Bolsonaro terá boas notícias para divulgar mesmo tendo pouquíssimo tempo de mandato. O burburinho causado pela proximidade ideológica entre eles incomodará alguns, mas é certo que o Brasil tem a ganhar com essa visita. Entre os anúncios mais prováveis, estão o uso comercial da base de Alcântara, no Maranhão, o reconhecimento do Brasil como aliado militar preferencial e a redução de entraves comerciais.

Na agenda, a parte ideológica virá antes. Assim que desembarcar, no dia 17, Bolsonaro participará de um jantar na casa do embaixador brasileiro, Sérgio Amaral, em Washington. Lá deverão estar presentes o escritor Olavo de Carvalho e o ex-estrategista de Trump, Steve Bannon. A lista de convidados, todos ligados à direita americana, foi elaborada pelo chanceler Ernesto Araújo e pelo diplomata Nestor Forster. Esse último, amigo de Olavo de Carvalho, tem grandes chances de ser anunciado o próximo embaixador do Brasil nos Estados Unidos, depois da viagem.

A vertente ideológica, no entanto, enfrenta resistências dentro e fora do governo. Prova disso é que Bolsonaro já parou de falar no estabelecimento de uma base militar americana no Brasil. O tom mais belicoso com a ditadura de Nicolás Maduro foi amenizado pelo vice Hamilton Mourão. A Venezuela estará na pauta das conversas com Trump e os dois países discutirão os próximos passos na relação com Caracas, mas medidas mais fortes parecem ter sido descartadas. Do lado americano, o encontro com Bolsonaro é definido por três palavras: pragmatismo, concretização e engajamento. “A atual aproximação pode até ter um componente ideológico, mas depois que a poeira baixar, será a hora de colocar a burocracia para funcionar e estabelecer uma relação entre dois adultos, em que os números e a força econômica de ambos os países serão determinantes”, diz Thomaz Zanotto, diretor do departamento de relações internacionais e comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp.

O maior prêmio que Bolsonaro poderia conseguir nos Estados Unidos seria o apoio de Trump à entrada do Brasil na OCDE, a organização dos países mais ricos do mundo. Muito mais do que uma questão de status, o aval americano significaria que o país é confiável por respeitar as regras internacionais em 34 áreas temáticas. Isso deixaria os credores mais confiantes para emprestar para o governo e as empresas brasileiras, o que ajudaria a diminuir os juros. Ao mesmo tempo, a promessa valorizaria os ativos nacionais, que ficariam mais atrativos para os estrangeiros. O Brasil fez o seu pedido de adesão em 2017. Naquele mesmo ano, Trump manifestou apoio à entrada da Argentina de Mauricio Macri, hoje em grande apuros econômicos. Agora, uma menção favorável na declaração final da viagem de Bolsonaro seria uma grande vitória e turbinaria a candidatura brasileira.

Casa BrancaCasa BrancaO presidente argentino Mauricio Macri com Donald Trump: apoio para entrada da Argentina na OCDE em 2017
Outros tópicos são mais prováveis de serem anunciados. Um deles, que já está combinado, é o acordo para o uso do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso desistiu de levar a plenário um projeto que autorizava o uso do centro, sob pressão de congressistas da oposição que diziam que a soberania nacional seria afetada. Como é praxe nesse tipo de transação, os americanos pediram naquela época acesso exclusivo à área. O objetivo era impedir a espionagem e o roubo de tecnologia. Atendendo a uma exigência do Congresso americano, o acordo também previa que o dinheiro ganho com o aluguel do espaço não fosse investido em um lançador de satélite brasileiro, uma vez que a tecnologia pode ser usada para mísseis balísticos. O novo texto, que deverá ser revelado nos próximos dias, sofreu pequenas alterações para não correr o mesmo risco de engavetamento. Não se diz mais que o espaço alocado será apenas acessado por americanos, mas que a entrada e a saída será controlada por eles. O dinheiro obtido com o aluguel não poderá ser usado diretamente para o lançamentos de satélites, mas o Brasil terá como fazer isso por outros caminhos. Se der certo, o país poderá arrecadar milhões em um dos estados mais pobres da federação e ainda impulsionar o programa espacial brasileiro. “Muitos países emprestam ou alugam instalações para outros. A Argentina, por exemplo, cedeu à China o controle sobre um vasto território sem acesso regular do governo argentino. A bondade ou maldade de qualquer acordo depende dos termos e da capacidade dos parceiros de confiar uns nos outros”, diz o cientista político americano Evan Ellis, professor do US Army War College, nos Estados Unidos.

Valter Campanato/Agência BrasilValter Campanato/Agência BrasilO Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão: parceria com os EUA
Na área de defesa, o Brasil deve ser honrado com o status de “grande aliado extra-Otan”. Apesar de o título trazer o nome da Organização do Tratado do Atlântico Norte, trata-se de uma denominação dada somente pelos americanos. Se for classificado assim pelo governo dos Estados Unidos, o Brasil poderá comprar equipamentos com preços e financiamentos mais baixos e até receber, sem custo, armamentos que não são mais usados.

Deverá ser anunciada, ainda, uma colaboração maior entre o FBI e a Polícia Federal. Para tanto, o ministro da Justiça, Sergio Moro, terá encontros com dirigentes do Departamento de Justiça e do próprio FBI, a fim de firmar um acordo que permita maior troca de informações sobre corrupção, lavagem de dinheiro, terrorismo e tráfico de drogas. “Como o crime organizado se globalizou, hoje é essencial que ocorra uma cooperação entre os serviços de inteligência”, diz o cientista político Heni Ozi Cukier, que foi secretário adjunto de Segurança Urbana em São Paulo e eleito deputado estadual. “O Brasil ficou um pouco atrás nisso, por razões ideológicas, e agora terá muito a ganhar.”

O que deverá ficar para depois são as negociações para um tratado de livre-comércio entre os dois países. Qualquer acerto, afinal, dependeria de uma conversa prévia com os demais países do Mercosul. Brasil e Estados Unidos também teriam diversas pendências a resolver, já que reduções de tarifas podem impactar negativamente grupos econômicos dos dois países. A expectativa é em torno de convergência regulatória e facilitação de normas alfandegárias. “Se tivermos ao menos algumas medidas para facilitar o comércio, como a harmonização de normas, isso já reduziria muito os custos de exportação”, diz Lígia Dutra, superintendente de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Em Washington, Bolsonaro chegará em uma posição muito melhor das que tiveram seus antecessores nos últimos dezesseis anos. Em seus dois mandatos, Lula deu prioridade a negociações com países emergentes e com ditaduras de esquerda. Dilma Rousseff chegou a esboçar alguma aproximação com Washington. Em 2013, um mês antes de realizar uma visita de estado aos Estados Unidos, ela cancelou a viagem depois de descobrir que agências de inteligência americanas tinham monitorado suas comunicações pessoais. O governo de seu sucessor, Michel Temer, até buscou alinhar-se mais aos americanos, mas a falta de apoio interno e sua condição de presidente transitório fez com que recebesse pouca atenção no exterior.

Ao contrário dos ex-presidentes petistas, Bolsonaro reconhece a importância de ter uma boa relação com os Estados Unidos. O antiamericanismo ficou no passado. Diferentemente de Temer, o atual presidente é respeitado pelos chefes de governo de outros países e tem um mandato inteiro pela frente. Por fim, existe uma forte afinidade ideológica entre Bolsonaro e Trump, um feito raro nas relações internacionais e que pode render bons frutos. “Para ser sincero, não vejo prejuízo em criar um capital de boa vontade com nosso principal parceiro, para quem exportamos bens industriais”, diz o embaixador Graça Lima, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). “O importante seria expandir o foco da relação, hoje muito centrada na Venezuela, para a construção de parcerias e acordos. Depois da declaração conjunta é que veremos quais objetivos foram alcançados.”

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