ReproduçãoOs três irmãos com o pai: relação turbulenta

Dinheiro na mão

As transações financeiras da família presidencial já chamaram atenção das autoridades em outras oportunidades
15.03.19

De filho discreto, Flávio Bolsonaro virou motivo de dor de cabeça na família presidencial quando um ex-assessor dele na Alerj apareceu no já famoso relatório de inteligência financeira do Coaf. De uma vez só, o PM aposentado Fabrício Queiroz colocou os nomes de Jair Bolsonaro, da primeira-dama Michelle e do próprio Flávio no meio de transações consideradas atípicas – uma delas, apontada no documento, era um cheque destinado ao presidente que foi depositado na conta de Michelle. Bolsonaro disse que se tratava do pagamento de um empréstimo. Crusoé apurou a existência de outras situações financeiras incomuns envolvendo Flávio Bolsonaro e outros integrantes da família. No caso do senador, há valores recebidos sem recolher imposto e uma operação de mercado em dinheiro vivo que contraria as regras oficiais. Os demais receberam doações do hoje presidente da República sem recolher os impostos correspondentes.

Em 2013, o governo do Distrito Federal publicou o resultado de uma parceria com a Receita Federal. O trabalho originou uma lista de pessoas físicas com endereços em Brasília que haviam declarado ter feitos doações, mas não pagaram o imposto devido sobre essas operações. Quem não pagou foi, então, alvo de uma autuação. Era um procedimento de rotina, como forma de aumentar a arrecadação e tentar receber daqueles que, apesar de terem declarado à Receita, não haviam recolhido o imposto distrital.

A autuação não foi nada discreta. A Secretaria de Fazenda do DF resolveu divulgar todos nomes em um edital de convocação, dando prazo de 30 dias para quitar os débitos. A lista fez barulho. Cerca de 30 mil nomes foram expostos, entre empresários, políticos e ministros do governo e do Judiciário. Até o secretário de Fazenda, o então governador Agnelo Queiroz e o atual, Ibaneis Rocha, estavam lá.

Havia ali também o nome de um deputado que, em 2013, passou despercebido. Era Jair Bolsonaro. Entre 2008 e 2011, ele transferiu 445 mil reais para os filhos e a mulher, Michelle. Na declaração à Justiça Eleitoral em 2010, o patrimônio de Bolsonaro era de 826 mil reais – dos quais 63 mil reais eram em dinheiro. De acordo com o edital do Fisco, nenhum dos beneficiários recolheu o imposto de doação, de 4% das operações. Era algo como 17,8 mil reais à época. Por norma, quem recebe a doação é obrigado a pagar o ITCD, o imposto que incide sobre doações e transmissão de bens.

José Cruz/Agência BrasilJosé Cruz/Agência BrasilA primeira-dama Michelle recebeu doação de 55 mil reais do marido
Das doações que Bolsonaro fez aos familiares, o maior naco foi repartido em 2010. Naquele ano, ele doou 200 mil reais. O dinheiro foi assim distribuído: 100 mil reais para Flávio Bolsonaro, e 100 mil para Carlos Bolsonaro. Em 2008 e 2011, também houve doações. No somatório dos anos, Eduardo Bolsonaro foi quem mais recebeu: 160 mil reais, ao todo. Depois vem Carlos, que ganhou do pai 130 mil reais. Michelle Bolsonaro recebeu 55 mil reais.

Por ter sido publicado no Diário Oficial, sem considerar o sigilo fiscal, o edital de convocação foi revogado no mesmo dia da publicação. O governo do DF, então, passou a fazer as cobranças individualmente, como é o procedimento padrão. Como a família não consta na dívida ativa local, tudo indica que o imposto foi recolhido – ou, ao menos, a dívida foi parcelada.

Crusoé perguntou ao presidente a razão das doações. O Planalto respondeu que não comentaria. Na mesma ocasião das doações de Jair Bolsonaro, o seu filho Flávio se envolveu em uma situação vedada pela CVM, órgão que regula mercado financeiro. O caso envolvia a quitação de uma dívida que ele tinha com uma corretora de investimentos. Em maio de 2009, Flávio recebeu um telefonema de Marcelo de Faro, então gerente de operações da corretora Intra, do Rio de Janeiro, onde havia feito aplicações entre 2007 e 2008 que somavam 90 mil reais. O valor fora aplicado na Bolsa de Valores.

Faro avisou o então deputado que todos os valores investidos haviam sido perdidos e que ele ainda estava no negativo. As aplicações escolhidas haviam dado prejuízo. A dívida somava 15,5 mil reais. O normal seria transferir o dinheiro para a corretora. Ele respondeu, porém, que não tinha o valor em conta de imediato. E ofereceu, então, uma solução alternativa: embora não possuísse o dinheiro em conta, tinha 15 mil reais em dinheiro vivo. O gerente da corretora foi buscar o montante na casa de Flávio. O episódio é narrado pelos advogados do filho do presidente em uma ação movida por ele na Justiça contra a corretora Citigroup Global Markets Brasil, que adquiriu a Intra. Flávio Bolsonaro alega que os prejuízos foram causados devido a operações que ele não teria autorizado.

No processo, Flávio sustenta que teria sido “ameaçado” na conversa por telefone e alertado que, se a dívida não fosse paga, os funcionários da corretora não receberiam salário. “Diante dessa ameaça e da insistência do gerente da mesa de operações em solucionar a qualquer custo a pendência, este fez contato telefônico com o autor informando-lhe que deveria desembolsar, de imediato, a quantia de R$ 15.500,00. Assustado, o autor disse que não dispunha deste valor em conta corrente, mas entregaria o referido valor em espécie, no intuito de não ter o seu nome negativado e de não recair sobre si a ‘responsabilidade’ pelo não pagamento dos funcionários da corretora”, diz a peça protocolada pelo advogado do senador na Justiça.

O próprio Marcelo de Faro assinou um recibo, datado de 12 de junho de 2009, em que confirma ter apanhado o dinheiro na residência de Flávio e, posteriormente, depositado o valor em sua conta pessoal, para em seguida transferi-lo pra a conta de Flávio na corretora, que estava no negativo. A prática, porém, era vedada pela CVM. O órgão proíbe agentes autônomos do mercado de receber dinheiro diretamente dos investidores. Os valores, segundo as regras vigentes, devem passar por instituições financeiras. O processo ainda está em tramitação.

Situação similar aconteceu com Carlos Bolsonaro, que também perdeu dinheiro e foi à Justiça reclamar. Carlos já perdeu o processo. O gerente da corretora, que atendia os dois irmãos, também se deu mal. Desde 2013, ele não tem mais autorização para atuar como agente de investimentos. Já Flávio Bolsonaro, apesar do prejuízo, seguiu com uma vida financeira saudável. Em 2006, quando tinha 25 anos, seu patrimônio era 385 mil reais – basicamente um apartamento e um carro de 35 mil reais. Em 2010, mesmo com o prejuízo do ano anterior, declarava bens e valores que somavam 690 mil reais. Em 2018, seu patrimônio era de 1,7 milhão de reais. Procurado por Crusoé, ele não quis se manifestar.

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