FelipeMoura Brasil

A articulação das birras

29.03.19

“Articulação política” é um conceito usado de modo elástico o bastante no Brasil para abranger, na prática, desde o diálogo entre representantes do governo e das casas legislativas sobre propostas em tramitação no Parlamento até o pagamento de vantagens ilícitas aos parlamentares em troca de votos, como no caso do mensalão petista, passando também pela oferta de cargos, nos quais indicados cometem ou não ilicitudes.

Que se desconfie de parlamentares que cobram “articulação política” do governo federal em prol da aprovação da proposta de reforma da Previdência, como se usassem a expressão genérica para encobrir interesses imorais ou espúrios, é resultado da imagem negativa de um Congresso com setores acostumados ao toma lá dá cá e apinhados de investigados por corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois.

O codinome “Botafogo” no departamento de propina da Odebrecht, além dos fatos de ter retardado a tramitação do pacote anticrime de Sergio Moro e de tê-lo chamado pejorativamente de “funcionário” de Jair Bolsonaro após a reclamação do ministro da Justiça sobre o descumprimento de um acordo, só potencializa a desconfiança sobre Rodrigo Maia – marido da enteada do ex-ministro Moreira Franco, que chegou a ser preso pela Lava Jato do Rio na semana passada, mas acabou solto pelo TRF-2.

“Por que o presidente da Câmara anda tão nervoso?”, provocou Carlos Bolsonaro em rede social. “A responsabilidade do diálogo daqui para a frente com os deputados passa a ser do governo”, reagiu Maia, irritado em ser alvo do filho do presidente e de aliados da família na internet. “Tem político que não quer largar a velha política”, emendou Jair Bolsonaro. O presidente ainda endossou o filho, dizendo que Maia está “um pouco abalado com questões pessoais”, ao que o deputado rebateu dizendo que Jair Bolsonaro está “brincando de governar”. “Não existe brincadeira da minha parte”, insistiu o presidente, até que Maia declarou: “Pare, chega, peça ao entorno para parar de criticar”.

Diante desta troca pueril de farpas, pergunto: Moro não dava conta de reagir sozinho à birra de Maia? Respondo: claro que dava. “Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais”, respondera o ministro, com a elegância e a firmeza características de seu comportamento. Para a família Bolsonaro, porém, a melhor defesa de um aliado é o ataque coletivo a quem o atacou. Todos se mimam. No fundo, é como se ninguém fosse adulto e maduro o suficiente para enfrentar individualmente um obstáculo.

Em corridas eleitorais, especialmente contra adversários de partidos envolvidos em corrupção, a exacerbação deste senso de autoproteção coletiva pode até funcionar, como aconteceu em 2018. No Executivo, quando se depende do Legislativo para aprovar uma medida fundamental para o saneamento das contas públicas, essa exacerbação amplifica polêmicas e desgastes, transformando o diálogo entre os poderes em mais um fla-flu.

Não rebater birra com birra é parte da articulação política, assim como dialogar sobre pontos sensíveis da reforma da Previdência, como o Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos pobres, e a aposentadoria de trabalhadores rurais e professores. Isso nada tem a ver com distribuir cargos e mesadas. Tem a ver com foco na prioridade do governo e habilidade para contornar a adversidade. Muito ajudarão Paulo Guedes e seus secretários Rogério Marinho e Bruno Bianco aqueles que não os atrapalharem.

Zero a zero é derrota para o Brasil.

Felipe Moura Brasil é diretor de Jornalismo da Jovem Pan.

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