O politicamente insano

05.04.19

Na última semana, a polêmica sobre transexuais no esporte feminino foi levantada mais uma vez. O assunto, que é atualmente debatido no mundo ocidental, foi parar nas manchetes no Brasil depois que Bernardinho, nosso técnico multicampeão com as seleções masculina e feminina de vôlei, desabafou com seus auxiliares durante um jogo da Superliga Feminina dizendo que a atacante Tiffany, do time SESI Bauru, atacava como um homem.

Para quem não acompanha o vôlei feminino brasileiro, Tiffany, que foi Rodrigo na maior parte da sua vida, tem 34 anos. Há pouco mais de dois anos tem níveis de testosterona compatíveis com o esporte feminino, mas por três décadas, quando jogava vôlei em ligas profissionais como Rodrigo, construiu um corpo de 1,94m de estrutura e músculos masculinos. É justo que agora participe de competições com quem é mulher desde que nasceu, que tem ossos, músculos, ligamentos e capacidade aeróbica tipicamente femininas? Você sabe a resposta.

Antes de tudo, é importante salientar que a discussão sobre transexuais no esporte feminino não é sobre preconceito ou tolerância, é sobre a volta do bom senso e a defesa da verdade. Nada contra Tiffany ou qualquer outra atleta transexual que apenas segue uma recomedação (não é regra, uma vez que não há estudos sobre o tema) criada pelas entidades responsáveis pelo esporte, mas tudo contra politizar ciência, esporte profissional e biologia em nome de uma agenda ideológica que humilha e inferioriza as mulheres. Dr. João Granjeiro, coordenador da Comissão Nacional Médica (Conamev) da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), órgão responsável pela liberação de Tiffany, já declarou ser contra a participação da atleta trans na Superliga Feminina.

Sou solidária em relação às batalhas que transexuais precisam travar para que seus corpos estejam melhor alinhados com o que desejam. Seus desafios pessoais são inimagináveis para mim. É importante respeitarmos a identidade social de transexuais e abraçá-los na sociedade, mas no campo esportivo é difícil ignorar a identidade biológica que possui uma composição óssea e muscular masculina, além de coração e pulmões maiores com superior capacidade cardiorrespiratória. Tiffany pode ser muito bem-vinda nas áreas técnicas do esporte feminino, mas seu corpo é totalmente incompatível com o vôlei entre mulheres.

A maior jogadora de tênis de todos os tempos, Martina Navratilova, deu recentemente uma raquetada no politicamente insano e deixou os ativistas desnorteados ao se juntar a outros atletas de ponta, analistas e médicos que desafiam as patrulhas ideológicas e se colocar publicamente contra a entrada de homens biológicos em esportes femininos. Homossexual assumida desde quando não era moda, 62 anos, ela tem no currículo 18 Grand Slams como jogadora individual e foi treinada por uma técnica transexual, Rennee Richards. Até outro dia, era considerada um dos grandes “ícones gays” de todos os tempos e defensora das pautas LGBT. Agora é chamada de — pasme —  “transfóbica” por defender o óbvio.

Num tempo em que a militância política condensa e resume o pensamento às pautas ideológicas para negar a realidade, não é difícil identificar a armadilha em que as entidades esportivas caíram e que podem levar junto todo o esporte feminino. A verdade mais óbvia e respeitada por todos os envolvidos no esporte é a diferença biológica entre homens e mulheres. Basta uma análise superficial com um mínimo de bom senso no porte físico de jogadores de basquete masculino e feminino para entender que não são intercambiáveis. O que aconteceria se LeBron James, uma lenda viva da NBA, decidisse levar sua técnica, seus músculos e seus 2,03m para o campeonato de basquete feminino depois de dois anos de tratamento hormonal?

A agenda ideológica em defesa de transexuais em esportes disputados por mulheres ultrapassou qualquer limite do absurdo quando Fallon Fox, um ex-militar e ex-caminhoneiro americano, tornou-se a primeira lutadora trans de MMA. Fox não apenas venceu cinco das seis lutas que disputou como causou profundas lesões corporais nas suas oponentes, como concussões sérias e ossos fraturados. Digam o quiserem, Fox, gênero feminino e respeitada dentro da sociedade, é um homem biológico batendo publicamente em uma mulher dentro de uma arena e ganhando dinheiro e aplausos politicamente corretos por isso.

Na contramão do discurso de parte da comunidade trans, temos o exemplo da lutadora e atleta transexual amazonense Anne Veriato, faixa-marrom de jiu-jítsu que aos 21 anos estreou no MMA profissional. Anne, que nasceu homem e iniciou sua transição com tratamento hormonal aos 14 anos, vai contra a corrente do politicamente correto: “Me sinto e sei que sou mais forte que as mulheres. Sempre competi com homens desde a infância — e sempre fui ganhando, tanto no jiu-jítsu, como no submission. Se fosse para lutar com uma mulher seria mais fácil ainda. O treino que faço é pesado, é treino de homem”. Para Anne, um orgulho para as mulheres, podemos citar Shakespeare: “Não há herança mais rica que a honestidade”.

Durante toda minha carreira, fui submetida ao mais rigoroso e intenso controle antidoping por todas as entidades esportivas, incluindo a Agência Mundial Antidoping (WADA). Assim como eu, todas as atletas femininas de todos os países são incansavelmente testadas dentro e fora das competições para provar que não construímos, em nenhum momento da vida, nossos corpos com testosterona. De todos os testes, um dos mais importantes para mulheres é o que mede exatamente o nível do hormônio masculino, proibido de ser usado ou mesmo de ser naturalmente produzido em qualquer fase da vida de uma atleta mulher além do permitido.

Para efeito de retestes, se necessário, as entidades antidoping mantêm nosso material colhido (B sample) por até 10 anos. Uma nova medição em material antigo que constate níveis incompatíveis de testosterona num corpo feminino pode retirar títulos retroativamente, conquistas de anos anteriores e acarretar até no banimento do esporte. A pergunta que nós mulheres fazemos é: o que uma amostra de anos atrás de atletas transexuais femininas acusaria? Enquanto atletas femininas são dura e justamente patrulhadas por comissões médicas, atletas transexuais constroem livremente seus corpos com o primor da performance atlética: a testosterona. O justo nível de rigor em prol do esporte limpo foi totalmente abandonado para acomodar o politicamente correto e transexuais que até pouco tempo atrás eram homens, alguns deles tendo competido profissionalmente como homens.

A endocrinologista californiana Dra. Ramona Krutzik, uma das médicas mais repeitadas da área e que estuda os hormônios humanos há 19 anos, defende que dois anos de terapia hormonal não são suficientes para reverter os efeitos da puberdade masculina em uma atleta transexual. Ela é categórica: “Para reverter qualquer aspecto físico masculino no corpo, além da cirurgia de sexo, são necessários pelo menos quinze anos sem testosterona para começarmos a perceber algumas mudanças ósseas e musculares”. Na absurda recomendação do COI sobre atletas transexuais no esporte feminino, nem a cirurgia de sexo é obrigatória, apenas dois anos de testosterona em níveis femininos. Difícil aceitar tal absurdo.

Este é mais um dos temas que precisamos enfrentar numa sociedade que está sucumbindo às militâncias barulhentas e intelectuais e comentaristas perturbados por falta de coragem de participar do debate público e dizer o que precisa ser dito sem medo de perseguições e assassinatos de reputação. Se é desgastante sair da zona de conforto e se posicionar, precisamos todos considerar as consequências de se calar. Jovens atletas perderão espaços em equipes escolares, universidades, clubes e até em seleções. Não podemos vendar os olhos com o politicamente correto e aplaudir uma desigualdade em nome da igualdade. Exaltar e beneficiar homens biológicos que se identificam como mulheres em papéis e campos femininos pode ser a forma suprema de misoginia.

O combate ao preconceito contra transexuais e homossexuais é uma discussão justa e pertinente. A inclusão de pessoas transexuais na sociedade deve ser discutida e respeitada, mas essa apressada e irrefletida decisão de incluir biologicamente homens, nascidos e construídos com testosterona durante décadas, com altura, força e capacidade aeróbica de homens, sai da esfera da tolerância e constrange, humilha e exclui mulheres.

Fechar os olhos para a biologia humana na tentativa de ludibriar a ciência em nome de agendas político-ideológicas não mostra a maturidade necessária para um avanço honesto no assunto. A boa notícia é que, enquanto atletas pelo mundo pressionam pela formação de comissões médicas no Comitê Olímpico Internacional (COI) e estudos profundos e a longo prazo que comprovem que não há vantagem de atletas trans em relação às mulheres, a opinião pública já mostra de que lado está: do lado do esporte limpo, da ciência, do bom senso, da verdade e, principalmente, das mulheres. Há esperança contra o ex-politicamente correto, agora politicamente insano.

Ana Paula Henkel é analista de política e esportes. Jogadora de vôlei profissional, disputou quatro Olimpíadas pelo Brasil. Estuda Ciência Política na Universidade da Califórnia.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO