O tempo a favor de Maduro
Já se passaram dois meses desde que o deputado Juan Guaidó se proclamou presidente interino da Venezuela, sendo reconhecido quase que imediatamente pelos Estados Unidos, pelo Brasil e por outros países. De início, a vibração das ruas, em sintonia com Guaidó, levou a especulações sobre generais depondo o ditador e sobre a possibilidade de uma intervenção estrangeira. O tempo passou e nenhuma dessas apostas concretizou-se. Desde março, o país passou a conviver com apagões de energia quase diários, que deixam a população não apenas sem luz como também sem água. Os pequenos protestos nos bairros perderam força com a repressão a tiros e as grandes passeatas opositoras ficaram mais raras. Receoso de que algo lhe acontecesse, e aconselhado por agentes de inteligência cubanos, o ditador agora despacha de um bunker, em endereço desconhecido. Com a autoridade que ainda lhe resta e o consentimento dos militares, Maduro parece estar preparando a prisão de Guaidó. Em tempo muito curto, a inversão das expectativas foi quase total.
As investidas oficiais contra Guaidó começaram logo que ele se anunciou como presidente interino, no dia 23 de janeiro. Ainda naquele mês, o procurador-geral da Venezuela pediu o congelamento dos bens do deputado e logo foi atendido. O Supremo Tribunal de Justiça, chavista, também proibiu o opositor de deixar o país. No final de fevereiro, após uma campanha internacional para que os militares permitissem a entrada de ajuda humanitária, Guaidó saiu clandestinamente pela fronteira e viajou por vários países da América Latina, inclusive o Brasil. No final de março, seu chefe de gabinete, Roberto Marrero, teve a casa invadida sem ordem judicial e foi preso. Neste momento, está sendo acusado de liderar uma célula terrorista. Na quinta-feira, 28 de março, a Controladoria-Geral proibiu Guaidó de exercer cargos públicos por quinze anos. Na terça-feira, 2 de abril, a Assembleia Constituinte, criada por Maduro, decidiu retirar a imunidade parlamentar do presidente interino por supostamente planejar um atentado contra o ditador e ter deixado o país ilegalmente. “A cada nova atitude, o governo calibra a reação da oposição, da população e de outros países, para saber até onde é capaz de ir”, diz o economista e especialista em relações internacionais Raul Gallegos, da consultoria Control Risks, em Bogotá. “Não acharia estranho se, em breve, eles prendessem Guaidó”.
Maduro também conseguiu manter o apoio da China e da Rússia. Desde o fim de março, foram anunciados uma base de treinamento de pilotos de helicóptero e um centro de manutenção. Trata-se de uma promessa antiga da Rússia, já que a Venezuela conta com cinquenta helicópteros de combate russos. O que mais preocupa é a chegada de 99 militares da Rússia, em dois aviões que pousaram em Caracas vindos da Síria. Uma aeronave saiu da base militar de Latakia e outra de Damasco. Seus passageiros, ao que tudo indica, operavam sistemas de mísseis antiaéreos S-300 na Síria e deverão fazer o mesmo trabalho na Venezuela. O sistema, comprado em 2009, foi instalado perto de Caracas e pode proteger a capital e três bases próximas de ataques aéreos. “Maduro está ficando mais cruento porque não lhe restam muitas opções. Além disso, a ativação desse sistema de defesa aérea pode lhe dar uma sensação de invulnerabilidade, aumentando sua autoconfiança”, diz o analista venezuelano Andrei Serbin Pont, diretor da Coordenadoria Regional de Investigações Econômicas e Sociais (Cries), em Buenos Aires.
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